Assinala-se hoje o Dia Mundial das Abelhas

Apicultor com 34 anos de experiência queixa-se de perdas “gravíssimas” na produção de mel e de redução do número de abelhas nos Açores

Correio dos Açores - Qual a história da Apiários Melo e Sousa?
Vítor Sousa (Apicultor) - O meu sócio, Edgar de Melo, era funcionário público na secção apícola. Conhecemo-nos há 34 anos e como eu tinha igualmente interesse pelas abelhas, cerca de três anos mais tarde, decidimos fazer um projecto de primeira instalação no outrora denominado IFADAP (actual IFAP) em 1990. No mesmo ano comprámos a Quinta do Além, na Fajã de Cima, onde permanecemos até hoje.

Quantas colmeias têm?
Já chegámos a atingir 400 colmeias. De momento, temos cerca de 360 a 370 colmeias. Temos em 18 apiários na ilha de São Miguel, porque o máximo que se pode ter em cada espaço varia entre 20 a 25 colmeias, pelo que tivemos que recorrer a várias localidades. Temos apiários em todos os concelhos da ilha.       

Qual a importância da preservação das abelhas para a sustentabilidade ambiental?
Creio que todos temos noção de que as abelhas são de extrema importância para o planeta. No entanto, infelizmente, não lhes estamos a dar a devida importância. Já chegaram aos Açores as dificuldades na apicultura que se sentem no exterior. Estamos a enfrentar graves problemas. As abelhas estão em maus lençóis.

Refere-se a que problemas?
Desde logo, a falta de flora. Estamos a perder gradualmente o trevo devido ao excesso da pecuária, actividade que utiliza muito azoto. Ao lançarem este químico na pastagem para que a erva cresça mais depressa, o trevo fica mais inibido, apesar de não morrer por completo. O trevo é uma graminha bastante adaptada ao nosso clima e que surge naturalmente. Além disso, temos muitos milhos e isso reduz o pasto para as abelhas.
Estamos a ter perdas produtivas gravíssimas devido à falta da floração e às alterações climáticas. O nosso clima está um pouco descontrolado. Já não é como era. Por exemplo, temos grandes chuvadas repentinas e nevoeiro, o que prejudica muito nas alturas de florações, pois as abelhas não trabalham. Temos tido uma redução da produção de mel e devido a todos estes factores parece estar a haver uma certa redução nas abelhas.
Além disso, a apicultura era o único sector agrícola que nunca recebeu subsídios da União Europeia. Todos os outros sectores, nomeadamente a fruticultura, a horticultura, a pecuária, entre outros, receberam subsídios ao longo de décadas. Finalmente, começámos a receber alguns apoios a nível da produção do quilo de mel e, ao que parece, no próximo ano vamos receber também outro montante no que toca às colmeias, mas ainda não sentimos os seus efeitos na prática.

Pelo menos, a vespa asiática ainda não chegou aos Açores…
Esta é uma vantagem que temos na Região em relação ao resto do mundo. Em São Miguel não temos varroa ou loque, mas temos três ilhas do arquipélago com varroa e uma ilha, salvo erro, com loque.

O que se pode fazer para combater esses problemas?
A nível regional, tem havido iniciativas para se criarem florações. O Governo Regional tem dado apoio e auxiliado nas plantações. Temos que aproveitar alguns terrenos incultos para promover florações para as abelhas. Ou seja, dar uso a terrenos baldios que possam servir para flora. Embora haja uma crescente sensibilidade para isso a nível governamental, de associações, entre outros, temos que ter pressa nisso. Precisamos urgentemente disso.
O turismo veio dar uma grande ajuda a nível de preço e vai compensar um pouco as perdas que temos. Apesar de não ser o suficiente, vai melhorar. O nosso mel tem sempre procura, especialmente o mel de incenso por ser único no mundo.

Na Apiários Melo e Sousa apostam essencialmente no mel de incenso?
Há dois tipos de méis, nomeadamente o mel de incenso e o mel multiflora. A floração forte que temos na ilha é o incenso, que é acompanhado com a acácia. Esta é a floração de Inverno que surge no final de Janeiro ou início de Fevereiro e vai até Abril, sendo que esse mel é recolhido em Maio. O mel de incenso é um mel claro. Produzimos esse mel há cerca de 35 anos, após a vinda de um francês chamado Jean-Pierre aos serviços apícolas. Ele é que aconselhou que se houvesse mel operculado, já sem humidade, nessa altura podia-se tirar e alguns apicultores começaram a apostar nisso. A nível de mercado, com rotulagem, fomos os primeiros a comercializar o mel de incenso, em simultâneo com uns apicultores da ilha do Pico.
O mel denominado multiflora é produzido a partir do nosso típico trevo. As análises feitas pelo IAMA – Instituto de Alimentação e Mercados Agrícolas ainda aponta para 70% de trevo, mas estamos com produções muito reduzidas. O mel multiflora é extraído entre Outubro e Novembro.
     
O que diferencia o vosso mel dos restantes?
Os méis produzidos na ilha de São Miguel são todos idênticos, podendo diferir um pouco de uma zona para a outra. Por exemplo, no que toca ao mel de incenso, na zona de Ponta Delgada, o mel vai sair um pouco mais escuro do que o da Povoação e Nordeste. As zonas baixas apanham outro tipo de florações que estão a surgir, o que confere uma coloração diferente. No entanto, as qualidades do mel são as mesmas. As abelhas é que estão a colher o mel. Claro que há certos cuidados a ter após a extracção, principalmente para não deixar entrar humidades.   

De que forma a empresa contribui para a sustentabilidade e preservação do meio ambiente?
Apesar de haver alguma industrialização, estamos no sector primário. As abelhas é que colhem a matéria-prima e o mel não tem transformação. Por natureza, as abelhas é que o fazem. Temos que ter um cuidado sério para não as matar. Na quinta, produzimos maracujás há 30 anos e temos que ter cuidado a nível de insectos, fungos, entre outros, para não corrermos o risco de matar as nossas abelhas.
A presença humana nas abelhas permite aumentar e desenvolver a sua população. Se as deixarmos à sua sorte, acredito que muitas abelhas possam sobreviver, mas com as dificuldades que existem actualmente, especialmente as mudanças a nível climático, creio que íamos ver o número de abelhas muito reduzido.
Como o cenário está actualmente, se os apicultores da ilha não cuidassem das abelhas, acredito que ficaríamos sem elas em duas ou três décadas. As abelhas estão a tornar-se dependentes de nós. Mas acredito que o panorama está a mudar. Parece que vai haver mais pastagem e já se fala em agricultura biológica a nível de pecuária. Acredito que vão surgir outras formas de pasto em São Miguel.

Exportam abelhas?
A decadência das abelhas foi tão grande na ilha que está a haver tanta procura de vários apicultores que querem colmeias e não há. Nós sempre fornecemos e vendemos abelhas, contudo neste momento precisamos para manter o nosso efectivo. Ora, isso é um exemplo da decadência da actividade e das dificuldades que estamos a ter com as abelhas. Durante décadas vendemos abelhas e sempre tivemos facilidade em arranjar enxames para todos e agora estamos com dificuldade. Para haver produção de mel, tem que se renovar os enxames, pois é normal que morram cerca de 10%. Por vezes, podem morrer entre 15% a 20%.

Qual é a importância de não se cortar as ervas nas estradas para as abelhas e para a produção de mel?
Sou a favor que as ervas se mantenham quando o trevo está em flor e ultimamente isso não acontece. Os cortes são tão rasantes e frequentes que o trevo está a desaparecer, deixando de dominar a sua área e estão a surgir ervas de origem desértica que se dão muito bem com a seca. No Verão vamos ver ervas com sementes de secas que se vão alastrar para outros sítios com o vento.
A meu ver, é preciso ter cuidado no corte das ervas, bem como no tamanho do corte.

A empresa Apiários Melo e Sousa em São Miguel apoia iniciativas sociais ou ambientais, tais como a “Abelha Amiga”...
Acho que iniciativas como a “Abelha Amiga” são óptimas. No fundo, são as tentativas para se dar a volta e não se cair em grande decadência, de modo a não termos problemas com as abelhas nos Açores.
Nós fazemos parte da Associação APIMAR – Associação de Apicultores da Ilha de São Miguel e fomos inclusive fundadores da Casermel, mas por ser cooperativa e como nós éramos uma empresa privada, com actividade estabelecida no mercado, acabou por ser incompatível continuar.
    
Onde vendem os vossos produtos?
Desde o princípio, fazemos parte das duas maiores superfícies comerciais existentes na ilha, quando estas se estabeleceram em São Miguel, uma vez que somos mais velhos do que elas. Exportamos também para os hipermercados das outras ilhas dos Açores, além de que vendemos no Mercado da Graça.
Tenho pena de não ter mais quantidade para poder comercializar. As grandes superfícies comerciais estão a abrir muitas lojas e o turismo está a aumentar. Como tem havido menos produção, está cada vez mais difícil fornecer e não estamos a procurar clientes. Tentamos servir apenas os que nos contactam.
O nosso mercado não tem capacidade de produção por si. Diria que estamos a produzir 50% e os restantes 50% correspondem a mel que vem de fora. Na nossa empresa, já recorremos à compra de mel do exterior para fazer face às encomendas. Quando tal acontece, rotulamos sempre como mel do exterior.

Quais são os planos para o futuro?
A nossa idade vai avançando. O meu sócio é mais velho do que eu. Gostava que os meus filhos dessem continuidade à empresa. Para tal, é preciso que a apicultura melhore um pouco. Com as dificuldades que a apicultura enfrenta agora, não se pode viver apenas da área. Aliás, nós nunca o fizemos por ser um pouco arriscado.
                                     

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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