Obra de cerâmica de artesã açoriana decora o gabinete do Presidente da República

Quando começou a criar cerâmica, Vânia não esperava que o Lava Studio fosse ganhar esta dimensão, mas o seu talento acabou por não passar despercebido: “Começou por ser uma experiência e eu nem sabia se as pessoas iam gostar do meu trabalho ou sequer o iam comprar. Eu já ficaria contente se gostassem do meu trabalho, mas para meu espanto as pessoas gostaram”, conta a artista faialense, em conversa com a redacção.
O seu talento despertou o interesse de muitos, entre os quais do Governo Regional, para o qual Vânia já elaborou duas peças únicas. Sob a sua marca Lava Studio, Vânia foi convidada a elaborar uma peça de cerâmica que foi oferecida ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pelo Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, Luís Garcia, aquando da visita do chefe de Estado à ilha do Faial, em 2021. “Foi um convite que me caiu no colo, e eu não estava nada à espera”, recorda Vânia, que pensava que não daria conta do recado. “Foi uma grande surpresa, porque as pessoas ainda nem sequer conheciam bem o meu trabalho. As pessoas que me escolheram nem sequer me conheciam.”
“Foi uma assessora, penso eu, que conhecia o que fazia e que, quando estavam a fazer sugestões, foram ver fotografias do meu trabalho, e pelo que sei, todos concordaram. Depois, vieram falar comigo, porque também havia um tempo muito curto”, explica sobre como surgiu esta oportunidade.
A artesã certificada conta que teve apenas dois dias para criar esta peça, que tem enfeitado o gabinete de Marcelo Rebelo de Sousa, explicando que através de um amigo que contacta com o Presidente com alguma regularidade, soube que Marcelo conservava a peça de cerâmica, no seu gabinete, por ter gostado muito daquela lembrança que levou consigo dos Açores.

Cerâmica começou por ser uma terapia física e mental após grave acidente de carro
No Lava Studio existem dois tipos de trabalho distintos: artesanato virado para lembranças, e obras únicas de autor. Como explica a artista: “Tenho artigos que podem ser mais considerados artesanato, como os ímãs e artigos mais direccionados para os turistas: artigos para as pessoas que estão de passagem e querem algo pequeno para levarem de oferta”. Neste tipo de oferta, incluem-se os ímãs em formas de seres vivos e animais marinhos, como os cachalotes, corais, águas-vivas, e ainda colares e taças em forma de folhas, que nos rementem para outros elementos da natureza. Neste tipo de trabalhos, a artista não usa moldes, embora tenha de fazer vários peças semelhantes: “Faço tudo à mão. Embora as peças sejam parecidas, nunca são iguais. Há uma repetição, mas sendo sincera, como ceramista, a repetição é muito chata.”
Por outro lado, há a parte preferida de Vânia que são as obras únicas de autor, de maior dimensão, normalmente inspiradas na natureza e em elementos marinhos como o coral: “São completamente únicas, porque faço-as à mão e não dá para fazer outra igual. Também por opção minha porque não gosto de estar condicionada a repetir a mesma coisa. Para quem compra, o especial é saber que aquela é única e que não há mais nenhuma igual.” Aqui surgem os pedidos especiais por parte de empresas, estabelecimentos como hotéis e restaurantes, onde podem ser encontradas peças criadas pelo Lava Studio.
Considerando-se autodidata, inicialmente, aprendeu as bases da cerâmica num ateliê em Lisboa, conta, e frequentou alguns workshops com artistas conhecidos na área: “Mas há muitas coisas que foram por exploração, ou tentativa e erro, muitas asneiras também pelo meio quando as coisas correm mal, mas sim, sou autodidacta”.

“Sentia saudades dos Açores,
 do cheiro do mar”
É incontestável que as suas obras são inspiradas na natureza e no mar, observando-se uma preferência pelas formas de corais e pela cor azul: “Teve a ver com a forma como eu trabalhava lá no atelie, porque eu morava em Lisboa, mas a verdade é que sentia saudades dos Açores, do cheiro do mar. Gosto muito dos elementos naturais, sejam eles do mar, sejam eles elementos da natureza. Acabo por ir sempre por aí, não sei explicar porquê, mas gosto da estética, do movimento, dos corais, por exemplo.”
Vânia Félix esteve muitos anos em Lisboa, a trabalhar no aeroporto. Trabalhou na área durante 20 anos. Em 2017 sofreu um grave acidente de carro e “quando fui para a cerâmica foi mais como quase uma fisioterapia do que outra coisa. Era para ser uma fisioterapia mental e uma fisioterapia física, só que percebi rapidamente que gostava muito de cerâmica e que era uma paixão minha”, partilha a artista.
Na pandemia, e afectada pelas mazelas físicas provocadas pelo acidente, decidiu deixar Lisboa, mudar de vida e voltar para a calmaria do dia-a-dia no Faial. “Passava muito tempo no trânsito e tinha muitas dores e estava cansada da confusão de Lisboa. Então resolvi mudar de vida radicalmente e vim com os meus filhos para os Açores”.
No Faial, Vânia tem também dinamizado actividades ligadas à cerâmica e ainda a outros tipos e artesanato, tentando juntar os habitantes da ilha após o início da pandemia: “Depois comecei a ver que aqui no Faial as pessoas tinham muita necessidade de fazer actividades e de conviver. E então, além da cerâmica que eu fazia, comecei a dar workshops e fui abrindo o meu leque de actividades. Além da cerâmica, dei de macramé, e de bordado. Tenho me adaptado às circunstâncias e ver o que as pessoas aderem mais.” “No primeiro ano que voltei para cá, realmente correu tudo tão bem, apesar da pandemia, que foi isso que me fez tomar a decisão de já não voltar para Lisboa e continuar na cerâmica”, confessa a artista, sobre como tem corrido o projecto do Lava Studio.


Loja vai divulgar trabalho de artesãos portugueses e dinamizar oficinas


Já há alguns meses que artesã certificada está a preparar a abertura da loja Lava Studio na freguesia das Angústias, na Horta, que vai englobar ateliê, exposição e venda de artigos da marca Lava Studio bem como de artigos de outros artesãos. A espera tem sido longa, e as expectativas são grandes. “O espaço está pronto, mas tenho estado presa por burocracia”. Tem esperanças que a loja seja inaugurada até final de Julho: “Falta-me limar umas arestas e receber mais mercadoria.”
A intenção é criar uma concept shop (loja-conceito), “cujo mote é feito à mão, de preferência português, por isso a ideia é divulgar outros artesãos portugueses, marcas portuguesas, novos designers, claro, numa escala pequena”, revela a artesã.
Para além de ter um espaço para trabalhar, vender e promover artigos artesanais, Vânia terá um espaço para continuar a realizar os seus workshops e, num novo projecto, uma experiência com turistas, que poderão, por exemplo, pintar uma peça que já existe ou até criar outra, sendo depois essa peça enviada para as suas casas. “De futuro, para além da parte da loja e da divulgação do artesanato em si, era esse o caminho que eu gostava de seguir”.
A artista conta que quer, igualmente, apostar na divulgação das peças de autor e levar a sua arte para fora dos Açores, mas existem entraves: “Um dos problemas que temos cá é o de conseguir que o nosso trabalho saia dos Açores. Há vários condicionantes, um deles é efectivamente o transporte… mas tudo se faz devagarinho.”
Até lá, mais cachalotes, corais e outros elementos da natureza vão certamente ganhar forma e nascer a partir do barro moldado pelas mãos de Vânia.

Mariana Rovoredo

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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