Professor Eduardo Paz Ferreira

“O ‘Idadismo’ tem o pressuposto de uma certa inanimizade entre os jovens e os idosos e ambos não são inimigos”

Correio dos Açores - O Professor Catedrático despediu-se no dia 8 de Maio da docência e fê-lo por imposição, não por vontade própria. Anunciou que vai continuar a colaborar com a Universidade. O que tem já alinhavado para essa nova missão?
Professor Eduardo Paz Ferreira (Autor do livro ‘Deixo Fechr a Porta’ e especialista convidado pelos Governos dos Açores e Madeira para rever a Lei de Finanças das Regiões Autónomas) - Agradeço a atenção com que vão seguindo os episódios desta vida que já vai ficando longa, embora eu às vezes goste de gritar que não, que estou novo. O que se passou comigo passa-se com muitas pessoas. A idade média aumentou muito e as pessoas com 70 ou mais anos são hoje muito mais do que eram quando foi estabelecido este limite de idade como obrigação de reforma. Hoje em dia, justificar-se-ia outra maleabilidade em que as pessoas que achassem que já não podiam continuar poderiam, de facto, aposentar-se mas os outros poderiam continuar enquanto estivessem em condições. E tenho a veleidade de dizer que estou em boas condições de o fazer.
Entrei na Faculdade, como aluno, em Outubro de 1970. Ainda me lembro do dia que saí de Ponta Delgada: dia 9 de Outubro, no navio ‘Angra do Heroísmo’, em terceira classe, sem acomodações, a 800 escudos o bilhete. Nunca pensei que estava a sair de vez. Nunca saí, realmente, da ilha mas a verdade é que vivo no continente há 53 anos. A minha vida adulta foi quase toda passada no continente.
Voltando à questão que colocada, vou continuar a colaborar com a Universidade de Lisboa. Neste tempo em que estive ligado à faculdade, durante mais de 45 anos, dei aulas de licenciatura, mestrado, doutoramento, dei aulas em algumas faculdades estrangeiras, especialmente nas faculdades dos PALOP. Tenho um universo enorme de experiência acumulada e ideias sobre o que é que torna importante essa área, até porque a universidade é, na minha opinião, um factor positivo para o futuro das sociedades.
Há um professor canadiano que é Presidente da Johns Hopkins University que escreveu há pouco tempo um livro chamado ‘O que a Universidade deve à Democracia’. Eu acho que esse é um título extremamente feliz. Os Estados têm alimentado as universidades, têm conseguido que elas sejam um ponto grande de desenvolvimento, mas nós que de alguma forma estamos ligados, ou queremos continuar ligados, vamos contribuir para que essa democracia seja melhor. E o meu objectivo fundamental é seguir com essa linha, que já tenho há muito tempo, de lutar por uma sociedade decente. Vou continuar e vou agora dedicar-me, de forma muito especial ao tema que é o tema de base deste livro que publico e que se chama  “Devo Fechar a Porta?”, que é uma reflexão sobre o que é o  que é o “Idadismo”, sobre o que é o mau-trato dado aos idosos e sobre o que são as formas de ultrapassar isso e de fazer com que os idosos não se sintam inúteis.

Sendo uma pessoa que se preocupa com a evolução social, como poderá contrapor-se à obsessão que foi crescendo entre o ‘Idadismo’ e as várias gerações que sentem os mais velhos como um estorvo e até um peso para a sociedade?
É uma questão muito interessante. O ‘Idadismo’, cria um “terceirísmo”: depois do racismo, do sexismo e agora do ‘Idadismo’, que tem passado mais despercebido e é um tema que as pessoas têm dificuldades em falar, mas que, aos poucos, se está a tornar muito importante. Primeiro, porque se percebe que é uma forma de discriminação que não tem qualquer base racional ou razão de ser e que afasta uma parte da sociedade para um limbo em que não se sentem confortáveis. É preciso fazerem-se coisas contra o ‘Idadismo’. Vejo, cada vez mais, pessoas a escreverem, a reflectirem sobre o ‘Idadismo’. Aliás, fiquei muito contente com os reflexos que tive na minha aula em que falei disso, bem como em algumas entrevistas que tenho dado sobre o meu livro.
Há aqui uma coisa de base que é esta: O ‘Idadismo’ tem um pressuposto que é uma certa inimizade entre os jovens e os idosos. E um dos grandes cronistas portugueses, Miguel Esteves Cardoso, escrevia há uns dias um excelente artigo sobre isso, justificando que isto era completamente absurdo. Os idosos e os jovens não são inimigos, que a morte é que é inimiga. E que, portanto, os jovens e os idosos devem congregar esforços para combater a morte para poder assegurar a melhor vida possível.
 
Até parece essas gerações já esqueceram as lutas dos estudantes universitários nos anos sessenta e setenta pela conquista da liberdade e contra a opressão, o colonialismo e a pobreza. Considera que falta conhecimento da história recente a essas gerações de estudantes universitários para melhor perceberem a evolução das sociedades e dos interesses em jogo, e poderem apreender o que vai para além da tecnologia?
O que diz é muito correcto. Provavelmente, nunca houve uma geração com uma memória tão curta. É uma memória que beneficia de uma profundíssima alteração do regime que lhes permitiu ter liberdade, viver de uma forma muito livre, não terem que temer ir para uma guerra injusta em África onde poderiam morrer, ficar feridos ou sofrer traumatismos para o resto da vida. É uma geração que tem condições para viver muito melhor do que a minha por exemplo. No entanto, parecem ignorar isso, sobretudo coisas do passado que acham que são histórias que os velhinhos contam. E, portanto, há aqui que repor as coisas no seu lugar.
Há actualmente em curso uma iniciativa para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Tem havido uma série de iniciativas interessantes, presidida pela professora Inácia Rezola. Isto é um complemento útil, mas as universidades e as escolas secundárias têm que dar uma maior atenção à história contemporânea de Portugal. As pessoas sabem muito pouco da história contemporânea de Portugal. Não reconhecem nomes como Marcelo Caetano ou Américo Tomás, a ditadura não sabem. Não sabem nada. E também não sabem nada sobre os capitães que os libertaram. É preciso chamar a atenção para isto e para o que são as regras do Estado de Direito e da vida em democracia.
      
Acha que vai ter espaço na Universidade neste período pós-aulas, para ajudar a pensar o futuro perante um presente carregado de dúvidas e com falta de liderança capaz de responder à difícil conjuntura mundial, através das conferências que já tem em mente?
Enche-me de optimismo a sua esperança. Sou um optimista militante, pelo que acho que vou ter esse espaço e tenho o dever de consolidá-lo. E porque é que digo que vou ter este espaço? Tenho dois institutos de que sou presidente e fui eleito pelos meus pares, que são o Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal, e o Instituto de Direito Europeu. E, nós aqui vimos há décadas a fazer um conjunto enorme de conferências, publicar livros, entre outros, sobretudo em situações de crise. Por exemplo, quando foi a troika, nós fomos provavelmente a voz mais activa no país a combater a receita da troika. Espero que não tenhamos que combater novas receitas da troika, embora muitas das receitas económicas que por aí andam e ameaçam andar como o novo regresso às regras orçamentais da União Europeia, tudo isso seja muito preocupante. Estou aqui para a luta e estou certo que há muita gente que quer voltar. Percebo que alguns estão cansados, estão velhos e acham que têm direito a repousar. Mas, pronto, é preciso também convencer estes a irem.     

É seu propósito contribuir para um debate alargado na sociedade portuguesa sobre o valor dos cidadãos com mais idade e o contributo que têm para dar quando pretendem continuar activos. Trata-se de um propósito meritório, mas não será que ele vai encontrar um conjunto de entorses que derivam da forma de ensinar e dos currículos quer nas escolas e nas Universidades?
Muito interessante a pergunta, que revela, aliás, uma compreensão grande do que se passa nas Faculdades. As Faculdades tornaram-se uns sítios estranhos onde há muitas intrigas, onde há muitas brigas. Depois há poucos lugares e isso dá lugar a uma grande discussão entre ver se conseguem educar os mais velhos para os mais novos terem lugar. E, portanto, é inequívoco que o panorama não é o melhor. Agora, tem que ser através deste debate alargado de que falava que vamos procurar melhorar isto.
Evidentemente, isto é muito um papel da sociedade civil, mas também tem que ser o papel do Governo que tem que tem de ajudar, designadamente com políticas públicas que ajudem a fazer sempre esta situação de ligadismo.

Deixou assente que vai continuar a presidir ao Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF), e organizará conferências relativas a esse tipo de actividades. Como conhecedor do sistema financeiro, venho a este propósito ouvi-lo sobre a forma como o mercado financeiro em Portugal está a comportar-se quanto à subida das taxas de juro sobretudo do crédito à habitação, com o enorme impacto que está a ter nas famílias sobretudo das classes médias, e em contrapartida as insignificantes taxas de juro que os Bancos estão a aplicar aos depositantes?
Uma das questões mais difíceis que estamos a atravessar é a actual situação económica. Nós, nas últimas décadas, fomos atingidos por várias crises: crises económicas e financeiras, a crise pandémica e também agora pela guerra na Ucrânia e tudo isto teve um impacto de fundo numa taxa de inflação que já não era conhecida há muito tempo em Portugal e na generalidade dos outros países. Transformou-se rapidamente num fenómeno mundial. E, depois, acontece uma coisa verdadeiramente terrível. Há uma sensação de deja vu, já visto, que é ver bancos a aproveitarem a situação de desregulação ou de uma regulação pouco cuidadosa por parte das instituições reguladoras para terem um conjunto de práticas incorrectas ou, quando não têm este conjunto de práticas incorrectas, têm, pelo menos, práticas também lesivas que não se preocupam com auxiliar os seus clientes.
Eu, por vezes, quando vejo – e há muitos – anúncios na televisão de agentes financeiros a prometerem que são os grandes amigos, fico estupefacto. Acho mesmo que há algum descaramento nisso tudo, na forma como o sistema financeiro tem aumentado os números é brutal. É acompanhado, aliás, de despedimentos muito grandes entre os trabalhadores do banco e numa grande concentração em meios tecnológicos  que tornam supérfluos muitos dos trabalhadores.

Como se pode compreender que tudo isso aconteça num ano marcado por resultados históricos quanto aos resultados da banca, que permitiram remunerações dos gestores das principais instituições financeiras em Portugal atingissem 27,7 milhões de euros?
Infelizmente é uma prática recorrente. Sempre que acontecem estas crises, as coisas acabam assim. Não há responsáveis, ninguém é responsabilizado. Ninguém paga pelos seus erros mas, em contrapartida, é, digamos, remunerado por estes erros, o que é uma situação totalmente inaceitável, mas que corresponde a uma coisa que é muito funda e que não há coragem em Portugal, como em muitos outros países para tolher, que é o peso excessivo do sistema financeiro, que é o peso excessivo do dinheiro sobre o peso das instituições políticas que se sujeitam muito àquilo que lhes parece ser o desejável para o sistema financeiro, considerando que se agirem de outra forma podem provocar crises financeiras que seriam piores para os poderes.

E nesta conjuntura não se estará perante uma situação que pode desembocar numa revolta dos que andam nas periferias a passar fome e a sem abrigo para pernoitarem? Por onde anda a moral que vão apregoando?
Eu diria que é verdadeiramente surpreendente que isto nunca tenha acontecido. É que não estamos a falar só de um fenómeno português. Estamos a falar de um fenómeno que atinge a generalidade dos países. E como é que as pessoas suportam isto é, para mim, um verdadeiro espanto. Mas claro que o ‘suportam’ é relativo. Por exemplo, uma das coisas que mais tem contribuído para o aumento fortíssimo da extrema-direita é esta circunstância de o Governo, os políticos no poder não darem sinais aos mais pobres de que estão preocupados com a situação deles. Isso leva-os a procurar um salvador mítico, que é um salvador que também não está nada interessado neles. Está só interessado em obter o poder. E não se preocupará com eles se, alguma vez – o que espero não aconteça – chegar ao poder.

Tem entre mãos uma missão importante para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira relativamente à elaboração de uma proposta de Lei das Finanças Regionais. Já tem imaginado o conteúdo das alterações a propor, depois da aprovação nas Regiões Autónomas, à Assembleia da República?
Este é um tema que tenho estudado com frequência. Tenho atenção a este tema e mantenho a preocupação de estudar quais serão as melhores vias para conseguir as soluções mais desejáveis.
Quando se elaborou a primeira Lei das Regiões, houve, de facto, um grande entusiasmo sobre os meios que abriram e permitiriam um maior desenvolvimento das Regiões. Mas, a partir daí, tudo o que se fez foi andar para trás. As sucessivas revisões foram sempre piorar a situação no que respeita, designadamente, às transferências do Orçamento do Estado para as Regiões. É preciso inverter um pouco isto. É preciso determinar qual é, realmente, o grau justo de transferências. É preciso resolver uma série de problemas técnicos que, no entanto, são de resolução muito difícil, particularmente num momento de crise económica que posso suspeitar que o Governo da República talvez não esteja tão disponível para um trabalho conjunto como poderia estar em outras fases.

De acordo com o que pretende levar a cabo nesta nova etapa da sua vida académica e não só, inclui um conjunto de conferências a realizar. Nesse sentido, tem agendada a realização de uma dessas conferências sobre a Lei das Finanças Regionais a realizar tanto nos Açores como na Madeira, envolvendo políticos e especialistas da área financeira para tão um debate franco sobre tão delicada matéria?
Sim, não está ainda nada agendado no sentido de ter uma data marcada, mas tem de ser feito porque só aqueles que são os agentes vivos da Autonomia Financeira é que podem transmitir as melhores vias.
E, portanto, quer nos Açores, quer na Madeira, quer também com a colaboração de outros académicos continentais, é que se tem de avançar. A minha grande preocupação é não avançar com uma proposta de lei que seja um puro manifesto político, mas sim um texto que esteja rigorosamente fundado seja do ponto de vista jurídico, seja económico.

Já deu a entender nesta entrevista que esta não vai ser uma batalha fácil. Por isso é uma proposta de lei que terá de ser feita por todos…
Exactamente. E há aqui, como sabemos, muitos interesses diversos. Por exemplo, eu estou muito contente ter sido possível às duas Regiões porem-se de acordo em trabalhar em conjunto, mas espero bem que este acordo se mantenha até ao fim. Claro que a própria diferença geográfica, as nove ilhas açorianas e as duas ilhas madeirenses, por exemplo, criam logo uma série de problemas em relação aos subrecustos dos serviços públicos. Por outro lado, a Zona Franca da Madeira, a SDM, também cria uma problemática expecífica que aos Açores, presentemente, não diz muito, na medida e que nunca desenvolverem esta actividade de Zona Franca.

Bom, o que se vê é que, enquanto no continente atingiu a idade limite, por exemplo, para dar aulas na Faculdade, nos Açores, com outra visão do iIdadismoi, convidaram-no para rever a Lei de Finanças das Regiões Autónomas…
É uma excelente observação. E, de facto, devo dizer que contraio para com os Açores para com a Madeira uma dívida de gratidão por eles não terem esta ideia de que o que importa é a data que consta nos cartões de cidadão, antigamente os Bilhetes de Identidade, mas sim, o que conta, é aquilo que as pessoas têm demonstrado ser capazes de fazer. Portanto, a generosidade como relevaram, digamos, os meus 70 anos, é uma grande responsabilidade, mas um grande desafio para mim.

Começamos esta entrevista a falar sobre ‘Idadismo’, e citamos a este propósito a resposta que o grande escritor e poeta Miguel Torga deu aos 85 anos, no fim de uma entrevista a um jornalista, cremos que do DN, quando este lhe perguntou: “Mestre, sente-se velho” e de pronto Miguel Torga respondeu: “Velho! Não, porque velhos são os que partem, e partem em qualquer idade!”
É uma magnífica resposta de Miguel Torga. Há, aliás, outros casos. Por exemplo, o Professor Agostinho da Silva também deu algumas respostas excelentes um pouco nesta mesma linha de que não se pode ter este tipo de pensamento de que estamos sob a ameaça da morte. Nós temos é que continuar a lutar e a empurrar para lá a morte de forma mais activa.

A conclusão a tirar é que o ‘Idadismo’ não tem idade. Ataca em qualquer altura e o que precisamos é de valores com capacidade de prever os males das sociedades e encontrar formas de os combater. Por isso, gostaríamos que levantasse o véu nesta entrevista de como pensa que se deve combater a síndrome do ‘Idadismo’ que está instalada em Portugal?
Precisamente. Até se pode falar e há muito quem fale do ‘Idadismo’ que atinge os jovens no sentido de que há proibições que recaem sobre os jovens. Embora estas proibições me parecem mais razoáveis. Sei lá, uma idade mínima para tirar a carta, uma idade mínima para votar. Tudo isto são, de alguma forma, também, manifestações de ‘Idadismo’. Se é ‘Idadismo’ positivo ou negativo é outra questão. Agora, o que parece claro é que se pensarmos no ‘Idadismo’ a sério, que provoque danos, ser normalmente o ‘Idadismo’, então há-que o combater e o combater é, sobretudo, o não haver vergonha. É as pessoas virem para a praça pública assumirem os seus problemas, as suas queixas, pedirem a solução para elas.
 
Que mensagem pode deixar aos seus antigos alunos e aos professores seus colegas nesta fase da sua vida?
Trata-se de um conjunto muito variado, os antigos alunos, os actuais alunos , os meus colegas, aqueles com quem espero ainda encontrar-me. Digamos que, de algum modo, é um cruzamento com toda a sociedade e aí o meu apelo essencial é o da união da sociedade, é o de que todos juntos saibamos lutar. Isto exige uma grande determinação e uma grande coragem. É para isso que nascemos, para viver com coragem e determinação.   

João Paz                                             
                                                 
                                           

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Autor: CA

Categorias: Regional

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