Frederic Vanderperre tem 43 anos e chegou aos Açores há 18, decorria o ano de 2005. É investigador no Departamento de Oceanografia da Universidade dos Açores e é o responsável e coordenador do projecto COSTA COnsolidating Sea Turtle conservation in the Azores. Além de os Açores serem um dos melhores sítios no mundo para observar cetáceos, são também um dos locais onde se consegue observar seis espécies de tartarugas diferentes. Actualmente, a pesca de palangre e o lixo marinho são os maiores problemas que estas espécies marinhas enfrentam. Além destes, o abalroamento de tartarugas é uma ameaça para estes animais embora se desconheça ainda a dimensão do problema.
Correio dos Açores - Que relevância atribui ao Dia Mundial das Tartarugas?
Frédéric Vanderperre (Investigador auxiliar na Universidade dos Açores) – A existência deste dia serve para captar a atenção do público em geral para os problemas e para a situação que estas espécies icónicas se encontram. Existem sete espécies de tartarugas mundialmente e praticamente todas as espécies são motivo de preocupação no que toca à sua conservação.
Que espécies de tartarugas marinhas se podem encontrar nos Açores?
As espécies que se encontram nos Açores estão na denominada fase juvenil oceânica (até aos 15 a 30 anos) e são transitórias no arquipélago. Existem três espécies mais comuns, nomeadamente a Tartaruga comum, cujo nome científico é Caretta caretta e é a espécie mais abundante; a Tartaruga-verde ou Chelonia mydas; e a Tartaruga-de-couro ou Dermochelys coriácea.
Existem, ainda, registos de mais três espécies nos Açores, designadamente Tartaruga-de-escamas ou Eretmochelys imbricata, Tartaruga-de-Kemp ou Lepidochelys kempii e Tartaruga-oliva Lepidochelys olivacea, embora sejam visitantes mais ocasionais e haja poucos registos sobre estas espécies.
De que se alimentam essencialmente?
Nos Açores, alimentam-se essencialmente de presas gelatinosas, como alforrecas, caravelas, entre outros. Nessa fase da vida, no geral, as tartarugas são animais bastante omnívoros e oportunistas, aproveitando os recursos disponíveis.
Quais são as principais ameaças enfrentadas pelas tartarugas nos Açores?
Em primeiro lugar, as duas ameaças mais cometidas são a captura acessória na pesca do palangre de superfície e a ingestão com lixo marinho. Temos estudos que demonstram que mais de 80% das tartarugas que arrojam nos Açores têm ingerido plástico e há um grande número de animais que vem emaranhado em lixo marinho, mais concretamente em redes de pesca, cabos, entre outros.
Existe uma terceira ameaça que é a colisão com embarcações. Temos, ainda, pouca informação e não quantificamos esse problema, uma vez que o abalroamento de uma tartaruga não causa danos às embarcações, pelo que é mais difícil analisar, além de que as tartarugas quando são abalroadas afundam. Não temos ideia da extensão do problema.
De que forma se está a lidar com essas ameaças?
Em termos da gestão, no caso da pesca, estamos a investigar com o intuito de identificar certas áreas, as quais podem ser dinâmicas, isto é, que mudam em função das condições de mar e oceanográficas. O objectivo é definir determinadas áreas onde as tartarugas estão em risco, mais sujeitas à captura acessória, para que estas sejam evitadas pela frota de pesca.
Para além disso, podem fazer-se algumas alterações à arte de pesca de modo a minimizar os danos causados nas tartarugas.
A Região instituiu em 2020 a obrigação da utilização de anzóis circulares na pesca do palangre de superfície, por serem de mais difícil ingestão por parte das tartarugas, o que aumente bastante a taxa de sobrevivência. Neste momento, ainda não é possível avaliar qual o efeito dessa medida nas tartarugas.
Existem programas de monitorização de tartarugas?
Temos mais do que um projecto de monitorização das tartarugas. Temos um projecto por satélite onde colocamos emissores nas tartarugas com o objectivo de identificar as áreas onde estas costumam estar, quais são os padrões de migração, se existem corredores de migração, bem como identificar áreas de agregação.
Existe um projecto de marcação a decorrer de uma aluna de doutoramento que está a fazer um estudo a nível do Atlântico Nordeste em colaboração com investigadores da Madeira, das Canárias, da Dinamarca e dos Estados Unidos. Juntámos os dados de marcação desses grupos todos, o que constitui uma grande e muito relevante base de dados. Mais de 100 animais foram marcados ao longo dos anos e com base nesses dados estamos a criar modelos de habitat que essas tartarugas utilizam para poder identificar, a posteriori, as áreas onde as tartarugas estão mais em risco.
Temos outro projecto em colaboração com uma ONG americana designada Upwell. Neste momento, estamos a utilizar um protótipo de micro satélite, uma miniatura que só pesa duas gramas. Estamos a pôr estas marcas satélites de última geração em tartarugas juvenis com um a dois anos de idade, com o intuito de tentar descobrir os padrões de migração destes animais. Sabemos que os Açores são uma área crucial muito importante nessa fase oceânica juvenil.
De que forma estes programas de cooperação internacional são importantes?
As tartarugas caretta fazem grandes migrações e os Açores são uma área muito relevante para essa espécie. A maior parte das tartarugas que encontramos nos Açores nascem nos Estados Unidos. Esses animais passam grande parte da vida, até 15 anos, no oceano aberto e é nessa altura, na fase oceânica juvenil, que visitam os Açores. Depois, regressam aos Estados Unidos ou a outras zonas costeiras como o Golfo do México, por exemplo, para nidificar.
Qualquer estratégia de conservação ou de estudo passa sempre por colaborações internacionais. O nosso projecto COSTA é em parte financiado pelo Governo Regional, mas a outra parte é financiado pelo United States Fish & Wildlife Service.
A nível turístico, as tartarugas são procuradas por quem visita os Açores?
Conseguimos ver várias espécies de tartarugas com alguma regularidade na Região e muitos turistas estão interessados em ver tartarugas marinhas, principalmente tartarugas marinhas na fase juvenil oceânica. Os Açores são, de facto, uma zona muito interessante.
No projecto COSTA colaboramos com várias empresas marítimo-turísticas em diferentes ilhas. Essas empresas fazem a divulgação e contribuem para a educação ambiental sobre essas espécies, além de que participam num programa de marcação clássica com anéis. Essas empresas têm licença para capturar e pôr pequenas marcas nas tartarugas. Esta é uma forma importante para nós de divulgação, pois transmitem informação sobre as tartarugas aos seus clientes.
Como perspectiva o futuro das tartarugas nos Açores?
Tendo em conta que as tartarugas são espécies com movimentos amplos e transaccionais, para a sua conservação é necessária uma colaboração internacional. É preciso colaborar estudando todas as fases da vida das tartarugas, de forma a perceber em quantas praias desova, quais são as zonas de alimentação costeiras, bem como as zonas de desenvolvimento e alimentação oceânicas, entre outros.
No que toca às tartarugas caretta, os Açores têm um papel muito importante, por serem uma área privilegiada onde se pode fazer o estudo desses animais numa fase pouco conhecida da sua vida. Antigamente, chamava-se “anos perdidos” à fase juvenil oceânica porque não se sabia muito sobre a espécie nesta fase da vida.
Que mensagem quer deixar neste dia?
Tenho a sensação de que as tartarugas são um pouco descuidadas nos Açores e não têm o relevo que deveriam ter. É importante que os açorianos percebam que o arquipélago é uma área de eleição e muito relevante para estes icónicos animais que existem há milhões de anos e estão no planeta muito antes do ser humano.
Carlota Pimentel