Correio dos Açores - Conte-nos um pouco dos seus percursos, académico e profissional, até aos dias de hoje.
Henrique Leite (Engenheiro mecânico e Sócio-gerente da KILOUJOULE) - O meu percurso académico foi dentro do expectável para um adolescente que terminou o 12º ano e rumou à capital, Lisboa. Licenciei-me em Engenharia Mecânica, no ISEL - Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, universidade pela qual fiquei com grande estima, onde fiz bons amigos e senti sempre um grande espírito de entreajuda. Iniciei a minha actividade profissional na France Air Portugal, uma empresa que se decida à indústria do AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado). Esta foi, sem dúvida, uma escola de excelência que me proporcionou desafios constantes durante os quatro anos em que lá estive e que me fez desenvolver competências técnicas e pessoais que utilizo até hoje.
Depois, em 2014, foi com muito orgulho que comecei a trabalhar na TDGI, empresa de um dos maiores grupos empresariais portugueses, a Teixeira Duarte. Foram quatro anos de aprendizagem, que me permitiram adquirir conhecimentos de gestão e liderança de equipas e contactar com áreas de negócio totalmente diferentes do que estava habituado e “programado”.
A minha última aventura em solo continental foi no Sheraton Lisboa Hotel & Spa, onde trabalhei como Director de Manutenção. Este emprego foi, até hoje, o mais desafiante do ponto de vista de gestão de equipas pois, com apenas 32 anos, tinha a meu cargo uma equipa de 13 pessoas, algumas com mais de 35 anos de serviço, para “tomar conta” de um edifício de 1972, com 26 pisos acima do solo e 6 pisos subterrâneos.
Em 2020, decide regressar a São Miguel. Por que motivo?
Após dois anos no Sheraton, regressei a São Miguel com a minha mulher, Maria Pia, quando ela terminou a sua formação médica. Voltar à nossa terra natal era um desejo que tínhamos há vários anos para estarmos mais perto dos nossos familiares, termos melhor qualidade de vida e constituirmos família, perto dos nossos. A pandemia também deu um empurrão pois, naqueles tempos de confinamento, sentimos que estávamos ainda mais distantes da nossa ilha e o isolamento fez-nos repensar várias coisas.
Quando regressei, tive a oportunidade de trabalhar na Sotecnica Açores com o Ricardo Moura, que me transmitiu valiosos conhecimentos sobre a instalação de equipamentos de ar condicionado e bombas de calor, e que viria a ser um dos meus sócios.
Em Dezembro de 2021, eu, o Ricardo Moura e o André Amorim decidimos iniciar a aventura das nossas vidas e fundar a KILOJOULE, uma empresa que tem como objectivo oferecer ao mercado açoriano um serviço diferenciado na área das instalações técnicas de AVAC.
Enquanto esteve na France Air, prestou serviços de consultoria e fez estudos e simulações para vários projectos em Portugal, assim como outros países. Quer partilhar algum projecto em que trabalhou e como conseguiu superar os desafios?
A equipa onde trabalhava nessa altura era a de acompanhamento de gabinetes de projectos de engenharia. Tínhamos diversos projectos em mãos, com soluções técnicas muito interessantes e diferenciadas. Lembro-me de um projecto para Angola que consistia na implementação de uma cozinha industrial onde fizemos o dimensionamento de todo o sistema de extracção de vapores através de tectos filtrantes com caudais de extracção, de compensação e de indução elevados, onde as velocidades de arrastamento das partículas tinham de ser altas e eficientes, mas garantindo sempre algum conforto aos utilizadores da cozinha. Lembro-me, também, de fazer várias simulações em CFD (computacional fluid dynamics) que nos permitiam visualizar em computador o comportamento do ar em situações de incêndio dentro de parques subterrâneos e conseguir, assim, dimensionar um sistema de ventilação eficiente para a remoção do fumo e, consequentemente, permitir que a evacuação das pessoas pelos circuitos de emergência seja garantida. Estes desafios foram ultrapassados com muitas horas de estudo sobre os sistemas a aplicar, com partilha de conhecimentos entre colegas e com a interacção constante com projectistas das respectivas áreas.
Como foi a transição da France Air para a empresa TDGI - Tecnologia de Gestão de Imóveis?
A entrada na TDGI foi muito satisfatória para mim, pois tratava-se de uma empresa de um conceituado grupo empresarial, com muitas provas dadas em Portugal e no mundo. No entanto, com isto, vinha uma responsabilidade acrescida, pois a posição de Project Manager e posteriormente de Contract Manager requeria competências de gestão e de liderança de equipas, com as quais não tinha experiência até então.
A TDGI dedica-se à manutenção de edifícios e ao Facilities Management (FM), área de negócio em franca expansão e que permite olhar para um edifício de uma forma totalmente integrada, onde todos os serviços não core (não centrais) de uma empresa são geridos em outsourcing, permitindo assim que essa empresa se dedique única e exclusivamente ao seu core business. Foi aqui que adquiri conhecimentos em áreas de negócio totalmente diferentes do que estava habituado e “programado”, pois tive de gerir não só serviços de manutenção de equipamentos técnicos, mas também serviços de limpeza, de segurança (Security e Safety), de correio interno, entre outros. Como deve imaginar, a minha formação de base nada tinha a ver com grande parte dos referidos serviços, por isso tive de me adaptar às novas funções e às novas formas de trabalhar.
Como descreveria a experiência de ser o responsável de manutenção de todo o edifício do Sheraton Hotel Lisboa & SPA?
Ser Director de Manutenção de um dos maiores e mais icónicos hotéis de Lisboa foi, sem dúvida, uma experiência incrível e muito desafiante, que me fez desenvolver competências técnicas e pessoais, as quais tento incutir nas nossas equipas da KILOJOULE e até mesmo a nível familiar. Foi lá que aprendi a cuidar das equipas, a ter a constante preocupação com o bem-estar dos colaboradores e a exercer o meu trabalho com o máximo rigor, na medida em que num hotel de 5 estrelas tem de estar sempre tudo impecável e todos os pormenores são importantes. Paralelamente, a gestão de uma equipa de 13 pessoas, onde eu era o mais novo a liderar uma equipa com colegas com mais de 35 anos de serviço e com muitos vícios, uns bons e outros menos bons, foi dos desafios que me fez gastar mais energia e perder muitas noites. Por falar em noites mal dormidas, tive diversas situações em que fui chamado ao hotel para resolver fugas de água que inundavam os quartos, entupimentos de esgotos que inundavam pisos subterrâneos, entre outras situações que, naturalmente, fazem parte do trabalho de qualquer equipa de manutenção, mas que nos trazem altos níveis de stress.
Após regressar a São Miguel, trabalhou na Sotecnica, até que decidiu fundar a sua própria empresa. Fale sobre a criação da KILOJOULE.
A Sotecnica permitiu-me conhecer o Ricardo Moura que actualmente é um dos meus sócios. Eu, Ricardo Moura e André Amorim criámos a KILOJOULE, que tem como missão a prestação de serviços de engenharia de aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC) com rigor e transparência, sempre com foco na satisfação do cliente. Serviços estes que contemplam a instalação e manutenção de equipamentos de ar condicionado e bombas de calor, serviços de certificação energética e projectos de engenharia. Neste último ano, demos início a uma nova actividade, que teve origem no PRR, e que se chama Solenerge, programa de apoio à aquisição de painéis fotovoltaicos para produção de energia eléctrica através do sol.
A ideia de nos aventurarmos sozinhos teve início em Setembro de 2021, após uma conversa entre mim e o Ricardo sobre os pequenos trabalhos que estava a fazer por minha conta e que, de certa forma, reactivaram uma vontade antiga dele e do André em se juntarem num possível negócio. Foi a partir desse momento que nos questionamos por que motivo não arriscávamos e abríamos um negócio os três juntos. E assim nasceu a KILOJOULE.
A ideia inicial era começarmos apenas os três a prestar serviços de certificação energética e execução de projectos de engenharia. No entanto, por motivos de continuidade de negócio, decidimos abraçar uma nova ideia e nos primeiros meses de 2022 já contávamos com diversos colaboradores, bem acima daquilo que tínhamos idealizado. As dificuldades cresceram exponencialmente, assim como os desafios diários em busca de negócio que, felizmente, até aos dias de hoje temos conseguido ultrapassar. Actualmente, somos 20 pessoas dedicadas, com espírito de sacrifício e com a vontade diária de prestar um serviço de qualidade aos nossos clientes.
Como sócio-gerente da KILOJOULE, quais são as suas principais responsabilidades?
As principais responsabilidades passam pela procura constante de negócio, nomeadamente projectos de engenharia, certificação energética e obras AVAC; pela gestão dos recursos humanos da empresa; pela incessante busca de recebimentos dos nossos clientes, pois sem isto não conseguimos sobreviver; e pela gestão financeira da empresa, tarefa pela qual temos os três responsabilidades. Aliás, apesar de termos definido responsabilidades para cada um de nós, temos tido sempre a ajuda uns dos outros para ultrapassar algumas dificuldades diárias e isto tem feito toda a diferença, sendo reflexo da entreajuda que temos na empresa.
Quais foram os maiores desafios e dificuldades que enfrentou ao longo da sua carreira e como os superou?
Efectivamente, tenho muito orgulho na minha carreira profissional, pois foi sempre em crescendo e passando por empresas multinacionais de grande relevo em Portugal, permitindo-me crescer e aprender muito em cada uma delas. Considero que, actualmente, sou um profissional dedicado e de consciência tranquila pelo percurso realizado. Creio que o que me diferenciou em momentos difíceis, como a crise em 2011/2012, em que tínhamos despedimentos na Air France semana após semana e, em 2017, num ano difícil no Grupo Teixeira Duarte, onde também a retenção de pessoal teve de ser ajustada, foi o constante “vestir a camisola” e a dedicação que coloquei em cada trabalho que fiz, em todas as empresas pelas quais passei. Não é por acaso que mantenho amizades com todas as pessoas das várias empresas por onde passei nos últimos 13 anos.
Além das suas habilidades técnicas, que competências e qualidades considera essenciais para um líder na área de engenharia e gestão de projectos?
Julgo que qualquer cargo de liderança tem de ter valores base que sustentem o líder. Do meu ponto de vista, a relação e o cuidado com as pessoas das equipas é fundamental e encontra-se em primeiro lugar. Um líder tem de ter soft skills que permitam criar nos seus colaboradores um sentimento de segurança, empatia e reconhecimento da sua capacidade técnica. Não é por acaso que um dos pilares da KILOJOULE são as pessoas que trabalham connosco. Apostamos muito nisto, desde logo, porque são estas mesmas pessoas que fazem a empresa crescer e criar valor nos nossos clientes.
Além dos soft skills, um líder numa empresa de engenharia tem de ter uma componente técnica valiosa para dar apoio às equipas no terreno e que lhes permita fazerem o seu caminho com a sensação de que, se algo correr mal, o líder estará ao seu lado em qualquer momento.
Como vê o futuro do sector da engenharia e gestão de projectos nos Açores?
Neste momento, o sector da engenharia encontra-se em níveis altíssimos de quantidade de trabalho e de projectos novos. Desde logo, pela crescente preocupação dos governantes de todos os países da Europa e do mundo no caminho para a descarbonização, área pela qual temos muito interesse e que nos dá muito trabalho. O sector da construção encontra-se igualmente em alta, permitindo a constante criação de postos de trabalho. Não é por acaso que os níveis de desemprego estão com percentagens muito reduzidas. Acredito que, nos próximos anos, o nosso sector de actividade estará muito bem de saúde, mesmo sabendo que a inflação e as taxas de juro terão um impacto grande nas nossas vidas. No entanto, sei que a economia funciona por ciclos e que, mais cedo ou mais tarde, teremos um abrandamento e consequente perda de negócio. Por isso, na KILOJOULE estamos constantemente preocupados em não “dar um passo maior do que a perna.”
Com base na sua experiência, o que diria a quem está a começar uma carreira na área de engenharia e gestão de projectos?
A meu ver, quem está a iniciar a sua carreira na engenharia deverá, em primeiro lugar, privilegiar a honestidade com a sua entidade empregadora, assim como “vestir a camisola”, todavia, sem permitir que os outros “passem por cima”. Além disso, deve viver e gostar do que faz, apesar de muitas vezes termos tarefas que não nos agradam tanto, e, por fim, não ter medo de errar, nem de dizer não. Para aqueles que estão a pensar abrir o seu negócio ou criar a sua própria empresa, o meu conselho é que não tenham medo de arriscar e não pensem muito no que pode correr mal, mas sim no que vai correr bem. Assim mantém-se um pensamento positivo e motivador para dar continuidade a essa aventura.
Carlota Pimentel