Noé Rodrigues, Presidente da Direcção do Lar Luís Soares de Sousa

Os apoios públicos continuam a não ser suficientes e as famílias devem ser mais activas no acompanhamento dos idosos

Correio dos Açores - Em 2018, já depois de ter assumido a Direcção do Lar Luís Soares de Sousa, teve como tarefa executar o projecto que tinha sido pensado e iniciado há alguns anos antes e que representava um investimento de 2,3 milhões de euros. Com este investimento conseguiu dar resposta às necessidades da instituição que dirige?
Noé Rodrigues (Presidente do Lar Luís Soares de Sousa) - O Lar Luís Soares de Sousa é uma instituição privada, nascida e criada por iniciativa da sociedade civil de Ponta Delgada e que, desde 1876, de forma ininterrupta, tem feito da solidariedade social a sua missão, apoiando os mais necessitados, com respeito pela pessoa humana, defendendo os seus direitos fundamentais de cidadania, fazendo-o de forma justa e digna.
Sempre fomos uma Instituição comprometida com a comunidade, que cumpriu a sua missão, “inventando” e optimizando todos os recursos, em particular os humanos, oferecendo um acolhimento útil e principalmente humanizado.
Foi assim muito antes da Solidariedade Social se tornar uma preocupação dos governos e quando esta preocupação passou a ter centralidade política, não podíamos, como Instituição, deixar de cooperar em tais objectivos sociais integrando, desde a primeira hora, a Rede Regional de Solidariedade Social que foi crescendo na nossa Região com o apoio dos sucessivos governos.
Foi neste contexto de cooperação com as políticas sociais da Região que o Lar Luís Soares de Sousa se candidatou à remodelação das suas instalações, para as qualificar, melhorando o serviço que prestava e aumentando a capacidade de acolhimento.
Com tal investimento, cuja gestão nos confiaram, conseguimos, de facto, responder às necessidades então existentes para os nossos residentes e também para os trabalhadores, cujas condições de trabalho eram muito mais difíceis. Mas a melhoria verificada não respondeu a todas as necessidades da Instituição, que continua a ter o desafio e a ansiedade de dar resposta a muitos outros pedidos que nos apresentam, vários com circunstâncias muito problemáticas e merecedoras do nosso apoio mas que, lamentamos, não podemos acolher por esgotamento da capacidade existente.                        

Tem havido utentes que aguardam muito tempo por um lugar numa instituição de acolhimento de idosos. Sente essa necessidade e como tem sido a resposta da rede de cuidados continuados para acolher os idosos que não têm outra alternativa a não ser as instituições de Assistência Social?  
Os Açores têm uma importante Rede Regional de Apoio Social, com estruturas de grande qualidade que prestam um bom serviço, com a participação de diversas Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Há uns anos atrás, foi criada uma lista única dos pedidos de acolhimento em Estruturas Residenciais Para Pessoas Idosas, permitindo a eliminação de candidaturas duplicadas e dando à instituição escolhida uma cogestão do processo com os Serviços Sociais para identificação oportuna de vaga em qualquer das instituições.
Numa sociedade com a esperança média de vida a crescer e com as mudanças verificadas nas famílias, na habitação e no mercado de trabalho, a rede familiar de apoio aos idosos, tal como estávamos habituados a ver, transfigurou-se profundamente.
Por outro lado, a qualidade no serviço que prestamos aos nossos residentes tem melhorado muito, constituindo um factor decisivo para as opções dos idosos e das suas famílias.
Nestas circunstâncias, é natural que haja cada vez mais idosos a necessitarem do apoio das instituições que, com a atenção do Governo, irão reforçando, melhorando e diversificando as respostas sociais.
A Rede de Cuidados Continuados é uma resposta social diferente do acolhimento em ERPPI, estando centrada na recuperação global da pessoa, promovendo a sua reabilitação e autonomia, melhorando a sua funcionalidade no âmbito da situação de dependência em que se encontra, visando a sua reintegração sociofamiliar.

Os custos de um utente numa instituição social são elevados e tem havido correcções feitas quanto às comparticipações públicas. Essas actualizações são suficientes face ao agravamento dos custos provocados pela inflação enquanto as IPSS têm de cumprir rácios e as comparticipações advindas das pensões dos utentes são insuficientes, além de que na rede convencionada, o contributo do utente é descontado depois na subvenção contratualizada com o Governo. Como consegue equilibrar as contas no fim de cada exercício?
Os custos de um utente numa instituição são, de facto, elevados e a comparticipação dos idosos, normalmente com reformas muito baixas, mais o apoio do Governo, que tem sido justamente reforçado, são insuficientes para a qualidade do serviço prestado. No nosso caso, nunca reclamamos mais apoio público, porque fazemos uma gestão muito criteriosa e alocamos à actividade todas as receitas próprias da Instituição, receitas que reforçamos com uma permanente atenção às potencialidades e oportunidades do património da Instituição que valorizamos.
Por outro lado, temos uma estrutura administrativa leve mas que consegue dar resposta, para além da graciosidade com que todos os órgãos sociais exercem as suas funções.    

Recentemente, foi tornado público o acordo firmado entre o Lar Luís Soares de Sousa e o Governo Regional para gerir como IPSS o Solar da Glória que passará a Unidade de Cuidados Continuados. Que alterações são necessárias efectuar no Solar da Glória para acolher os utentes de cuidados continuados e quando se prevê a entrada em funcionamento daquela unidade?
Foi de facto divulgada informação dando conta da disponibilidade do Governo Regional transferir para o Lar Luís Soares de Sousa a gestão do Solar da Glória, como Unidade de Serviços Continuados.   
Todavia, ainda não há qualquer contrato assinado, pois ainda estamos a ver as necessidades de execução de alguma obra de adaptação, bem como a lista de mobiliário e equipamento adequados à prestação de cuidados continuados, para além dos recursos humanos que teremos de assegurar com as competências técnicas e humanas que se exigem para tal valência.
O Solar da Glória tem estado encerrado e necessita de obras de manutenção, que podem também passar pela recuperação de alguns equipamentos e especialidades, para além da dotação de algum sistema de apoio, como a disponibilização de oxigénio.   

Como serão feitas as candidaturas desses utentes? Quantos serão de curta duração e quantos serão os de longa duração?
Ainda não se encontram definidos os critérios de admissão dos utentes, mas como se trata de uma Unidade de Cuidados Continuados, os critérios preponderantes serão, muito naturalmente, de natureza clínica, havendo cuidados continuados de longa e curta duração.  
O aumento da esperança de vida tem vantagens, mas implica novas responsabilidades para as famílias e para a sociedade, exigindo mais responsabilidades ao sector social. Como se pode conciliar e distribuir essas responsabilidades, quando as famílias muitas vezes não têm condições só por si, para cuidar dos familiares no fim de vida?
Os nossos idosos já deram muito a todos nós e, por isso, temos a obrigação de lhes dar cuidados, de forma justa, solidária, com respeito pela pessoa e pelos seus direitos fundamentais, proporcionando-lhes a dignidade e o exercício pleno da cidadania até ao fim dos seus dias.
A todos os trabalhadores do Lar Luís Soares de Sousa temos por hábito repetir, até à exaustão, a obrigação de oferecermos uma boa alimentação, uma óptima higiene e um permanente sorriso. É claro que, em nosso entender, as famílias não podem deixar de contribuir para o conforto dos seus idosos, privilegiando-os com o seu convívio e carinho, suprindo necessidades que as instituições não conseguem satisfazer, e não se apresentando apenas na hora da herança.    

Há quem defenda a existência de regras que, para além da comparticipação de cada utente que desconta parte da sua reforma, devia haver uma regra que de acordo com o património do utente existente na altura do internamento, fosse estabelecida a formula de partilha da herança do utente com a instituição que o acolhe. Acha que há condições para legislar sobre o direito de partilha de património dos utentes com as entidades que são cuidadoras enquanto vida?
Já tivemos a oportunidade de colocar esta questão, nomeadamente aquando da cerimónia de inauguração das obras de remodelações da nossa Instituição, sabendo, porém, que a questão não é simples e que não é uma competência política regional.
Mas seria razoável reanalisar o direito sucessório, para que aquilo que os nossos idosos têm servisse, pelo menos em parte, para a sustentabilidade do sistema de apoio social que os acolhe sempre que os familiares o não possam dar. Talvez através do regime fiscal a aplicar no acto da transmissão do património se possa introduzir, em benefício das instituições, uma maior equidade.  
A Solidariedade Social deve ter uma dimensão que também convoque a família e os recursos próprios da pessoa apoiada, para além do esforço de toda a sociedade.

Quantas pessoas, neste momento, compõem o quadro de pessoal por categorias dos serviços que o Lar Luís Soares de Sousa tem a seu cargo?
Neste momento temos cinco trabalhadoras na área administrativa, quatro de serviços gerais, quatro na cozinha e trinta e cinco como trabalhadoras de apoio ao idoso, onde incluímos a lavandaria e as dez trabalhadoras do serviço de apoio ao domicílio. Temos também um gabinete de saúde, que conta com duas enfermeiras do quadro e outras duas e um médico em prestação de serviços.
No programa “Novos Idosos” contamos com oito trabalhadores, três dos quais na área técnica e administrativa.

A Rede Regional de Cuidados Continuados Integrados (RRCCI), está a cumprir com as responsabilidades e competências que a lei lhe atribui? Acha que é necessário proceder a algumas alterações e medidas para atender melhor quem se candidata a um lugar nas IPSS e que ao mesmo tempo a RRCCI se torne mais operante, menos burocrática e cooperante com todas as instituições que têm acordos de cooperação com o Governo?
Vamos ser claros com questões que são realidades diferenciadas.
Quando acolhemos um idoso nas nossas estruturas residenciais, por razões de idade e de ausência ou impossibilidade de apoio da sua rede familiar, a pessoa não deixa de ter direitos, nomeadamente aos cuidados de saúde a que todos, sem excepção, acedem. Aliás, sempre defendemos que os idosos residentes nas instituições sejam nestas tratados como se fossem aos serviços de saúde, sempre que estejam em causa cuidados de enfermagem, como a aplicação de pensos que a unidade de saúde deveria disponibilizar, evitando deslocações acompanhadas e demoras e, por isso, desanuviando alguma pressão junto dos serviços de saúde.  
No acolhimento de pessoas em cuidados continuados, são as necessidades da pessoa que deles necessita, independentemente da idade, que determinam o apoio a prestar. Nestes serviços haverá de se disponibilizar serviços técnicos especializados, nomeadamente de várias competências da área médica e de enfermagem, fisiatria, fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia e outras especialidades, para além da área social, de trabalhadores de apoio e de serviços gerais.
Simultaneamente há que garantir alimentação, serviço de lavandaria e apoio administrativo leve e eficiente.
Na admissão de um idoso há que receber a candidatura, processá-la no sistema de gestão centralizada de vagas, elaborar o relatório social para recolher informação necessária à priorização do acolhimento. Em cuidados continuados os critérios são a dependência funcional transitória decorrente de processos de convalescença ou outro. Na dependência funcional prolongada estamos perante uma pessoa com critérios de fragilidade (dependência e doença), com incapacidade grave, com impactos psicossociais ou doença severa.
Podemos e devemos simplificar tudo o que seja possível, introduzindo alterações aos procedimentos que qualquer espírito inquieto não deixará de fazer. Não deixando de admitir a existência de alguma burocracia, também não deixo de afirmar que há procedimentos que não podem deixar de ser executados, porque asseguram a transparência do sistema, podendo também testemunhar que não há falta de cooperação dos responsáveis e dos serviços públicos. O que acontece é que recursos e estruturas não são infinitos, nomeadamente no que diz respeito à capacidade de acolhimento.
        

As IPSS e as Santas Casas da Misericórdia prestam serviços nos lares e centros de cuidados continuados que têm, sendo os custos base desses serviços da responsabilidade das próprias instituições enquanto os Governos contribuem com cerca de 1/3 desses custos mediante os acordos de cooperação que são estabelecidos entre as partes. Será que os Serviços públicos, incluindo a Rede Regional de Cuidados Continuados Integrados, têm noção desta realidade e como se relacionam com essas instituições?
Dos serviços públicos, nomeadamente dos responsáveis políticos que tutelam as áreas sociais existe, como sempre existiu, uma grande proximidade e também um bom conhecimento das IPSS e Misericórdias. Cada Instituição é diferente das demais, com recursos e organizações internas diferentes, capacidades humanas diferentes e até o meio geográfico onde se inserem condiciona ou potencia a criatividade dos seus responsáveis também eles diferentes.
Os Serviços Públicos têm a noção da realidade social e apoiam todas as Instituições de forma equitativa, com recursos regionais ou comunitários, quer no funcionamento, quer nos investimentos que realizam. Aliás, os apoios estão legalmente estabelecidos e, de acordo com os serviços prestados por cada Instituição, os apoios estão legalmente enquadrados, sendo certo que todas as Instituições conhecem os apoios a que podem recorrer. Feitas as contas, não sei se o orçamento público só contribua com 1/3 das necessidades das Instituições.  

Com a inflação em alta, elevando os preços das matérias primas e dos produtos acabados, até que ponto esses custos deixam margem de trabalho às Instituições de Solidariedade Social?
Todos  nós sofremos com a inflação, mas houve um ajustamento do valor da comparticipação que contou com a boa sensibilidade do Sr. Vice-presidente do Governo. Se foi o suficiente? Todos lhe irão responder que não, mas o certo é que somos resilientes e trabalhamos para que os efeitos da inflação penalizem menos os que menos têm.
Por exemplo, pouco ou nada se fala das pessoas que, todos os dias, cuidam e acompanham os idosos institucionalizados ou do apoio domiciliário. Houve actualização do ordenado mínimo e revisão do contrato colectivo de trabalho com actualizações salariais. Mas estas pessoas, que têm um trabalho físico e psicológico pesado e difícil, terão beneficiado de acertos salariais que absorvessem a inflação?
O Lar Luís Soares de Sousa não tem custos com os seus órgãos sociais e tenta, anualmente, valorizar o trabalho dos que, no dia-a-dia, fazem cumprir a sua missão. Com isso quero dizer que nós estamos a fazer um esforço solidário para que, juntos, melhor resistirmos às dificuldades, vencendo-as.    

Para quem dirige uma instituição como o Lar Luís Soares de Sousa e como cidadão com experiência política e jurídica, o envelhecimento da população e o decréscimo da natalidade nos Açores suscita-lhe preocupações?
Qualquer cidadão responsável que seja colocado perante esta questão dirá que é preocupante a falta de rejuvenescimento da população.
Sem que haja rejuvenescimento da população e crescimento da população activa, será cada vez mais difícil o equilíbrio e sustentabilidade das políticas sociais.   

Na sua opinião, como se pode inverter essa queda de natalidade e que políticas devem ser pensadas para esse efeito?
As soluções não são fáceis mas parece-me que as políticas de apoio aos jovens, potenciadoras da sua estabilidade e valorização profissional, associadas a políticas de apoio à habitação e ao acolhimento dos filhos em creches com acesso a um sistema de ensino mais abrangente e adequado aos mercados de trabalho actuais, poderão ajudar muito a contrariar os indicadores de envelhecimento da população. Em meu entender, o mero apoio à natalidade não se mostrará capaz de resolver o problema, antes pode agravar as necessidades de apoio social.  

O que pode dizer às famílias que têm utentes nos cuidados continuados ou nos lares de acolhimento? E aos jovens pais que estão confrontados com o custo de vida e com uma classe média em que vê e sente a degradação dos rendimentos que faltam depois para a expansão da família e ao repovoamento, neste caso, da Região?
Às famílias dos idosos residentes em lares ou em estruturas de cuidados continuados posso dizer que os serviços prestados têm qualidade e que as pessoas que deles cuidam têm uma dimensão humana que devemos enaltecer e valorizar a todo o momento.
Aos jovens que se confrontam com as dificuldades de hoje digo que nunca desistam dos seus sonhos, que lutem por eles com persistência e humildade, compreendendo que as gerações anteriores também viveram privações de vária ordem e que, trabalhando, proporcionaram às actuais gerações muitas das comodidades que não conheceram.     

João Paz

                

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Autor: CA

Categorias: Regional

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