3 de setembro de 2023

Um desafio inqualificável

 1- A pedido do Presidente da Assembleia Regional da Madeira, o Presidente da República enviou para apreciação do Tribunal Constitucional o Decreto que descriminaliza o uso das drogas sintéticas e que havia sido aprovado pela maioria dos deputados do PS, sem que, como determina a Constituição, tivessem consultado os Governos das Regiões Autónomas.
2- O Presidente da República certamente fundamentou o pedido ao Tribunal, tendo em conta o incumprimento por parte da Assembleia da República em matéria tão sensível, consubstanciando-se desse modo uma inconstitucionalidade por omissão.
3- O Tribunal Constitucional assim não entendeu, e a forma sobranceira como anunciou a sua decisão unânime de recusa, devolvendo o Decreto tal como o havia recebido, parece um desafio do Tribunal Constitucional ao Presidente da República e, ao mesmo tempo, um acto inqualificável de poder autocrático, impróprio de uma instituição jurídica que tem por dever ser zelador do cumprimento da Constituição.
4- Assim sendo, parece-nos que o Tribunal Constitucional não cumpriu o que determina o artigo 229º da Constituição, que define a cooperação entre órgãos de soberania e órgãos regionais, conforme se pode comprovar pela descrição do artigo:
5- Artigo 229º (Cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais)
6- Nº1. Os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo próprio, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.
7- Nº2. Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional.
8- Porém, o Tribunal Constitucional decidiu que o Decreto, sendo de âmbito nacional, não precisava de ser submetido à audição dos órgãos de governo regional, devolvendo-o ao Presidente da República, que vai assiná-lo e mandar publicar.  
9- Os juízes cometeram um erro grosseiro, escudando-se na erudição jacobina e centralista que em democracia afecta a isenção e mancha a instituição, por não lhe competir fazer um julgamento político sobre o conteúdo da norma em apreço, mas tão só, conformá-lo, ou não, com o que determina a Constituição da República no caso em apreço.
10- Ora, a nova lei, tal como está, escâncara as portas ao negócio e ao consumo das drogas sintéticas, porque são mais baratas, fáceis de adquirir e muito fáceis de vender e até fáceis para os consumidores passarem desta vida para o além.
11- Cerca de dois terços das drogas sintéticas estão a ser negociadas e consumidas nos Açores e na Madeira, cuja venda logo que a lei entre em vigor passa a ser “livre”, tendo por base a posse e venda do “poucochinho”. A proposta de lei em causa parece feita a pedido dos consumidores e negociantes de droga, cuja descriminalização vai criar um enorme entrave à acção das autoridades policiais e aos tribunais.
12- O parecer de vários especialistas com quem se falou e que trabalham nesta área, vai em sentido oposto à nova lei, e defendem que só pela via legislativa, e através da criminalização, será possível travar o consumo. É a diferença que está no saber de quem trabalha na matéria, e do legislador que arquitectou a nova lei, o que deixa “um amargo de boca” quanto ao saber dos nossos legisladores e aos interesses que os cercam.
13- Depois das férias de Verão, Setembro retoma as actividades com olhos postos no futuro, começando com a abertura das aulas a todos os níveis de ensino, e com as famílias, aflitas pela falta de alojamentos a preços suportáveis para acolher os alunos que entram no ensino superior.
14- O direito à habitação é um direito constitucional, mas os governos têm-no sucessivamente negligenciado, e sem uma política audaciosa, o que fica são remendos que não respondem às necessidades, nem às elevadas taxas de juro para as famílias, para as empresas e para a economia, que depende de vários factores, entre eles, o preço do dinheiro, da mão-de-obra disponível, das condições atmosféricas e da procura que advém do exterior.
15- Na Região, temos, nos próximos meses, a discussão dos Orçamentos para 2024, mas, enquanto isso, os anúncios dos projectos que o Governo tem feito e os que estão em carteira, têm provocado uma inusitada crispação a partidos políticos que fogem do debate sério, o que é pena!                   
                                                 

Américo Natalino Viveiros

 

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Autor: CA

Categorias: Editorial

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