O açoriano António Silva foi durante três anos seguidos o melhor aluno da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Ponte de Lima e terminado o secundário destacou-se como o melhor aluno de Portugal na área da Agricultura, tendo recebido o prémio de “Melhor Agricultor” estudante do país neste passado ano lectivo. O jovem que deixou a freguesia natal, Rabo de Peixe, aos 16 anos para ir estudar para o continente ingressa nesta Segunda-feira na Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, pretendendo, após a licenciatura, prosseguir os estudos em Engenharia Agrícola. Não é normal os jovens irem estudar para fora da Região para fazerem o secundário, mas António Silva garante que não havia alternativa, porque o ensino profissional na área da Agricultura, a sua paixão e vocação, não existe nos Açores, “o que não se percebe nem se compreende” atendendo que o sector agrícola foi durante décadas, e ainda continua a ser, a actividade económica mais importante nas ilhas. Como tinha este sonho desde criança, a opção foi sair da ilha e encontrar em Ponte de Lima uma escola que respondesse “tanto a nível teórico como prático à preparação individual de uma pessoa para uma vida ligada à Agricultura, usando a melhor maquinaria e tecnologia que existe para um melhor desempenho nas diversas actividades, desde a pecuária, suinicultura, apicultura, horto-fruticultura, entre outras”. A escola, como diz, ultrapassou as expectativas porque oferece ao aluno a possibilidade um mundo agrícola capaz de fazer a diferença: “Usámos as melhores tecnologias mas também conhecemos todos os passos para produzir os alimentos e rentabilizar a produção. Contudo, nada é desperdiçado. Cada produto é utilizado ao máximo, quer seja na confecção culinária, quer seja no seu aproveitamento para composto (adubo biológico), quer seja para venda ou doação. A escola de Ponte Lima sustenta-se a si própria e ainda investe”. O melhor é que em Ponta de Lima “as pessoas são muito simpáticas e acolhem-nos muito bem. Sinto-me em casa”.
Há muitos anos, a agricultura era o parente pobre da economia, mas hoje em dia não, porque ao seu serviço tem um conjunto de tecnologia que permite rentabilizar a produção. “Há máquinas que não precisam que o operador esteja no local. Eu posso estar em casa e a partir de um telemóvel comandar os procedimentos. A máquina pode lavrar terra sem eu estar lá. A tecnologia acompanha a actividade agrícola, o que é preciso é investir, sendo certo que mais tarde isso trará melhor rendimento. Por exemplo, a minha escola investiu na ordenha automática. Nós estamos em casa e o robô tira o leite às vacas. O robô tem um sistema que analisa toda a produção de leite, assim como dá para ver o histórico do animal no que concerne a doenças, partos, genética, entre outros. Nós só fazemos a fiscalização para saber se a vaca está bem e se houver algum problema conseguimos corrigir a produção e a qualidade, tendo em conta toda a informação disponibilizada com recurso à tecnologia”.
Mas a escola de Ponte de Lima também investe na genética dos animais, “porque com esse investimento temos melhor fertilidade, mais produção e melhor saúde para os animais, sempre tendo em conta a saúde e bem-estar animal”, garante o jovem.
A escola ensina os jovens a viver como se estivessem numa quinta agrícola, recebem um apoio mensal de 150 euros, e ajuda-os a obter conhecimentos capazes para no final do curso desenvolverem o seu negócio. Assim, “o leite produzido é vendido à empresa Agros. Mas também com o leite que se produz aprendemos a fazer queijo, manteiga, natas. Para além das vacas, também criamos leitões que vendemos no mercado local. Nós próprios é que fazemos os partos dos animais. Aprendemos a fazer inseminações e temos formação na área de cuidados veterinários. Tudo o que produzimos na escola é para vender e para consumo na escola que assim consegue ter a sua autonomia financeira.
Ao terminar o curso saímos capazes de abrir um negócio na área agrícola. Por exemplo, podemos abrir um talho, porque aprendemos a desmanchar os animais e a conhecer as carnes, mas também a fazer chouriços, morcelas, e a processar a carne, se necessário.
Aprendemos a fazer compotas com diferentes produtos, abóbora, tomate, mas também aprendemos a fazer vinho, desde a produção e fermentação ao engarrafamento. A escola tem 10 hectares de vinha e uma adega, o que nos permite um contacto directo com a vitivinicultura”.
Na Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Ponte de Lima, segundo António Silva, é utilizada uma tecnologia super avançada. Por exemplo, um drone analisa o solo e avisa qual é a área mais fraca a nível de produção e como transporta depósito os nutrientes necessários ele própria aplica o que a terra precisa. O objectivo é rentabilizar a produção e com menor recurso a mão de obra, que hoje é escassa”.
A aprendizagem é também muito prática: “Fazemos visitas de estudo a feiras internacionais, o que nos permite tomar contacto com o melhor que há a nível agrícola mas também é um incentivo para quem estuda. Há aqui um lado muito prático da aprendizagem e do mundo real. Por exemplo, numa das feiras, em Espanha, visitamos a fábrica da John Deer na área da tecnologia e verificamos como os pulverizadores são usados na agricultura de precisão, isto é matam as ervas daninhas, na zona especifica, sem danificar a produção. Nesse sentido, poupa-se muito tempo e adubos”.
Açores devem criar Escola Agrícola
Para o “Melhor Agricultor” estudante, “os Açores têm condições para ter uma escola de agricultura e desenvolvimento rural das melhores do país se seguir os melhores exemplos e Ponte de Lima é um deles. Os Açores podem investir nesta área e creio que o Governo Regional tem interesse em que os jovens se fixem nos Açores e desenvolvam a agricultura açoriana, por isso o caminho deve ser este. Também aqui a Associação Agrícola dos Açores pode ter uma palavra a dizer e como o seu Presidente, o Sr. Jorge Rita, sempre defendeu a criação de uma escola agrícola penso que é tempo de avançar neste sentido, com a ajuda dos serviços agrários, porque há muito a fazer nos Açores e há muito potencial”.
António Silva, do que conhece, entende que “as escolas profissionais nos Açores são muito fracas quando comparadas com a formação que é ministrada no continente, nomeadamente em Ponte de Lima”, defendendo que é altura de haver uma revisão do que é feito, apostando mais no lado prático da formação das pessoas e em áreas que tenham impacto no desenvolvimento dos Açores. Entende também que “é importante também que o Governo perceba que nem tudo tem de ser feito com apoios. Uma escola profissional pode e deve ser autónoma financeiramente. Um dia os fundos comunitários vão acabar e as escolas tem de subsistir. O exemplo de Ponte de Lima deve ser seguido. Tudo o que é produzido é vendido e serve para alimentar os estudantes. Ali não há desperdício. Produzimos alfaces, repolhos, e vendemos até para a vizinha Espanha, assim como doamos a quem mais precisa. Também há na escola uma rede de solidariedade. A par, estamos sempre informados dos últimos lançamentos tecnológicos para que possamos saber como obter a melhor rentabilidade possível nas diferentes áreas agrícolas. Nos Açores, em que há tantos produtos importados podemos produzir para exportar para as outras ilhas como para a continente. Tem é de haver uma estratégia e uma boa rede de transportes”. O jovem acredita que é possível ter uma escola agrícola que produza com qualidade e fazer com que os produtos açorianos consigam afirmar-se no mercado, dando a possibilidade de os jovens serem os promotores do seu próprio negócio.
António Silva tem um projecto para numa micro-escala (1,5 alqueire de terra de família) fazer a produção de maracujá, um fruto que se produz bem nos Açores, mas que no mercado o que praticamente se encontra é o que é importado. A ideia, para além da produção, é fazer um negócio total, isto é vender o maracujá, mas também compotas, óleos essenciais e até sabonetes, porque “na minha escola também aprendi a fazer sabonetes”. O mesmo, mais tarde, fá-lo pensar em investir nas macieiras, já que na região é também um fruto que precisa de atenção, tendo em conta que “aqui também a tecnologia pode ajudar, mas numa produção biológica”.
A ideia é que um dia ao regressar aos Açores possa desenvolver vários projectos agrícolas e se possível ao lado de outros jovens saídos já de uma futura escola agrícola dos Açores.
Nélia Câmara