O Presidente do Conselho de Ilha, Jorge Rita, foi apresentado na Associação Sénior pela jornalista Teresa Nóbrega que, na altura, considerou que São Miguel, com o seu peso demográfico, “assume uma centralidade que, neste momento, está a ser posta em causa pelo poder político regional”.
Teresa Nóbrega deixou a mensagem de que se está “ostensivamente a prejudicar uma ilha (São Miguel) a favor de outra”.
Em sua opinião, “desta política resultarão consequências desastrosas para a ilha maior, desde logo mais desemprego e mais pobreza que, neste momento, já nos colocam no topo do gráfico a nível regional com números que nos envergonham”.
Segundo Teresa Nóbrega, “tais políticas só são possíveis devido à passividade e demissão daqueles que politicamente, foram eleitos por São Miguel e que, subestimando a confiança que o eleitorado neles depositou, tornaram possível situação tão aberrante.”
Na opinião da jornalista “terá de ser a sociedade civil a defender esta ilha, como aconteceu há dois séculos atrás, a lutar contra a menorização da mais importante ilha dos Açores”
“Os micaelenses esperam que Jorge Rita, o novo Presidente do Conselho de Ilha, defenda a nossa ilha de São Miguel com o mesmo empenho, vigor e desassombro como defende a lavoura”, conclui Teresa Nóbrega em jeito de desafio.
Jorge Rita fez, no ‘Chá Conferência’ da Associação Sénior de São Miguel, uma intervenção com alertas e recados para a classe política e para o poder económico regional, solicitando uma maior mobilização do sector empresarial e da sociedade civil para a execução de grandes obras na maior ilha dos Açores (a reestruturação do porto de Ponta Delgada e a remodelação do Aeroporto João Paulo II) e se ter uma visão diferente sobre a pobreza e a sua erradicação pela via da educação, tornando-se o ensino obrigatório para quem não quer trabalha e recebe apoios sociais públicos para viver.
Uma intervenção de Jorge Rita que abaixo publicamos e que, embora extensa, merece ser lida com atenção e reflectida:
“São Miguel é uma ilha com potencial enorme. Tem dado demonstrações, ao longo destes séculos, da sua grande capacidade empreendedora e de resistência, a sua grande capacidade de resiliência, uma demonstração inequívoca que não tem receios, nem dos centralismos, nem dos descentralismos, nem das opiniões de outros.
A nossa afirmação tem de ser feita, sempre, de uma forma persistente, constante, segura, e de uma forma confiante. Para São Miguel fazer a sua afirmação em tudo aquilo que nós achamos que é importante - e eu como presidente do Conselho de Ilha de São Miguel, sei que tenho uma palavra a dizer sobre isso: temos de nos afirmar pela positiva do potencial que nós temos e aquilo que nós temos como capacidade para potenciar as outras ilhas.
Não há ninguém no Conselho de ilha, nem entre os micaelenses, que não queira que as outras ilhas também tenham o sucesso como São Miguel tem tido ao longo dos anos. Não há micaelenses que afrontam as outras ilhas para que tenham, ou não, sucesso. O que nós pretendemos é que, obviamente, os investimentos sejam feitos de forma criteriosa, com objectivos claros, que atendem às situações económicas de cada ilha, que atenda a situações sociais, territoriais e ambientais. Isto é que tem de ser um paradigma de governação de grande importância para a Região. Nós não queremos que ninguém fique para trás. Não é só no discurso, é na prática.
Investimento em São Miguel “tem sempre
repercussões positivas em todas as ilhas”
Na solidariedade, nós nunca ficamos para trás em relação a ninguém. Portanto, não esperamos também que uma reivindicação de São Miguel seja, constantemente ou abusivamente, declarada “mais para São Miguel.” Não podemos dar ouvidos a isso nem podemos dar importância a esse tipo de discurso, porque São Miguel, e o investimento em São Miguel, tem sempre repercussões positivas em todas as ilhas.
Há uns anos fui convidado para um fórum sobre turismo e disse: “ainda bem que o turismo não começou pelas outras ilhas. O fluxo de turismo que foi para São Miguel, se vai com a mesma dimensão para outras ilhas, tinha acabado o turismo antes de começar, porque nas outras ilhas nada estava infraestruturado, porque não tinham dimensão, massa crítica, restauração, hotelaria, e não tinham aptidão de trabalho nestas áreas. Portanto, teria sido um desastre à nascença. Ainda bem que estas iniciativas começaram precisamente por São Miguel. E hoje incomodam-se porque as coisas começaram por São Miguel. Nós não temos ciúmes dos outros terem as suas instituições, até algumas não existem em São Miguel. Até estão muito bem instituídas.
O que é importante é que, a nível do Conselho de Ilha, temos um trabalho a fazer de grande importância em São Miguel. Não vou criticar os que passaram. Cada um fez o que podia e sabia durante o período que esteve. Mas o que vamos fazer é diferente. Eu, como Presidente, tenho uma equipa na Direcção sobejamente conhecida, Câmara de Comércio, UGT e Pescas, sector que surge pela primeira vez no Conselho de ilha. As pescas são também um sector vital na economia que não podem ficar de fora e não podem ser o parente pobre da Região Autónoma dos Açores, por isso também estão integrados.
Ninguém fica de fora. Se todos quiserem ficam dentro do espírito do Conselho de Ilha. Para isso, estamos a formar grupos de trabalho que estão ligados à saúde, educação, e às questões da solidariedade social. O que nos pretendemos é a integração e não a exclusão. O sucesso do Conselho de Ilha faz-se com a integração de todos e com menos política e muito mais com as pessoas.
As câmaras municipais e as juntas de freguesia, têm um papel muito importante no Conselho de Ilha. Não queremos criar um Conselho de Ilha que seja uma valência da Assembleia Legislativa Regional. Não. O Conselho de Ilha irá servir para o que são os interesses exclusivos da ilha de São Miguel, para que a ilha e os seus propósitos e as suas legítimas expectativas sejam materializadas e possamos eliminar esta ansiedade e alguma desconfiança que existem.
Começando pela pobreza(…) entendo que a nossa Região não é a mais pobre do país, as pessoas é que estão no sistema de pobreza mais frágil do país. Não é a Região. Somos uma região de produção. Produção essa que até tem uma capacidade excelente de exportação. Quantas regiões não gostavam de ter aquilo que nós hoje temos. O binómio agricultura e o turismo. Temos duas economias fortíssimas na mesma Região. Quantas regiões e quantos países não gostariam de estar na mesma situação que está a Região Autónoma dos Açores? A Região não é pobre, as pessoas é que estão pobres, por várias razões óbvias. Isto hoje leva-nos a um trabalho diferente para sabermos porque é que as pessoas continuam pobres nos Açores, porque é que há um aumento brutal da droga nos Açores e o que é que leva a essa situação. É importante fazer a caracterização, mas mais importante é ir ao fundo da questão e saber porque existe pobreza e porque existe este brutal aumento de droga na nossa sociedade. Este é que é o trabalho que tem de ser feito, a monitorização dos problemas e não o discurso. O discurso existe, mas na prática, todos nós estamos a assistir a alguma indolência e a demasiada pacificação nestes domínios. Temos todos que ir mais além. Temos de ir ao fundo da questão.
Depois temos a questão do emprego, do trabalho, dos que não trabalham, dos que estão no rendimento de inserção social. O facto é que existe falta de mão-de-obra em quase todos os sectores de actividade. E a questão é onde está este pessoal dos Açores? Onde está aquela massa excepcional, trabalhadora, que tínhamos nos Açores. As pessoas que emigravam eram conhecidas como os melhores trabalhadores em qualquer país. Onde existem açorianos são sempre considerados os melhores trabalhadores. Onde está, na Região, esta filosofia que se foi destruindo e delapidando ao longo dos anos por causa das nossas políticas sociais, demasiado sociais, esquecendo-se que a economia é que pode alavancar a parte social.
“Quando havia quem não queria
trabalhar, chamávamos malandro…”
Fez-se precisamente o contrário, que foi e é pagar para não trabalhar e pagar para não produzir. Obviamente que hoje estamos a sofrer as consequências de muitas decisões, quer da União Europeia, quer do país, e quer da Região Autónoma dos Açores. Isto leva a que hoje sejamos confrontados com a situação dramática que é: não temos pessoal para trabalhar, temos muitas pessoas com problemas sociais, muita gente no rendimento de inserção social e depois começamos aqui num fantasma que é importar mão-de-obra. Estamos a falar de pessoas que são desenraizadas dos seus meios, com culturas totalmente diferentes, até com religiões diferentes, e que depois se refugiam em guetos. Serão os Açores no futuro uma região dessas? Uma região com potencial incrível para o turismo, ter mão-de-obra em guetos? Temos condições para receber estas pessoas porque falta-nos de mão-de-obra? Ou não seria preferível todos nós fazermos um trabalho de fundo e saber quantas pessoas temos verdadeiramente sem trabalhar na Região, indo ao real? Penso que as estatísticas não dizem o real. Este é o meu ponto de vista. Não seria muito importante analisarmos esta situação? Em cada 100 pessoas que não trabalha, se recuperarmos 10, 15 ou 20, não era importante também que estes viessem para o trabalho?
Vou dar um pequeno exemplo. Comecei a vida desde muito pequeno. Quando havia alguém que não trabalhava, chamávamos de ‘malandros’. E quem não trabalhava, mesmo doente, ficava escondido em casa para não o chamarem de ‘malandro’. Era a cultura do trabalho. Não tem a ver só com Salazar, tem a ver com a cultura das pessoas. E depois era o orgulho das pessoas que diziam: “comprei a minha casa com o meu trabalho.” Não precisavam do Governo para lhes darem as casas. Compravam com o seu trabalho… Onde está esta cultura? Esta cultura foi delapidada completamente, pelas políticas sociais que é dar o peixe, não se dá a cana nem se ensina a pescar. Foi isto que criamos nos Açores ao longo destes anos e a pobreza assenta precisamente nesta situação.
E a pobreza leva à droga. Quem tinha acesso à droga, no século passado, eram pessoas que tinham alguns meios. Hoje não é bem assim. O desemprego o que é que dá? Gerações que não trabalham, gerações do rendimento social. Esta já é uma filosofia que está incrementada em muitas famílias. E temos de acabar com este paradigma, mas para isso é preciso a coragem e determinação de todos. Não podemos é pensar que não se pode fazer isso agora porque temos o voto para a semana. E depois de mais quatro anos temos mais votos. Isso não pode ser dessa forma e o Conselho de Ilha tem a obrigação de dar nota dessas situações, porque é isto que eu penso e é isto que eu defendo.
O trabalho toda a vida deu dignidade às pessoas. Dá menos vícios, cansa o corpo, descansa a alma, como dizemos muitas vezes. Com o corpo cansado os vícios são menos. O que é que acontece muitas vezes em relação aos vícios? Onde estão os maiores problemas de incestos, promiscuidade e droga? Estão nas pessoas que, normalmente, não trabalham, as pessoas que estão muito tempo em casa, pais, filhos, irmãos, tios, primos. As pessoas passam demasiadas horas sem trabalhar, e depois com os vícios da droga e do álcool levam a maus caminhos. Estamos numa sociedade que se tem de inverter. E esta é uma responsabilidade do Presidente do Conselho de Ilha, dos Presidentes das Câmaras, do Presidente do CESA, de todos aqui presentes, e de toda a sociedade. A isto é que se chama fazer cidadania. Não podemos fechar os olhos a essa situação. Ninguém pode ficar indiferente ao que se está a passar em São Miguel.
Incomoda muito quando se chega ao continente ou a outra zona qualquer e se ouve questionar: “Como é que São Miguel, uma terra tão rica, que produz tanto, produz bens transaccionáveis, tem o melhor queijo, o melhor leite, os melhores produtos, o melhor chá, o ananás, tem uma imagem fantástica, tem o melhor turismo e é considerada a ilha mais pobre? Ora, quando se especular muito a dizer que os Açores são a região mais pobre do país, não sei se também passamos ter aquele turismo que todos nós gostávamos, que é o turismo de qualidade, porque é esse que nos interessa. Não podemos estar só preocupados com o turismo, a contar barcos, aviões e pessoas que chegam, para estatísticas, e depois perceber que esse não é o melhor resultado que queremos. Não sei se esse será um trabalho desafiante para o futuro da Região: se queremos mais turismo ou se queremos melhor turismo? Sou sempre da opinião que nos Açores nunca muito mais, mas sempre muito melhor. Já é assim no leite, é assim na carne, e acho que é assim em todas as áreas da economia da Região. Mas para isso, como todos sabem, é importante que falemos nos assuntos de São Miguel, para além da pobreza.
“Entristece-me que a Universidade
esteja sempre de mão estendida”
Ao nível da saúde, já houve os anúncios que os hospitais vão ser melhorados. O Centro de Saúde da Lagoa irá ser reabilitado. Há algo que nos preocupa: Quem é da Ribeira Grande e não só, vê um Centro de Saúde que já foi uma grande referência regional, e hoje está completamente ao abandono, ou quase. É triste, tanto investimento que se fez naquele hospital, tanto que aquilo podia ajudar, a nível de São Miguel, a desobstruir as nossas urgências em Ponta Delgada, e muita gente ser tratada lá. Porque é que se deixou o Centro de Saúde da Ribeira Grande ao abandono? Obviamente que não é a Câmara Municipal que tem culpa. Se fosse eu também dizia, mas não é a maior responsável nesta situação, quanto muito é responsável, sempre, e deve continuar a reivindicar para que aquele Centro de Saúde seja reabilitado ou melhorado.
Quando se fala em educação nos Açores, para mim entristece-me quando se fala numa Universidade que está sempre de mão estendida a pedir o auxílio do Governo central, e depois o Governo dá à Região umas migalhas. É impensável como se faz educação, no século XXI, com universidades constantemente de mão estendida para o Governo. Isto é impensável. Tem de haver orçamentos definidos para as universidades, e os pagamentos às universidades têm de ser feitos atempadamente para que a própria universidade faça o trabalho que tem obrigação de fazer. Não se pode é exigir às universidades quando não se dá as condições mínimas.
É inadmissível e inaceitável que, ao nível da educação, falte verbas para que as universidades tenham um desempenho verdadeiramente importante que é: formar bem os açorianos e aqueles que vêm para cá estudar. Estou perfeitamente à vontade que não passei por nenhuma universidade, mas sei quanto é importante a nossa universidade e a nossa formação académica na Região.
E, a outro nível da educação, há muito trabalho a fazer nas nossas escolas profissionais. Temos muitas escolas profissionais. Temos é de estar ligados a essas escolas. Temos uma parceria com a escola profissional da Ribeira Grande que tem dado frutos na área de formação que achamos que é importante para os agricultores. Mas esse trabalho tem de ser feito não só para os agricultores, mas para todos, porque há muita gente a ser aproveitada bem nessas áreas, nessas escolas, e há muito mais que se pode fazer. Mas não pode ser de uma forma desarticulada, de uma forma desintegrada. Não pode haver cores partidárias... As cores são a formação e as escolas, e a sua aplicação no ensino para que as pessoas fiquem bem preparadas para o trabalho e nós precisamos muito de bons profissionais nas áreas do turismo, agricultura, pescas e construção civil.
As escolas profissionais são também importantes por forma a tirar aqueles que não são estudantes nem são trabalhadores, e quase os obrigar a essa formação, não só pela escolaridade obrigatória, mas também para começarem a estar no mundo do trabalho. Defendo que todas as pessoas que estão no rendimento de inserção social têm de ser chamadas frequentemente para se saber o que estão a fazer e monitorizar as pessoas que têm condições para trabalhar. As empresas, pelo menos aquelas que são apoiadas, têm de ter como obrigação ficar com alguns desses trabalhadores. E tenho a certeza que, se alguns deles forem bem renumerados e se sentirem confortáveis, vão vingar porque também há muita gente que, se calhar, gostava de trabalhar se fosse devidamente renumerado.
Aquilo que o Governo renumera, mais uma parte que as empresas podem renumerar, se calhar já ficava com um ordenado atractivo.
Vemos os milhões dos PRR que andamos a analisar. Andávamos a pensar que a bazuca ia resolver o problema de tudo e de todos, estávamos totalmente enganados. Afinal o PRR – Plano de Recuperação a Resiliência, está quase todo focado naquilo que os governos querem: vai para o sector público, e muito pouco para o sector privado. O PRR está a servir como fonte de alimentação dos governos (…).
O porto e o aeroporto de Ponta Delgada
Obviamente que o PRR não é só dar dinheiro, é mais rigoroso. Estamos a falar de metas e de objectivos e as verbas só estão disponíveis quando as metas e objectivos estão cumpridos. Se não for assim, as verbas têm de ser rapidamente devolvidas. Penso que algumas dessas verbas deveriam ter sido aproveitadas em termos de infra-estruturas regionais. Podíamos ter aproveitado muito bem o PRR para investir nos aeroportos e na recuperação dos nossos portos. Não só no porto das Lajes das Flores, mas também noutros.
É pena que não se tenha aproveitado o Plano de Recuperação e Resiliência para remodelarmos o Aeroporto João Paulo II e reestruturarmos o porto de Ponta Delgada, para fazer aquilo que é preciso fazer neste porto. Quem está no porto sabe isso perfeitamente, quer a nível daquilo que se importa ou que se exporta, quer a nível de turismo, o nosso porto está saturadíssimo, mais do que todos os outros.
Todos percebemos o estrangulamento e os custos acrescidos que temos em relação ao nosso porto. São Miguel não pode perder dinâmicas económicas e não pode estar dependente de outros equipamentos de outras ilhas, como no caso do rebocador que tem de vir, por vezes, para ajudar um barco a entrar no porto de Ponta Delgada. Depois temos as gruas que não são suficientes e registam muitas avarias. Portanto, é tudo sempre um custo acrescido.
O objectivo claro é que São Miguel precisa melhorar rapidamente as suas infra-estruturas para que a economia continua a crescer de uma forma sustentável.”
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