(Correio dos Açores): Quantas pessoas se encontram actualmente inscritas na Associação de Agricultores da Ilha Graciosa?
(João Mendonça): Temos à volta de 200 associados. É um número que tem vindo a subir nos últimos anos.
Nota-se um envelhecimento da idade média dos agricultores?
Na Graciosa também se denota uma falta de interesse dos jovens em seguir a agricultura, mas a verdade é que temos um grupo de jovens agricultores que começa a aparecer, nomeadamente na produção de leite e de hortícolas.
O que leva, na sua opinião, os jovens a não enveredarem na agricultura?
A falta de mão-de-obra é impressionante. Aqui na Graciosa, na agricultura e noutros sectores, temos alguns problemas, começando, desde logo, pelo custo dos transportes. É muito caro importar qualquer coisa e exportar é complicado. O leite tem vindo a descer nos últimos tempos, nomeadamente o preço pago ao produtor. Isso também acontece com o preço da carne, dos hortícolas e isso não torna muito apelativo o ingresso de jovens na agricultura. Mas, apesar dessas dificuldades, temos meia dúzia de jovens que entraram na agricultura.
Os transportes são um problema que persiste na Graciosa?
Os transportes apresentam dois grandes problemas; o elevado custo e a frequência. Temos um toque quinzenal do navio que faz escala com o continente. Na minha opinião, esse toque deveria ser semanal. Temos depois os TMG (Transportes Marítimos Graciosenses), uma empresa com capital regional, mas que nunca têm um dia certo para vir à ilha. Esta semana estiveram na 5ª Feira, antes estiveram na 4ª, na 6ª ou ao Sábado e nunca são regulares. Isso constitui um entrave à exportação para as outras ilhas. Há ligação dos TMG com a Terceira mas se quisermos exportar animais ou hortícolas para o Triângulo, é uma confusão.
Essa incerteza dificulta muito o vosso trabalho…
O produtor de hortícolas, de alhos, de meloas ou de outro qualquer produto, nunca sabe qual o dia certo em que o barco escala a Graciosa.
A falta de mão-de-obra é um problema que está relacionado com o envelhecimento da população?
A Graciosa é bastante envelhecida, grande parte dos jovens que saem para estudar ficam fora e as outras pessoas não querem trabalhar. Vemos uma franja da nossa sociedade que recebe um apoio do Governo para não fazer nada. Considero que essas pessoas têm de ser ajudadas mas não se pode dar ‘o peixe já cozinhado”. Isso revolta-nos enquanto agricultores e penso que, para colmatar este problema da mão-de-obra, vamos ter de importar do estrangeiro. Se isso não acontecer, produções como o alho, a meloa, as hortícolas e a vinha, que é uma cultura muito importante na ilha e que tem vindo a assistir a uma reconversão, ficam em risco. Não há mão-de-obra e mesmo para as explorações leiteiras há uma enorme dificuldade. Hoje em dia trabalhar numa exploração destas já não tem nada a ver com o passado; existem folgas, descontos para a segurança social, seguro de trabalho ou subsídio de férias. Actualmente, alguém que trabalhe nas vacas ganha mais do que um licenciado recém-formado que entre na função pública.
A Associação tem presentemente quantos trabalhadores e qual é a sua área de actuação?
Somos uma Cooperativa mas não vendemos factores de produção. A Associação conta actualmente com 6 colaboradores: um técnico superior, dois inseminadores que também fazem contraste, um operador de máquinas e uma assistente técnica. A principal actividade da Associação de Agricultores é a prestação de serviços nas silagens de milho. A Graciosa é uma ilha pequena mas faz muita silagem e, falando em dados deste ano, fizemos 3.700 alqueires para 60 pessoas. Fizemos isso praticamente num mês e tal e somos os únicos a prestar esse serviço na ilha. A área de cultivo de milho para silagem tem vindo a aumentar para fazer face aos custos de produção. Fazemos também inseminação artificial em bovinos, o contraste leiteiro, cadernos de campo e o nosso técnico superior ajuda ainda na elaboração de alguns projectos, como o VITIS.
Entrando concretamente na fileira do leite, quantos produtores existem hoje em dia na Graciosa?
Temos 23 produtores que produzem à volta de 8 milhões de litros. É um valor considerável e temos 3 ou 4 explorações com mais de 100 vacas leiteiras. Posso até dizer que 75% das explorações leiteiras da Graciosa têm uma média/grande dimensão.
Ultimamente tem-se falado muito do problema do preço do leite pago à produção…
Não nos podemos esquecer que a Graciosa é uma ilha Reserva da Biosfera e o leite podia ser mais bem pago. Um queijo produzido na reserva da biosfera é muito mais valorizado, por exemplo, no Norte da Europa. Tudo o que seja IGP também o é mas isso não é devidamente valorizado ao produtor. O preço pago ao produtor, comparativamente a São Miguel, é inferior em 9 cêntimos.
Considera que essa diferença é injusta?
É muito injusto. Se temos um produto de excelente qualidade porque razão estamos a receber menos que os nossos colegas de São Miguel e de outras ilhas. Isso deve-se ao monopólio da única indústria existente.
Como se podia alterar essa situação?
É difícil e não se pode colocar o cenário de construir uma nova fábrica na Graciosa. Não é viável.
O Governo Regional podia ter um papel mais activo relativamente a esta questão?
Acho que o Governo Regional devia acompanhar mais os preços. Há uns tempos atrás o senhor Secretário anunciou o Observatório dos preços e penso que devia ter um papel mais interventivo. Devia existir um organismo que regulasse o preço de alguns produtos agrícolas.
Entrando mais na temática da carne, a Graciosa foi uma das três ilhas onde foi aberto um programa de incentivo à reconversão das explorações de leite para carne…
Penso que aqui tivemos três agricultores que optaram por esse caminho. Temos um excelente matadouro que serve perfeitamente as exigências da lavoura graciosense e a exportação em carcaça, de vacas e novilhos, tem vindo a crescer cada vez mais, enquanto a exportação em vivo, está a diminuir. Temos um efectivo na ilha de 8.000 e tal bovinos e o ano passado foram exportados vivos mais de 1.000 animais.
A aposta na carne tem futuro?
Considero que a fileira da carne tem pernas para andar. Tal como disse, a maior dificuldade prende-se com a falta de mão-de-obra. A nível genético tem havido grandes avanços, com a criação de núcleos puros de determinadas raças e a qualidade dos animais tem vindo a melhorar bastante nos últimos anos aqui na Graciosa. Tentamos sempre que este seja um produto homogéneo.
Entende que a Associação de Agricultores da Graciosa tem sido devidamente apoiada pelo Governo Regional?
Tem sido este Governo que avançou com uma medida positiva; o fim dos rateios. Foi uma mais-valia para os produtores mas, em contrapartida e nos últimos anos, este Governo não tem feito praticamente nada no abastecimento de água à lavoura ou no melhoramento de caminhos rurais. O novo Quadro Comunitário está atrasado e a mim, enquanto dirigente associativo, preocupa-me a opção do Governo pelo endividamento zero. Os Açores podem perder milhões de fundos comunitários devido à falta de verbas regionais. Este é um alerta já deixado várias vezes pelo Presidente da Federação Agrícola dos Açores, o senhor Jorge Rita.
Como se encontra a situação financeira da Associação?
Neste momento a Associação não tem dívidas. Tentamos ter sempre uma gestão rigorosa mas, por vezes, temos algumas dificuldades porque dependemos de alguns apoios do Governo que estão ligeiramente atrasados este ano. O ano passado recebemos em Abril, em Setembro deste ano isso ainda não aconteceu mas a nossa candidatura já foi publicada em Jornal Oficial e devemos estar a receber a primeira tranche. Gostava igualmente de destacar a boa relação que mantemos com a Federação Agrícola dos Açores e com o seu Presidente, Jorge Rita. Considero que é um líder forte e que tem ajudado bastante a lavoura da Graciosa.
Para além da lavoura, a Graciosa é também conhecida pela produção de alguns produtos característicos, como o alho ou a meloa…
A Associação é actualmente a gestora do agrupamento de produtores do alho IGP (Indicação Geográfica Protegida) da Graciosa. Neste momento temos 15 produtores. Este ano a área de produção foi superior ao ano passado e posso até dizer que, em 20223, existiram pessoas que produziram alho pela primeira vez.
Tem havido um aumento de interesse na produção de alho?
Tem havido aumento de interesse e também de procura. A Associação ficou com esse ‘dossier’, faz contactos, a promoção do produto e ainda recentemente trouxemos cá pessoas de fora e apresentamo-las aos produtores para que estes possam fazer negócio directamente com os empresários interessados. A Associação de Agricultores da Graciosa já pediu também ao Governo Regional para que se começassem a desenvolver trabalhos para que a nossa meloa possa ser reconhecida como produto IGP.
Estes dois produtos em concreto, o alho e meloa, podem ser importantes para o futuro da agricultura graciosense?
Temos aqui dois ou três produtos que se diferenciam nos Açores e que até já são conhecidos fora da Região. Considero que se devia apostar cada vez mais na sua produção mas, voltando sempre ao que já falamos, o grande problema é a falta de mão-de-obra.
Para além destes produtos que já falamos, há algum outro que pudesse ser alvo de maior aposta?
Há um que tem vindo a registar um aumento de produção e de reconhecimento que é o mel. Considero que se devia incentivar mais pessoas a ingressarem na apicultura. Outra vertente que podia ser recuperada, e que até já teve alguma tradição, é a fruta. Os nossos solos são bastantes bons, temos um clima formidável e devia-se apostar mais. Também a produção de hortícolas tem vindo a aumentar mas a exportação esbarra sempre depois no problema dos transportes.
Apesar dos problemas apontados, considera que a agricultura tem potencial na Graciosa?
O que seria da Graciosa sem o mundo rural e sem a agricultura? A agricultura é a base da economia da ilha e quando o agricultor está bem, a economia flui melhor. Considero até que, futuramente, vamos assistir ao regresso de alguns jovens ao mundo rural. Apesar de todos os problemas, acho que ser agricultor é uma profissão nobre. Deixe-me dizer antes de terminar que, ao contrário do que muitas vezes se ‘pinta’, os agricultores adoram animais. O agricultor tem de tratar bem a sua fonte de rendimento - a terra - e acho que se começa a assistir nos Açores a algum fundamentalismo contra os agricultores. Até se tem denotado uma maior preocupação, por parte dos agricultores, com determinados aspectos com que não se preocupavam no passado.
Luís Lobão