A zona do Quarteirão, na cidade de Ponta Delgada, concentra muitos projectos artísticos e de artesanato, como ateliês, lojas, e estúdios, muitos de porta aberta, onde se pode encontrar artigos genuínos e, muitas vezes, os artistas e artesãos no seu momento de produção artística.
Anne Bruyere, natural de França, é a artista do estúdio Papel da Lua. Vive em São Miguel há mais de 20 anos, e no espaço na Rua d’Água mostra os seus trabalhos de arte, desde pinturas, impressões, aguarelas, e cadernos e postais feitos com papel que produz artesanalmente, focando-se nos processos e materiais naturais. A artista e artesã tem observado a um fenómeno “interessante” este ano, dado que cada vez mais as pessoas se mostram interessadas nos artigos de arte: “Encontrei mais pessoas a procurar arte e galerias de arte. Pessoas interessadas em trabalhos de arte. O meu trabalho tem um lado de artesanato, faço cadernos, postais, e tenho um trabalho de arte com diferentes técnicas como a aquarela, arte do papel,” conta a artista que defende que ainda tem de se desenvolver mais a produção artística nos Açores. “Foi uma boa surpresa. No meio de tanto turista há muitos artistas, também, e pessoas que têm uma sensibilidade para a arte.” No Papel da Lua, 95% dos clientes vêm de fora, mas também há “uma pequena abertura cá” de pessoas interessadas em arte e que conhecem o seu trabalho, mas a artesã defende que “o que é interessante não são só as vendas, é o intercâmbio.”
Apesar do balanço positivo, Anne aponta que “há realmente um grande trabalho a fazer para dar a conhecer os artistas dos Açores. Fazer comunicação sobre os sítios onde as pessoas podem ver e encontrar arte. Há realmente pessoas interessadas.”
A artista sente que o Quarteirão e que os artistas da zona precisam de ser melhor divulgados, em parte com a ajuda do Governo, e que é necessário melhorar a circulação das pessoas naquelas ruas e fazê-las sair da baixa da cidade: “Estamos muito escondidos no quarteirão. Há diferentes espaços de arte. Não há comunicação. Mas podemos ver que na Rua dos Mercadores abrem tantas lojas de lembranças, mas os turistas estão a procurar outras coisas. Gostaríamos de ter uma ajuda para dar a conhecer o Quarteirão. As pessoas ficam todas lá em baixo e não chegam aqui. Há passagem, mas pouco. É um problema de circulação das pessoas. Está cheio lá em baixo, mas a 100 metros do centro está vazio. Este é um grande problema da cidade”. A artesã propõe “fazer uma comunicação diferente, talvez não só a cidade, o Governo também, e valorizar os artistas locais.”
Questionada se são necessários mais apoios para os artistas, Anne defende que estes são os mais importantes: “Podemos fazer muitas coisas sem apoio. Só que a organização tem que mudar para dar uma circulação de pessoas diferente. Não é um apoio financeiro, é um apoio de reconhecimento, valorização e comunicação. Temos de ter uma visibilidade diferente.” Na sua óptica, para contornar o problema do excessivo tráfego de carros naquelas ruas e para dar mais espaço aos artistas “as ruas deviam ser fechadas uma vez por semana, por exemplo, para se fazer um mercado nocturno.”
“Esta é uma zona de que a cidade poderia ter orgulho “
Anica Nena Nosalj faz trabalhos em madeira reciclada e criptoméria, e apresenta os seus trabalhos no Studio AVE, na Rua Pedro Homem, onde também a sua filha mostra os seus trabalhos de colagens e pintura. Nena é da Croácia e vive nos Açores há cinco anos.
As artistas abriram o estúdio há um ano, mas Nena observa que este ano tem sido melhor do que quando começaram. “Está a crescer. Não precisamos de receber muitas pessoas, as que entram, estão mesmo interessadas, não estão apenas de passagem. Na maioria das vezes, se entram 6 pessoas, talvez uma delas não compra nada. A maioria dos visitantes são do Canadá, Estados Unidos da América e de diversos países europeus, mas os açorianos também “gostam e apreciam”, “Normalmente são pessoas que fazem arte ou estão interessadas em arte, e alguns estão apenas interessados em comprar prendas”.
Sobre o Quarteirão, Nena considera que se trata de uma zona especial da cidade: “São apenas quatro ruas, e há tantas coisas diferentes que podemos experienciar. Depois estamos no meio da cidade, ao pé de um lindo jardim, da biblioteca, dos museus. Há muitas coisas interessantes nesta parte da cidade que são únicas. Todas as coisas são feitas por pessoas que têm lojas aqui, não são franchises,” entende a artista croata, mas aponta, por outro lado, que o Quarteirão tem de ser mais promovido e visto como parte da cidade. “Qualquer grande cidade tem uma zona assim para as pessoas que estão interessadas em ver trabalhos autênticos de pessoas locais. As pessoas não estão interessadas em produtos industriais. Eles estão interessados em artigos feitos à mão.”
Nena é mais uma artista que defende uma melhor regulamentação do tráfego naquelas ruas para melhorar a segurança e dar oportunidade a que pelo menos um dia por semana se realize um mercado nocturno, proposta já feita à Câmara Municipal de Ponta Delgada, que ainda não deu resposta: “Já escrevemos para a Câmara Municipal de Ponta Delgada, há alguns meses, sobre como tratar do lixo, como tornar o tráfego menos perigoso nesta rua, e pelo menos colocarem umas lombas para que os carros não passem tão depressa.”
Na opinião da artista, o Quarteirão “é uma zona de que a cidade poderia ter orgulho. É um enriquecimento da oferta que a cidade tem para os visitantes. Talvez possa não haver muito proveito económico, mas é em prol da imagem da cidade. A tendência é as pessoas optarem por aquilo que é feito artesanalmente. Em muitos países, as pessoas já não estão interessadas em produtos industriais, elas procuram os produtos artesanais, especiais. Este mercado está a crescer no mundo. Talvez a cidade devesse ver que a vantagem disto não é o dinheiro, mas a imagem que a cidade passa para as pessoas. Há muitas pessoas que fazem coisas lindas aqui, e isso tem de ser promovido.”
Quarteirão organiza feira para
promover artistas residentes
O Quarteirão está a organizar uma feira de arte na próxima Sexta-feira, dia 22 de Setembro, entre as 15h00 e as 22h00 no Jardim Antero de Quental.
A feira quer dar oportunidade a todos os artistas e artesãos que de São Miguel, não só da zona do Quarteirão, mas de toda a ilha, que queiram mostrar os seus trabalhos e actividades criativas. A participação é gratuita, mas é da responsabilidade dos participantes levar a sua mesa onde apresentar os seus artigos. No fim do dia, terá lugar um evento musical.
Mariana Rovoredo