“Se por alguma infelicidade ficar impedido de pintar vai ser uma tragédia...”

 Correio dos Açores - Uma exposição de Emanuel Carreiro de 21 quadros...
Emanuel Carreiro - Estes 21 retratos que agora vou expor comecei a pintá-los em 2015. São, essencialmente, crianças, jovens e adultos. São quadros de familiares, amigos e algumas outras pessoas. Mas, essencialmente, familiares e amigos de ambos os sexos. E tenho também um auto-retrato.

Pintou também quatro quadros dos anteriores Presidentes do Governo dos Açores…
Sim, São o Mota Amaral, Madruga da Costa, Carlos César e Vasco Cordeiro. Foi uma iniciativa minha de homenagear quatro homens que aceitaram o cargo de serem Presidentes do Governo Regional. São quatro homens a quem os Açores muito devem, pelo gesto de terem aceite o desempenho da tarefa de governarem os Açores. Basta olhar para eles, logo após terem exercido o cargo, para ver-se o desgaste físico. Repare no Dr. Vasco Cordeiro. Quando o pintei tinha uma madeixa branca e hoje está com o cabelo completamente branco.

“Vivemos nos Açores entre
 uma paisagem riquíssima...”

Porquê esta sua decisão de passar da pintura de paisagens marinhas para o retrato?
Isso surge naturalmente no percurso de um artista. O artista, em geral, começa pela paisagem. E nós vivemos nos Açores entre uma paisagem riquíssima que é aliciante e nos incita à pintura. Só que, depois, se torna cansativo. O artista esgota-se na paisagem e há uma apetência por outros temas.
Na paisagem especializei-me nas marinhas (pinturas do mar). É muito difícil pintar bem o mar. E, depois, passei para a figura humana e, na figura humana…

Andou entre o mar e o homem…
Exacto. E, como se deve calcular, o retrato é bastante mais difícil. A paisagem não reclama a semelhança ao passo que o retrato, para ser bem conseguido, tem que, enfim, retratar o modelo , tem que se reconhecer o modelo e isto exige semelhança, exige grande esforço, grande poder de observação para se conseguir, realmente, atingir a perfeição.

Dê umas pinceladas na sua vida como artista. Fale do dia em que deu o primeiro traço.
Vamos recuar, praticamente, à infância, à instrução primária. Vivi seis a sete anos em Santa Maria porque meu pai trabalhou lá. E aí já se manifestava a minha apetência, o meu jeito para o desenho. Ia muitas vezes para o hangar da companhia de aviação onde meu trabalhava e desenhava os aviões num quadro que havia lá. E era reconhecida a perfeição do meu trabalho pelos funcionários. Depois, nas exposições do 10 de Junho (Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades) do fim do ano, eu era apontado para desenhar a giz os quadros com os temas alusivos ao Camões, ao Dia da Raça, as caravelas e as naus.
No meu sétimo ano no Liceu de Ponta Delgada, a pintora Luísa Ataíde fez uma exposição de pintura demonstrativa dos diversos géneros da pintura moderna, o cubismo, o surrealismo, o impressionismo e outras. Achei a pintora Luísa Ataíde uma personagem interessantíssima. Com mais alguns colegas, decidimos formar um grupo de artes plásticas no Liceu com ela como mestra. E este núcleo de artes plásticas reunia ao Sábado no torreão do liceu. Tivemos lá o Pacheco Leite que foi professor de Belas Artes. Eu também cursei Belas Artes mas interrompi o curso para aderir à televisão. Aprendi muita coisa com a pintora Luísa Ataíde. E aprendi também muita coisa com o pintor Victor Câmara.
Em 1986/87 fiz uma nova tentativa para retomar o curso de Belas Artes com o trabalho que estava a realizar. Tinha de frequentar as aulas em Lisboa, de maneira que pôs de parte definitivamente a ideia do curso. E decidi seguir, por conta própria, o percurso de artista.

É difícil ser artista por conta própria?
É preciso muito trabalho, é preciso pintar constantemente, não desistir.

Porque não há união entre os artistas de artes plásticas nos Açores? Fica-se com a noção de que vivem melhor cada um para seu lado.
(sorriso) A pintura é muito individualista e os pintores são muito competitivos entre si, de maneira que não é fácil haver união. Eu e mais alguns artistas tentamos criar em São Miguel uma Associação de Artistas Plásticos. Criamos esta associação, chegámos a fazer uma exposição colectiva para assinalar a criação desta associação. Foi uma exposição que correu várias ilhas mas, depois, ficou por ai mesmo porque, enfim, cada um decidiu seguir o seu percurso individualmente. Cada um tem o seu estilo e, portanto, não partilham estilos e conhecimentos.

Isto é natural ou sucede porque vivemos numa ilha?
É natural. É a natureza da própria actividade.

Disse que, em certa altura, ingressou na RTP/Açores. Foi um dos pioneiros?
Sim. Fizeram um concurso público, concorreram 30, pretendiam três e eu fiquei.

Como era, então a RTP/A?
Funcionávamos nos mínimos quer em pessoal, quer em equipamentos (sorriso). Muita gente ainda se recordará destes velhos tempos em que a RTP/Açores era a preto e branco, em que parava um dia por semana para os funcionários folgarem. Eram muito poucos e não era possível de outra maneira. A RTP/A, na altura, tinha seis a sete funcionários, doze no total contando com o pessoal dos emissores. E funcionava, inicialmente, às 18h30 até à meia-noite e meia. Depois passou a abrir às 15 horas. E, muito mais tarde, passou a abrir de manhã.

Naqueles tempos iniciais suava-se muito a camisola? Trabalhava-se muitas horas que não eram remuneradas…
Sim, exactamente. E fazíamos serviço nas nossas viaturas. Íamos buscar as bobinas ao aeroporto no nosso carro. Depois íamos fazer as reportagens nos nossos carros. Nos dias de folga íamos trabalhar, sem qualquer encargo…

E esta situação começou a mudar quando?
Isto começou a mudar lentamente, mais tarde, quando foram surgindo mais condições. E foi deixando de ser preciso esse esforço da nossa parte.

Em sua opinião como se encontra hoje a RTP/Açores?
Eu estou convencido que a RTP/Açores continua a fazer o melhor que sabe e pode para prestar um bom serviço público.

Não podia ser melhor?
Pode sempre ser melhor. Mas, às vezes, as condições não permitem.

Viveu o tempo em que se suava a camisola e hoje vive-se outro tempo em que alguns estão lá para receber ordenado…
Haverá da parte dos mais antigos que lá estão um certo cansaço e há a necessidade de renovar e injectar sangue novo nos recursos humanos. Mas não creio que haja quem esteja lá só pelo vencimento.

Lisboa não devia olhar com outros olhos a televisão nos Açores?
Sim, entendo que a televisão nos Açores devia ter uma autonomia muito maior em relação a Lisboa. Devia ter um orçamento próprio. Efectivamente, tem um orçamento que é destinado pelos serviços centrais de Lisboa. Mas deveria ter mesmo um orçamento próprio que fosse estabelecido com base nas receitas da taxa do audiovisual e na publicidade que é cobrada localmente. O Dr. Rosa Nunes fez, a pedido da RTP/Açores, um estudo sobre isto e é viável ter uma televisão mais autónoma nos Açores.

O Emanuel Carreiro passou também pela política…
A minha passagem pela política foi menos efectiva do que na televisão e na pintura. Ainda nos tempos do liceu aderi ao movimento de esquerda através de amigos que eram militantes de esquerda. Havia a Comissão Democrática Eleitoral que se formou para as eleições de 1969. O Dr. Borges Coutinho e o então Major Melo Antunes, na altura, desempenhavam um papel preponderante, destacado na oposição ao regime salazarista. E, portanto, haviam organizado uma certa oposição.
Fazia parte deste grupo que reunia em casa do Borges Coutinho. Imprimíamos comunicados que, depois, eram distribuídos. E, portanto, participei activamente nesta campanha de 1969. Os Açores tiveram, na altura, a segunda maior votação da oposição, atrás de Setúbal.
Em 1971 fui para a tropa cumprir o serviço militar. Perdi os laços com este grupo e fui para o Norte de Angola.

Foi um serviço militar difícil?
Não, não foram tempos muito difíceis. Tive a sorte de prestar serviço num sítio que não era muito mau. Era um colonato de população branca se bem que fizéssemos operações na zona de guerra. Estive em, pelo menos, um combate em que a minha companhia teve um morto e um ferido. Mas não trago traumas deste tempo.
Esta ida para a tropa interrompeu o meu percurso político e quando voltei em 1973 a CDE já era MDPCDE, retomei as amizades com o grupo e quando aderi à televisão em 1975 cortei a ligação a este grupo porque entendi que não devia ter filiações partidárias, estando na televisão.

“Cedo me desencantei da política”

Em 1980 é eleito deputado à Assembleia Regional…
Exacto. Como apresentador de televisão, tive algum sucesso e projecção e o PSD convidou-me para integrar a sua lista de deputados por São Miguel à Assembleia Regional nas eleições de 1980. E eu aceitei porque tinha muita curiosidade em ver como é que era a política por dentro do ponto de vista da situação. Eu era o último da lista e o PSD teve uma votação excepcional e elegeu 13 deputados por São Miguel e eu entrei. Mas, cedo me desencantei da política.

Internamente, como funcionava o Grupo Parlamentar?
Aquilo não era muito espontâneo, não era como eu pensava que fosse. As coisas eram demasiado preparadas nas reuniões do Grupo Parlamentar e quando se ia para plenário já estava tudo decidido, o que se fazia e o que não se fazia, o que se votaria e o que não se votaria. Eram aborrecidas as votações dos diplomas, parágrafo por parágrafo, alínea por alínea e eu achava aquilo extremamente aborrecido. E cansei-me. De maneira que, a meio do mandato, pedi a suspensão e não conclui o mandato.

Dizia-se nesta altura que a Região era governada por duas ou três pessoas…
Ou talvez por uma. (Sorriso). O Dr. Mota Amaral cedo se tornou, realmente, um político de primeira água e passava tudo por ele. No PSD nada se fazia que não passasse por ele e tivesse o seu consentimento como, aliás, é natural. Ele era o líder do partido.

Regressando à pintura, para si, o que é pintar?
Para mim pintar é, essencialmente, um acto de reencontro comigo próprio, uma terapia, um desafio que imponho a mim próprio sempre que começo a pintar um quadro. O objectivo era vencer este desafio.
Aceitar estes desafios e vencê-los. E isso é que dá prazer.

Vê o Emanuel Carreiro sem a pintura?
Não me vejo sem pintar. Isto já faz parte de mim. E, portanto, não me vejo sem pintar. Se, por alguma infelicidade, ficar impedido de pintar, vai ser uma tragédia.

João Paz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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