Sociólogo Fernando Diogo defende que aumento de rendimentos e atenção especial a famílias monoparentais são essenciais para diminuir pobreza nos Açores

Apesar de os Açores terem deixado de ser a região com maior taxa de pobreza do país, esse estatuto passou a ser detido pela Madeira, o sociólogo Fernando Diogo alerta que a diminuição deste índice está relacionado com algumas medidas implementadas pelo Governo Regional dos Açores durante a pandemia.
“Foi uma alteração conjuntural e teve a ver com esses apoios regionais às famílias. Coloco a hipótese de ter tido muito a ver com o aumento do PROSA. O PROSA tem um rendimento correspondente ao salário mínimo e foi o suficiente para retirar muita gente da pobreza”, destaca.
Em declarações ao nosso jornal, e quando questionado sobre as medidas que deveriam ser implementadas para diminuir a pobreza, o professor da Universidade dos Açores atira que as tem “na ponta da língua”. Dividindo-as em duas medidas de grande relevância, Fernando Diogo começa pela primeira delas, desdobrando-as ainda em dois ‘capítulos’.
“A primeira parte passa por aumentos de salários porque há um desequilíbrio entre a remuneração do trabalho e a remuneração do capital. Isto terá um impacto enorme na redução da pobreza e muito para além dela. Por exemplo, a questão da emigração dos jovens e dos jovens qualificados resolve-se apenas desta forma. Não há outra hipótese. A segunda parte desta primeira medida tem a ver com o aumento das pensões. É preciso ter noção que o maior grupo entre os pobres são os trabalhadores e o segundo maior é o dos reformados (…). Esses rendimentos serão depois repercutidos na pobreza infantil que é bastante alta em Portugal e especificamente nos Açores”, garante.
Já relativamente à segunda grande medida, o sociólogo entende que deve ser dada uma atenção específica ao que denomina de “públicos raros”. Apesar de não serem um número muito elevado dentro da dimensão total da população, Fernando Diogo dá, neste particular, especial ênfase às famílias monoparentais, “que na sua grande maioria são femininas”, e aos deficientes. Começando pelo primeiro caso, em que “uma em cada três famílias monoparentais se encontra na pobreza”, o também Presidente da Comissão Especializada Permanente dos Sectores Sociais, do Conselho Económico e Social dos Açores (CESA), entende ser fundamental o Estado proporcionar condições para que estes possam conciliar a vida familiar e o trabalho.
“Por exemplo, as medidas que estão inscritas no PRR, e que o Governo tem vindo a anunciar, já vinham do Governo passado, de aumento das vagas em creche de uma forma geral e para as pessoas mais vulneráveis em particular. Este aumento é muito importante porque joga em vários tabuleiros; por um lado facilita a vida às pessoas e, por outro, permite às pessoas equacionarem ter crianças num contexto onde existem poucas”, refere.
Para além disso, continua o sociólogo, esta medida possibilita igualmente às crianças mais pobres “aprender aquilo que não conseguem em casa porque os pais, infelizmente, não têm essas competências”.
“Está provado que quanto mais cedo as crianças forem integradas neste sistema paraescolar melhor serão os seus resultados escolares, mais tarde e mais duradouro será também esse efeito ao longo de toda a sua vida profissional. Portanto, maior é a probabilidade de deixarem a pobreza”, enfatiza.
Fernando Diogo entende que a implementação destas medidas relacionadas com o aumento de rendimentos é uma questão “de pura vontade política porque recursos existem”.
“É preciso vontade política de alterar, e não precisa de ser radicalmente, a relação entre rendimento do trabalho e rendimento do capital. Enquanto as coisas se mantiverem desta forma, a pobreza persistirá e, mais do que isso, a população continuará a envelhecer, os jovens qualificados vão continuar a emigrar e vão continuar a ser substituídos por emigrantes desqualificados (…). Só há esta solução, não há outra possibilidade. Isto não é uma questão especificamente portuguesa e perpassa a Europa e os EUA”, salienta.

“Pressão do turismo sobre a habitação é realidade incontornável”
Relativamente à problemática da habitação, o professor da academia açoriana  não tem dúvidas de que esta se encontra, na região, “claramente condicionada pelo impacto do turismo”.
“Tem tido um impacto positivo na construção e reparação de casas no sentido de se recuperarem muitas casas que estavam muito degradadas mas, ao mesmo tempo, tem retirado casas do mercado sobretudo para alojamento local (…).Ainda recentemente uma aluna confidenciou-me a sua dificuldade em arrendar um quarto para poder estudar na Universidade”, alerta.
Fernando Diogo defende, por isso, que deve ser encetada uma maior aposta na habitação social.
“Não conheço dados específicos da região, mas Portugal é um país onde a habitação social tem um valor muito baixo no contexto europeu. Os Açores têm tido, já desde o tempo do Dr. Mota Amaral, uma politica de acesso à habitação através de custos controlados que me parecer ter de ser claramente reforçada. Há verbas no PRR para isto, o dinheiro tem sido gasto mas não sei se será o suficiente para o problema que estamos a viver neste momento”, questiona.
O sociólogo alerta para a “turistificação” e para o “lado negro” desta actividade económica nos Açores.
“Esta pressão do turismo sobre a habitação é uma realidade incontornável. Não sei se será a única causa, mas o certo é que ela existe e, em São Miguel, a ilha que conheço melhor, tem-se vindo a assistir a um aumento significativo do número de habitações para o alojamento local e novas construções para apart-hoteis”, afirma, antes de salientar que este fenómeno “transcende muito a taxa de pobreza e pressiona imenso as famílias, em particular os mais jovens”.   
Ainda neste particular, o investigador reforça que o problema da habitação “condiciona claramente as escolhas dos jovens. Ajuda a formar decisões de emigração, faz adiar processos de constituição de família e sobretudo de nascimento de filhos”.

 Luís Lobão *

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Autor: CA

Categorias: Regional

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