Presidente da Junta de Freguesia da Ajuda da Bretanha, José Farias

Centro de Saúde dos Remédios esteve de férias um mês e as águas do cemitério da Ajuda escorrem para a freguesia


 Que retrato nos pode fazer da Ajuda da Bretanha nesta altura do ano?
José Farias (Presidente da Junta de Freguesia da Ajuda da Bretanha) - Passaram praticamente dois anos desde que o nosso Executivo tomou posse. Havia, e há, um trabalho de fundo a realizar. Temos uma perspectiva ideológica diferente dos executivos anteriores, deparamo-nos com um conjunto de circunstâncias que também não ajudou. O facto de termos tomado posse em plena pandemia afectou um pouco o nosso trabalho devido às condições financeiras e económicas. Tal como os executivos anteriores, continuamos a ter um conjunto de dificuldades de acessibilidade e comunicação com as entidades de forma a salvaguardar as necessidades da nossa população. Há questões que gostaríamos de ver resolvidas e há uma grande dificuldade das entidades governamentais e municipais em perceber algumas matérias. Compreendo que não fossem possíveis algumas coisas, mas há outras que não consigo perceber. Não compreendemos também, - mas isso é uma questão transversal a todas as juntas -, que o legislador coloque sobre os executivos das juntas uma transferência de competências alargadíssima, (são cada vez mais), mas não salvaguarda as condições financeiras para colocar em prática essas competências. Vão haver envelopes financeiros diferentes, consoante o número de habitantes de uma freguesia, o que compreendemos, mas as competências são literalmente iguais. Enquanto uns têm capacidade para ter um grupo de funcionários, seja através de uma secretaria por exemplo, que lhes permita trabalhar questões logísticas e de recursos humanos na aplicação e implementação das políticas que eles próprios defenderam nos seus manifestos, o Presidente de Junta de uma freguesia mais pequena faz o trabalho dessa gente toda. Portanto, não tem a disponibilidade para o desenvolvimento e aplicação de algumas das propostas que fez, porque está a executar trabalho de secretaria que outros presidentes de Junta não têm. Este foi um dos maiores choques que tive ao entrar para o Executivo.
Obviamente, há um conjunto de obras e equipamentos que são desejados mas que não foi possível concretizar. Tivemos que implementar um conjunto de procedimentos e políticas de gestão de normas internas, regimentos, regulamentos e afins que não tinham sido criados. Há um conjunto de entidades de que gostávamos de estar mais próximos, mas não temos recursos para tal. Sobrevivemos como se costuma dizer de mão estendida quase a pedir por favor para realizar algumas coisas. Temos questões que, a meu ver, não são da competência do Presidente da Junta como, por exemplo, registar um animal que é abatido.
Retirou-se dos governos regional e nacional o peso da gestão de certas matérias e colocou-se naqueles que estão mais perto da população, que deviam porque têm conhecimento de causa estar a resolver outras questões, mas que têm que estar a resolver essas situações. Não faço um balanço totalmente positivo, porque não conseguimos ainda fazer tudo o que desejamos, mas também não é totalmente negativo porque já estamos avançando em algumas das questões que achamos essenciais para satisfazer as necessidades da população como um todo.

A população da freguesia aumenta de forma significativa no Verão?
Há uma parte de população que regressa no Verão. Acima de tudo, os nossos emigrantes regressam nessa altura, e muitas vezes recuperam as suas casas para virem para cá depois da reforma. Temos também, na altura das festas da paróquia, o regresso das pessoas que se foram afastando por diversas razões. Por isso, vemos um aumento de pessoas no Verão.

Ajuda precisa de estruturas
para o turismo

Qual é a abordagem que faz a Junta de Freguesia ao turismo na Ajuda?
Estamos dependentes de apoios, sejam eles regionais, nacionais ou europeus, de forma a desenvolver estruturas que nos possam garantir condições mínimas para que haja uma maior afluência de turistas. Isto passa pela salvaguarda, recuperação e manutenção de equipamentos, locais ou imóveis associados às nossas tradições, nomeadamente o nosso porto e a nossa casa da baleia, garantirmos o funcionamento a tempo inteiro dos moinhos de vento ou recuperação dos locais onde as pessoas possam merendar. Estamos a tentar criar condições para que as pessoas ir em maior número à Ajuda da Bretanha ver as nossas particularidades, ver o que nos distingue e o que temos de diferente, não só da Ajuda mas de toda a costa norte.

Como o turismo pode contribuir para o desenvolvimento da Ajuda da Bretanha?
Salvaguardando postos de trabalho, por exemplo. Tem surgido um conjunto de empresários em nome individual na nossa zona e esperemos que haja mais. Não podemos descurar que o turismo deverá ser desenvolvido de forma a ser um sector económico de futuro.

Quais são os principais pontos turísticos da Freguesia da Ajuda da Bretanha?
Casa e porto da baleia. Temos o moinho e a vigia da baleia. A Ajuda da Bretanha tem, praticamente, um fontenário em todas as ruas que já vêm desde o século XIX e temos também as nossas pias onde antigamente se lavava a roupa. Outro factor essencial de distinção da nossa zona é o nosso património imaterial, nomeadamente, as nossas tradições. A Igreja Matriz da Bretanha, que tem uma história muito antiga, que data do século XV, também pode ser um ponto turístico importante.

Quais são os eventos culturais mais importantes realizados na freguesia?
Um dos eventos fundamentais é as festas do Espírito Santo. Começando o ano, temos uma grande festa em honra de Santo Antão, que é comum às outras freguesias da Bretanha, onde realizamos um jantar característico. Este ano também foi retomado, e pretendemos continuar, a nossa festa dos Paços.  As nossas festas do Espírito Santo e as nossas mordomias que são bastantes fortes. São das mais importantes de São Miguel em termos de dimensão, quer no conjunto de população que nos procura, quer na manutenção das características do passado, quer no volume de gado e de pão e de vinho que se consome e se dá, já que há também uma vertente solidária.
Temos também as festas da Nossa Senhora da Ajuda, que tem data fixa a 15 de Agosto. E temos, obviamente, a festa do milho que é sempre posterior às festas paroquiais e na altura de colheitas. São esses os grandes eventos que aproximam as pessoas, tirando claro aqueles grandes eventos que já existem como o Natal e a Páscoa.  

Como a Junta de Freguesia incentiva a participação da comunidade nessas actividades?
Essas festas praticamente todas são da iniciativa da paróquia. Tirando a festa do milho, todas as outras festas são ligadas à religião. Não podemos dissociar o nosso povo - independentemente da junta e do estado ser laico - da religião católica. Um dos factores que consideramos essenciais para incentivar essa participação é a convocação e a solicitação das entidades a participarem activamente na realização das festas, ou seja, não colocar sobre nós próprios o peso da realização, da logística e dos recursos humanos na feitura das próprias festas, mas colocar sobre as entidades que nos rodeiam um papel activo, uma participação activa na festa. Dá um sentimento de pertença e de identidade. Este é um factor essencial que não só se preserva no tempo mas que tenha simbolismo e que comece a fazer parte das pessoas.

Uma freguesia pequena com
pequenos grandes problemas

Quais são os principais dificuldades enfrentados pela freguesia da Ajuda da Bretanha actualmente e o que pode ser feito para se alterar isso?
Entendo que devia haver um debate sério, na sociedade portuguesa, sobre o poder autárquico local, sobre o estatuto do autarca local, sobre a legislação das autarquias locais, neste caso das juntas de freguesia, para que se percebesse melhor as particularidades do nosso território. Obviamente eu percebo que o legislador não possa estar em todo o local e as leis não possam ser feitas para especificidades. As leis têm que ser abrangentes, mas às vezes a questão da igualdade dificulta a execução e o papel essencial que é atribuído ao autarca local e às juntas de freguesia porque nos impede de tratar as coisas com equidade. Quem tem as juntas mais pequeninas sente mais isso. As problemáticas podem não ser em número igual às juntas grandes, mas em complexidade de resolução são, muitas vezes, precisamente iguais e às vezes são ainda de mais difícil resolução por falta de meios sejam eles financeiros, humanos ou logísticos. Até na realização de eventos, não tendo os meios, nós temos sempre que estar a solicitar para que isso possa acontecer. Portanto, entendo que devia haver um tempo e uma comissão onde se devia discutir, claramente, sem sombra de dúvidas, o estatuto do autarca local, nomeadamente, questões ligadas à sua relação com o trabalho, à sua compensação e garantia de disponibilidade sem prejuízo, que a lei já o determina, mas não é tão assim.
Sentimo-nos, às vezes, prejudicados por, por exemplo, não termos a disponibilidade que gostaríamos de ter. Não conseguimos, como pretendíamos, apoiar com a proximidade desejada as nossas populações. O facto de, repetidamente, ao longo dos anos, se apoiarem as freguesias maiores em detrimento das menores, faz criar uma sensação de que há cidadãos de primeira e outros de segunda. Não estou a dizer que isto acontece mas é a impressão que fica nas pessoas e nós temos que conseguir explicar e conseguir transmitir a informação às pessoas para que elas percebam o porquê das coisas acontecerem de determinada maneira.

Que projectos a Junta de Freguesia da Ajuda da Bretanha tem em andamento para melhorar a qualidade de vida dos residentes?
Estamos a reparar um acesso essencial em caso de catástrofe. Garantir que todas as vias de circulação na freguesia estejam devidamente recuperadas. Infelizmente, ainda temos pessoas a viver em ruas de terra batida na Ajuda da Bretanha. Portanto, não podemos garantir uma qualidade de vida a pessoas que fazem as suas actividades diárias.
Temos que melhorar as condições do nosso cemitério que tem problemáticas graves de águas pluviais que inundam o cemitério e vão para a via pública. Não conseguimos garantir que as pessoas tenham uma melhor qualidade de vida, ainda por cima numa zona de uma população mais envelhecida e com défice demográfico bastante grande, senão conseguirmos manter o nosso centro de saúde nos Remédios aberto todo o ano. O centro de saúde dos Remédios que é de uma população bastante envelhecida e com necessidade bastante grande de cuidados de saúde primários esteve fechado para férias. Isto é inconcebível e surreal. A nossa forma de conseguir gerir melhor os cuidados de saúde das nossas populações é trabalhando as questões da prevenção e dos cuidados primários de saúde. Salvaguardar essas questões é salvaguardar problemas de futuro, senão tivermos meios para garantir isso, não podemos ir lá. E, depois, obviamente que nos faz falta um equipamento que nos permita a realização de eventos. Neste momento, qualquer evento de maior monta que se possa realizar na Ajuda da Bretanha obriga, necessariamente, a uma solicitação e pagamentos de grandes tendas. Isto porque não temos um local que permita aos escuteiros, ao centro social e paroquial, à Comissão de Igreja, à Casa do Povo e à Junta de Freguesia, a realização de um grande evento.
Não posso dissociar a questão da melhoria dos transportes colectivos públicos de passageiros, porque não temos transportes públicos a partir de certa hora. Isso dificulta, nomeadamente, o crescimento do turismo e a obtenção de empregos, nesta área por parte dos jovens. Porque ou têm o seu carro ou têm que sair da Ajuda porque não havendo transportes a partir das 20H00, quem for trabalhar por turnos para a cidade de Ponta Delgada não pode utilizar esses transportes. O segundo factor essencial é a necessidade de garantir que os nossos jovens casais que queiram ficar tenham capacidade de garantir habitação na sua terra; que querendo constituir família tenham acesso a ATL, creches ou escolas próximo das suas zonas. Nunca se vai conseguir garantir a melhoria de qualidade de vida da nossa população senão tiverem salvaguardado todos estes serviços e todas essas necessidades locais da nossa freguesia.

Como a Junta de Freguesia incentiva a participação dos cidadãos nas decisões e processos de tomada de decisão?
As nossas decisões são todas comunicadas e aprovadas em assembleia de freguesia. Há uma publicação para que todo o cidadão possa estar presente nas nossas assembleias de freguesia. Nos meios pequenos é mais difícil, mas já tivemos cidadãos a assistir e a participar activamente nas assembleias. Também estamos sempre em contacto com as forças vivas da freguesia, prestamos apoio e comunicação permanentes com o centro social e paroquial. Temos um contacto permanente com a Casa do Povo, temos também contacto permanente com a Comissão da Igreja, e o pároco é também uma fonte de apoio permanente. Este contacto permanente com as forças vivas e entidades locais  colocam um peso mais democrático sobre a decisão, pois estas entidades são o coração e o pulsar do povo.

Quais são as principais prioridades de desenvolvimento nos próximos anos?
Acima de tudo, garantir que conseguimos ter as vias asseguradas e reparadas. Garantir que temos os nossos espaços de mais valor, quer paisagístico quer cultural, recuperados. Garantir que temos o nosso cemitério arranjado e garantir que temos um equipamento que se traduza numa valência necessária a todas as forças vivas da nossa freguesia. Essas são as questões imediatas, tudo o restante é por nossa solicitação, é por nossa insistência, é por nossa comunicação porque não depende directamente de nós. Questões dos transportes públicos, ATLs, creches e cuidados de saúde não dependem obviamente de nós, mas cá estaremos para lutar para que eles sejam, no mínimo, reforçados, reparados, mantidos ou estimulados a uma maior e melhor taxa de eficácia tendo em conta as necessidades que a nossa população tem.

Frederico Figueiredo

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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