Em São Roque, na Rua Direita da Igreja, um novo bar chama a atenção de quem passa, com o seu mural colorido, assinado pela artista Júlia Mattos. Trata-se do Terra Fogo, um bar/taberna, situado no mesmo espaço onde foi a casa de chá Pés Verdes. É um estabelecimento que se abre à comunidade, local ou estrangeira, aos artistas e aos artesãos, e que oferece comida vegana, feita com produtos locais e frescos, música, e um peculiar jardim num segundo nível, um oásis onde as plantas vivem em consociação.
Rita Ribeiro e Miguel Cipriano, que sempre trabalharam na restauração, remodelaram o espaço durante quatro meses “intensos”, e abriram as portas do Terra Fogo a 23 de Agosto. “Estivemos imersos aqui no Terra Fogo a construir e a transformar isto num lugar agradável para a nossa estética e para a nossa ética e também para que as pessoas cheguem e se sintam em casa”, conta Rita. “Queríamos um espaço para fazer algo juntos, para termos um projecto os dois, cá nos Açores”. “E sempre tivemos este gosto de receber pessoas,” prossegue o sócio. Assim, as cores e madeiras escuras típicas de taberna, deram lugar a um espaço colorido e bem iluminado, onde se destaca o branco e o verde, os elementos naturais, o artesanato e a arte. Para seguir a ética ecológica, alguma mobília, como as mesas e cadeiras, são recicladas, e ganharam uma nova vida e utilidade na Rua Direita da Igreja.
O Terra Fogo apresenta-se como “taberna com consciência”, com respeito pelo meio ambiente e aberto à comunidade e aos artistas locais. “O nosso slogan é “uma taberna com consciência”, porque é uma taberna, serve álcool, petiscos e é o que fazemos aqui. Tem o lado da comida sazonal, vegana, saudável, saborosa, e também do mundo, porque a Rita tem muito conhecimento de comida do mundo, esteve na Tailândia, no Brasil, e em vários sítios, e ela trouxe também a cozinha destes sítios onde esteve, mas também temos bebidas,” justifica Miguel; “temos uma consciência e uma preocupação com o mundo e com as pessoas à nossa volta. Uma preocupação com o espaço que ocupamos na terra”.
Do ponto de vista de Rita, “Os Açores são tão vendidos como um destino sustentável, mas a verdade é que não se vê assim tantas iniciativas preocupadas com esse lado. É importante. Para ser sustentável e ecológico, é preciso procurarmos o que é nosso e o que a nossa terra nos dá. A verdade é que esta terra nos dá tudo. Se não dá mais é porque não há iniciativas para que se plante certas coisas.”
Miguel revela que o Terra Fogo quer ter um projecto de desperdício zero, “em que tudo se reutiliza, fazer compostagem com as cascas, desidratar as frutas e cascas para suar nos cocktails, fazer noodles com restos de legumes, e.t.c. A ideia é caminhar para o desperdício zero.”
Também por quem passa à frente do novo espaço não fica indiferente quando encontra um jardim no terraço. Uma antiga pedreira e alguns metros de terra criaram um jardim, um verdadeiro “pulmão” no meio de São Roque, que faz parte da oferta do Terra Fogo e que se afirma como um dos pontos fortes deste novo bar. “É muito aprazível, é como um oásis,” considera Miguel, sendo que Rita observa que “qualquer pessoa que entre aqui custa a sair”.
No jardim há ervas aromáticas, usadas na cozinha do bar, plantas endémicas, um cactário, suculentas, e muitas outras espécies de plantas e flores tais como camélias, árvores como a videira. Todas as plantas misturam-se num ecossistema e estão em consociação, protegendo-se umas às outras. Por sua vez, flores silvestres ajudam a atrair mais polinizadores. “É a tal preocupação ecológica”, refere o sócio.
Comida com “consciência” feita
com produtos locais e frescos
Ali pode encontrar-se comida vegana e sumos, tudo confeccionado com o máximo de “produtos locais, de pequenos produtores que há aqui à volta do que se produz sazonalmente. Por isso vamos ter uma ementa rotativa. O que tivermos de mais fresco, os produtos da época, é o que vamos usar,” explica Miguel sobre a cozinha. Por esse motivo não há uma ementa de refeições nem de sumos, porque tudo é feito no próprio dia, com frutas e vegetais frescas e produzidos biologicamente.
Para além de bebidas alcoólicas, cocktails e sumos naturais, também pode encontrar-se outras bebidas caseiras, como tepaches, fermentados naturais e kombucha, um fermentado caseiro feito com chá preto ou chá verde. Há ainda cerveja local, café biológico e os refrigerantes disponíveis são apenas os produzidos em São Miguel e que dispensam apresentações. Todos os dias há também uma água aromatizada que é oferecida a todos os que entrem no bar.
Neste momento, o Terra Fogo está aberto Sexta-feira e Sábado das 12h00 às 24h00, e de Domingo a Terça-feira das 12h00 às 22h00 e encerra às Quartas e Quintas. Neste primeiro mês, houve uma aposta nos menus de almoço, durante os dias da semana, mas os sócios contam que com a chegada do Inverno, os almoços deverão tornar-se em jantares, abrindo o bar mais tarde.
Até agora, o feedback e a afluência têm sido extremamente positivos: “Estamos a ter uma boa resposta do público. As pessoas têm vindo e gostado, e voltam. Temos tido óptimas críticas na internet. E a ideia é ir melhorando à medida que vamos crescendo,” de acordo com a sócia. A cozinha do Terra Fogo tem atraído muitos jovens, que mesmo não sendo veganos, são já clientes regulares. “Vejo muita malta nova que vem cá regularmente beber o seu sumo e comer as comidas vegetarianas, uma coisa que há 20 anos era impensável,” nota Miguel.
Um bar que quer fazer “fluir a cultura”
No Terra Fogo há também o objectivo de promover a cultura, os artistas e artesãos locais que queiram expor os seus trabalhos ou propor projectos que pretendam desenvolver.
O espaço conta com expositores que serão dedicados a trabalhos de vários artistas diferentes. No Inverno haverá um foco nas exposições de pequeno e médio formato de artes gráfica, revelam os sócios e também nessa estação, a ideia é apostar em jantares intimistas com eventos, como noites de cinema, poesia, apresentações de livros, pequenos concertos acústicos e semi-acústicos.
Como Miguel explica, “isto é um snack-bar com vontade de fazer fluir a cultura”, um lugar onde os artistas e artesãos locais têm espaço para partilhar a sua arte. Em poucas palavras, Rita explica que o Terra Fogo pretende ser “um espaço em que as pessoas encontrem a harmonia com esta natureza, que possam desfrutar de um momento de lazer com os amigos e possam vir experimentar comidas veganas, e perceber que esta comida também pode ser saborosa. Um lugar onde as pessoas possam vir disfrutar de cultura, de arte. Um espaço quase associativo.”
Trânsito na Rua Direita da Igreja
é problema
Apesar de o negócio estar a correr bem, Miguel e Rita, que já viveram naquela rua e conhecem a situação de perto, não podem deixar de lamentar o problema da Rua Direita da Igreja que se estende há muito tempo e do qual turistas e moradores se queixam: “Nesta rua aqui, devia fazer-se alguma coisa. Os carros passam a uma velocidade incrível e isto é uma zona de coexistência por onde passam famílias que vão para a praia, mora muita gente aqui, e há muitos anos que se devia fazer aqui alguma coisa. Já muitos moradores foram atropelados aqui. Não há segurança nenhuma” expõem. “Para além da poluição sonora, e do perigo que são estes veículos passarem a estas velocidades… A Secretaria dos Transportes devia por a mão nisso. O Presidente da Junta diz que é responsabilidade da Câmara. A Câmara diz que é da Secretaria. Um empurra para o outro e nunca se faz nada aqui. As pessoas continuam a viver neste caos com os carros à frente, a poluição. As pessoas queixam-se, os turistas, os vizinhos. Há anos que toda a gente se queixa e ninguém faz nada,” expõe Miguel. De acordo com os sócios, o problema impacta muito a comunidade e, consequentemente, o seu negócio: “O nosso espaço é aqui, mas é um espaço que se estende à comunidade e ao espaço envolvente e se os outros à minha volta não estão bem, vou ter de fazer alguma coisa. É realmente uma situação que não faz sentido nenhum, que incomoda toda a gente e que debilita a comunidade aqui à volta.”
Mariana Rovoredo