Sessão de divulgação da campanha SOS Cagarro realiza-se hoje na Universidade dos Açores

75% da população mundial dos cagarros utiliza os Açores como local de nidificação

Correio dos Açores – O que nos pode adiantar sobre a sessão de divulgação da Campanha SOS Cagarro que se realiza hoje na Universidade dos Açores?
Azucena de la Cruz (Coordenadora da SPEA Açores) – Esta iniciativa é uma parceria entre a SPEA, a Universidade dos Açores e a Associação Amigos do Calhau, e tem como objectivo transmitir aos alunos da Universidade dos Açores, e à comunidade em geral, o que é a Campanha SOS Cagarro, de que forma as pessoas podem colaborar com a iniciativa e com a SPEA. Vamos estar durante toda a campanha a fazer brigadas no porto e na marina de Vila Franca do Campo e precisamos de voluntários para nos acompanhar. Além disso, está é uma oportunidade para os alunos da área de Biologia verem de perto como se fazem estes trabalhos de conservação de uma espécie protegida, como o cagarro.
De um modo geral, a ideia é falar um pouco sobre a campanha, bem como a possibilidade de colaborarem como voluntários e, ao mesmo tempo, contribuírem para a sua formação, especialmente os alunos na área da Biologia.  
Nos Açores, por vezes, encontramos uma ave caída a caminho de casa, sem estar necessariamente a fazer uma brigada. Deparamo-nos com cagarros que ficam encandeados e acabam por dar à terra. Na sessão, vamos explicar algumas regras importantes a ter em conta quando encontramos uma ave, assim como dar algumas dicas para recolhê-las em segurança e mantê-las durante a noite.
Aconselhamos ligar para a linha SOS Ambiente, no entanto, caso a linha não consiga dar resposta, explicamos como podemos resgatar e libertar os cagarros em segurança, garantindo que eles chegam ao mar e que todo o processo é feito da melhor maneira para estas aves.

Qual deve ser o procedimento para recolher a ave?
Primeiro, temos que ter a certeza de que nos sentimos à vontade para recolher a ave. Se temos dúvidas, o melhor é ligar a alguém. De seguida, temos que ter uma caixa para guardar a ave. Em todas as ilhas há vários sítios onde se podem ir buscar caixas específicas da campanha que já têm a dimensão certa. Se não conseguirmos encontrar estas caixas, a PSP e os bombeiros também disponibilizam. Tendo a caixa preparada, cobrimos a ave com uma toalha ou outra peça de roupa, tentando cobrir a cabeça para que o animal fique mais calmo. Depois de recolhermos a ave, colocamo-la dentro da caixa. Quanto menos manipulação melhor, além de que é mais seguro para a ave e para nós. Stressamos menos a ave.
O passo seguinte é ligar para a linha SOS Ambiente, para ver se os vigilantes da natureza ou outra entidade podem recolher a ave, ou se podem indicar algum ponto de recolha. Haverá, em todas as ilhas, locais onde as pessoas podem deixar as aves.

Qual é a importância do cagarro para o ecossistema dos Açores?
Por um lado, são importantes para conhecermos o estado dos ecossistemas marinhos. As aves marinhas são sentinelas do bom estado dos oceanos. Ou seja, o bom estado das aves marinhas diz-nos que temos um oceano saudável. Elas são um predador de topo nos ecossistemas marinhos, alimentando-se de peixes, lulas e outros.
Por outro lado, são espécies que utilizam as ilhas dos Açores para nidificar. No caso do cagarro, praticamente 75% da população mundial desta ave utiliza os Açores como local de nidificação. Há muitas aves a nidificar nos Açores, por isso é que temos tantas quedas durante a campanha.
O sucesso reprodutor da espécie é, em parte, da nossa responsabilidade. (…) Esta campanha é muito importante para o sucesso reprodutivo da espécie, destes juvenis que pela primeira vez estão a voar fora do ninho.  

Quais são os principais desafios que os cagarros enfrentam durante a sua migração?
Os cagarros enfrentam vários desafios, tanto em terra como no mar. No mar, têm alguns problemas em algumas zonas, desde logo o bycatch (captura acidental por artes de pesca) e também, cada vez mais, têm muitos problemas por causa do lixo marinho.
Muitas destas aves por vezes enganam-se e alimentam-se de lixo. Temos estudos que dizem que os próprios juvenis, que nunca saíram do ninho, já têm plástico no organismo. Aliás, toda a poluição marinha, especialmente a poluição devido aos plásticos que chegam ao mar, causa problemas porque as aves acabam por se alimentar de alguns destes plásticos, o que lhes causa problemas de saúde.
Em terra, a poluição luminosa é a principal causa humana. Os cagarros têm os olhos adaptados para uma determinada visão. Apesar de não estar ainda muito claro, existe a possibilidade de eles se orientarem pela lua e pelas estrelas. O que acontece é que os cagarros são atraídos por luzes muito fortes, quando abandonam o ninho pela primeira vez e começam nos primeiros voos. São aves inexperientes a voar e ficam encandeadas, atraídas por luzes muito fortes, o que faz com que possam cair. Quando caem em terra, é muito difícil para estas aves, que estão totalmente adaptadas para viver em alto-mar, conseguirem levantar voo novamente. Por isso, é importante conseguirmos recolhê-las e libertá-las perto do mar, para que consigam continuar a sua viagem.  
Além da poluição luminosa, a predação é outra ameaça muito importante. Há gatos e ratos que vão aos ninhos e alimentam-se principalmente das crias. Este aspecto também pode causar alguma mortalidade em zonas de nidificação destas aves.
 
Além dos resgates, o podem fazer as pessoas para ajudar a proteger os cagarros e reduzir os riscos durante a sua migração?
Além dos resgastes durante a campanha, é de extrema importância que as pessoas, sobretudo as que vivem na costa, reduzam a iluminação exterior, especialmente entre 15 de Outubro e 15 de Novembro. Idealmente, devia-se reduzir durante todo o ano, mas falamos neste período em específico por ser a altura em que os juvenis estão a sair e podem ficar encadeados. Desligar uma luz exterior, que temos nas portas e nos quintais, pode ser uma grande ajuda. Apenas com este gesto podemos evitar que uma ave caia, que possa ser predada ou ter um acidente.
Vai haver sempre algumas aves que vão cair, porque não deixam de ser juvenis inexperientes, mas podemos ajudá-los, acolhendo-os e libertando-os perto do mar.
Outro aspecto muito importante, para tomar decisões políticas e contribuir para melhorar a conservação destas espécies, assenta em indicar e registar onde encontramos as aves caídas. Existe na página do Governo Regional, do SOS Cagarro, um formulário que as pessoas podem preencher. É importante sabermos onde há maior incidência de quedas de cagarros, para proteger a espécie.
Em alto-mar podemos reduzir o lixo que vai parar ao oceano. Muitas vezes, aquele papel que deitamos ao chão vai parar ao mar e isso é alimento das espécies que lá vivem. Há sempre comportamentos que podemos mudar e que vão ajudar estas espécies.

De que forma a Campanha SOS Cagarro contribui para a preservação dessas aves?
Já há alguns anos que a campanha não se centra apenas no ‘resgate um cagarro’, mas é também ‘desligue uma luz’. Esta campanha tem o objectivo de sensibilizar as pessoas acerca da importância de desligarem as luzes exteriores, entre 15 de Outubro e 15 de Novembro, altura em que os cagarros juvenis, aves inexperientes que não sabem voar muito bem, estão a sair dos ninhos, para reduzir as quedas. É igualmente importante, nos casos em que estas aves caiam, por algum motivo, em zonas que não consigam sair, a comunidade ajudar, recolhendo a ave e libertando-a perto do mar, para aumentar as oportunidades que tem de sobreviver.
Esta é uma das campanhas de voluntariado mais antigas de Portugal. É um orgulho para a Região ter uma campanha que já decorre desde 1995 para observação de uma espécie.  
 O envolvimento da Universidade dos Açores e da Associação Amigos do Calhau na campanha é fundamental? Como essa colaboração está a ajudar a alcançar os objectivos da campanha?
A campanha é gerida pelo Governo Regional, à qual a SPEA se associa. Esta é uma campanha de voluntariado ambiental, por isso todas as pessoas e associações são muito bem-vindas e necessárias para conseguirmos atingir, nas nove ilhas do arquipélago, o máximo de locais possíveis, de modo a conseguirmos identificar os sítios onde as aves estão a cair, para podermos resgatá-las. A Associação Amigos do Calhau contribui há anos para a campanha SOS Cagarro, fazendo algumas brigadas e resgatando algumas aves. A Universidade dos Açores associa-se este ano com maior intensidade, promovendo logo no início da campanha esta acção de sensibilização na academia, para que os alunos saibam que podem colaborar com esta iniciativa.

Qual é a visão a longo prazo para a conservação do cagarro nos Açores? Quais são os próximos passos planeados?
Uma questão extremamente importante passa por voltar a fazer um censo global da espécie, isto é, por sabermos exactamente quantos cagarros temos nos Açores. Os últimos dados já têm alguns anos. Era importante termos essa informação e continuarmos a fazer este apelo a toda a comunidade, a participar e a pensar nestas campanhas não apenas como resgatar as aves, mas também em desligar luzes durante esta época, de forma a garantir que estas aves chegam ao mar sem acidentes.
Além disso, trabalharmos nas áreas onde estas aves nidificam, não só o cagarro, mas todas as outras aves marinhas que são menos conhecidas e também nidificam nos Açores, pelo que precisam de mais protecção. No fundo, proteger as áreas de nidificação e ter alguma atenção aos predadores, para garantirmos que os Açores sejam o local seguro para todas as espécies de aves marinhas se conseguirem reproduzir.  

Carlota Pimentel

 

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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