Físico açoriano premiado propõe em Bruxelas políticas de contratação de investigadores e criação de Feira de Ciência dos Açores para atrair e reter talentos

Correio dos Açores - Participou nesta edição da Semana Europeia das Regiões e das Cidades, em Bruxelas. Que assuntos foram abordados este ano?
Cláudio Gomes (físico e investigador premiado) – Foi extremamente interessante. Estiveram diversos eventos a decorrer, sobre políticas de coesão, sobre a importância das regiões e das cidades como agentes mobilizadores para um plano europeu de alavancagem social e económica. Também ligada às transições digitais verdes da economia. Foi um evento muito enriquecedor com diversas sessões ligadas a diversos temas, alguns dos quais ligados essencialmente à retenção e à atracção de recursos humanos qualificados para desenvolver as próprias localidades.
De facto, um dos problemas gritantes, e que foi identificado pela Comissão Europeia, tem que ver com as regiões que enfrentam, actualmente, as perdas de talento e estão, no fundo, em zonas chamadas de “armadilha”, que dificultam muito o desenvolvimento económico. Por exemplo, em algumas regiões temos os problemas bem conhecidos do envelhecimento da população e em concomitância com a saída das pessoas mais novas e com boa formação, que vão encontrar melhores condições de vida noutros locais, embora seja um processo naturalíssimo as pessoas poderem e terem o direito de decidir onde querem fazer a sua vida, onde se sentem mais realizadas. É muito natural. Bom seria se houvesse um equilíbrio de migração para dentro, no sentido de as pessoas não apenas saírem, mas que houvesse outras interessadas em ir morar para essas regiões.
O que a Comissão Europeia identificou foi que precisamente nestas regiões há o brain-drain, ou “fuga de talentos”, numa tradução livre. A Europa, e a União Europeia em particular, tem muitas regiões com níveis gravíssimos de fuga de talentos.

Qual o ponto de situação deste problema da “fuga de talentos” nos Açores?
Os Açores, apesar de não estarem identificados como uma das regiões mais problemáticas – porque infelizmente há regiões muito piores – a nossa Região também tem assistido a uma perda populacional, a um envelhecimento progressivo. A balança entre a população que vem residir nos Açores e a que sai não está equilibrada, de forma alguma. Poderia haver um desequilíbrio no sentido de haver mais procura para vir residir nos Açores do que sair, mas é precisamente a situação inversa que temos vindo a assistir, principalmente nas ilhas mais pequenas e com maiores problemas demográficos têm assistido a êxodos populacionais para outras ilhas maiores, ou para fora.
Este foi um dos temas que eu levei numa das sessões de alto nível, em que participei, o “Diálogo com os Cidadãos.”

Foi um dos oito cidadãos europeus seleccionados para a sessão de alto nível intitulada “Diálogo com os Cidadãos”, com a Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, onde foi debatido o problema da fuga de talentos (“brain drain”) em várias regiões da Europa...
Éramos oito cidadãos europeus de diversas regiões que estiveram a debater com a Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, sobre estes mesmos problemas e o que estas regiões têm assistido. O painel foi muito interessante, porque mostrou quatro pessoas que decidiram residir nas suas regiões e quatro que decidiram emigrar à busca de melhores condições noutros lugares, inclusivamente noutros países.
Deste balanço global, verificou-se que existem problemas comuns aos Açores e a outras regiões ultraperiféricas, ou não, que assistem a esta perda de talentos. Tivemos vários exemplos de regiões que não conseguem reter esse talento porque ou não têm um perfil económico suficientemente forte e com visão estratégica de reter os talentos, ou, então temos regiões que de facto não conseguem reter ou atrair, de todo, o talento.
Da minha parte, no “Diálogo com os Cidadãos”, apontei estes problemas internos que existem nos Açores e que há uma fuga de talentos também para o exterior, não havendo contrapartida, um equilíbrio no sentido de atrair talento de fora da Região para a mesma.

Que propostas apresentou contra o cenário de brain drain a que também assistimos nos Açores?
Coloquei duas possíveis soluções que poderiam mitigar ou até resolver estas situações. A primeira é uma ideia em que já insisto há algum tempo, ao nível, por exemplo, dos orçamentos participativos na Região, que tem que ver com uma “Feira de Ciência dos Açores.” Apesar dos grandes esforços que temos visto ao longo dos anos em matérias de cativar as camadas mais jovens para as áreas de Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática, estas apostas têm sido essencialmente em festas ou festivais de ciência, que são muito interessantes e cativantes para o público, mas acho que uma estrutura complementar, como uma feira de ciência, num estilo norte-americano, em que os jovens de todas escolas podem concorrer com ideias para um concurso, criar protótipos. Podem explicar um fenómeno, ou criar uma ideia nova. Isto é muito interessante para fomentar a criatividade, inovação e o gosto pelas áreas que na região ainda têm muito fraca expressão. Esta seria uma possibilidade para dinamizar e lançar um gosto para estas áreas, para que a região, no futuro, também consiga desenvolver-se tecnologicamente para não termos apenas alguns pilares económicos, que apesar de muito importantes, são precisos mais. Temos de encontrar um equilíbrio e outros sectores que também possam complementar, florescer, e criar um valor acrescentado. Estas áreas tecnológicas têm um valor acrescentado. Mesmo que não seja apenas para consumo interno, mas a nível de exportações.
A segunda solução que apresentei tem que ver com a parte científica. No fundo, sabemos que nos Açores ainda não temos tido políticas científicas ao nível de contratação de investigadores suficientes. Até ao momento, não temos tido este tipo de políticas que seriam muito importantes para dinamizar estas áreas. Precisamos de recursos humanos qualificados que queiram fazer investigação em várias áreas. Temos áreas de excelência a nível nacional e internacional, como a Oceanografia ou a Ecologia, por exemplo, mas há outras áreas que ainda são deficitárias nos Açores, designadamente a Física, a Astronomia, as Engenharias, a Matemática e a Química, por exemplo, e que não têm grande expressão na Região, mas que são fundamentais.
A solução, além de passar por iniciativas próprias dos governos regionais, pode também passar por um mecanismo comum de financiamento entre regiões ultraperiféricas. No fundo, uma linha específica de acção e de financiamento europeu ao qual os governos de cada região podem adicionar orçamento para haver uma política real de contratação de recursos humanos. Aqui a contratação de recursos humanos não se confunda, necessariamente, com efectivação, porque estamos a falar de, pelo menos, dar estabilidade ao corpo de investigação e garantir que as pessoas são contratadas para poderem desenvolver um projecto e não estarem a procurar novos financiamentos, em processos morosos, para o próprio salário. Não podem ser apenas apostas isoladas.
No fundo, nestas regiões ultraperiféricas que normalmente têm problemas estruturais, devido a estarem muito isoladas, criar aqui um dinamismo adicional seria muito importante para uma revitalização destas regiões. No fundo, num trabalho sinergético. Apesar de os Açores terem um mecanismo que teria uma parcela comunitária, e outra alocada pelo Governo Regional, teria que trabalhar em sinergia com outras regiões, porque não podemos esperar que de um dia para o outro se criem equipas gigantescas. Não é isso que acontece. É preciso trabalhar para uma boa gestão dos recursos humanos. É assim que poderíamos almejar o sucesso nestas regiões.
Obviamente que esta é uma leitura própria minha e haverá leituras complementares para o sucesso do desenvolvimento das regiões.

Os Açores poderão reter e atrair talentos com políticas de contratação de investigadores?
Sim. É fundamental que isso aconteça, porque apesar de existirem políticas nacionais de contratação, elas ainda são muito pequenas. Estamos a falar de taxas de aprovação de projectos na ordem dos 8%. São taxas muito baixas e que em regiões mais isoladas, como Açores e Madeira, têm dificuldade acrescida de poderem ter sucesso na aprovação deste tipo de financiamentos. Este tipo de financiamentos tem valores máximos, mas que, como são em consórcios, é no fundo um ‘bolo’ a ser dividido por várias instituições. Havendo poucos recursos humanos, nos Açores, essa fatia é a menor do ‘bolo’, em geral, exceptuando as áreas em que a região já tem uma massa crítica de investigadores. Nas outras áreas, tem uma dificuldade imensa. Parece-me ser naturalíssima uma aposta do Governo Regional, em políticas públicas científicas. Parece-me haver falta de estratégia científica. Em todo o caso, o Governo Regional poderia aumentar a verba dedicada à Ciência, que tem sido bastante diminuta ao longo de vários anos, até hoje. Um pouco mais de orçamento para a Ciência já permite fazer muito mais.
É importante termos os mecanismos para que haja investigação de ponta, de produção científica, que haja visibilidade internacional, porque isto faz com que haja maior captação de talento. Com estes mecanismos, as pessoas podem concorrer para poder permitir dar bolsas de formação, por exemplo a alunos que estão a fazer mestrados e doutoramentos, e também para atrair pessoas de fora. O objectivo é termos uma equipa, ainda que limitada temporalmente, mas é uma equipa que trabalha em prol de uma questão ou conjunto de questões científicas aos quais temos de dar resposta. Depois há todo o papel dos cientistas na sociedade, seja ao nível da transferência de conhecimento, que é muito importante, por isso estas áreas de Astronomia, Física, Engenharias e Matemática, além de terem investigação própria, são fundamentais para o desenvolvimento tecnológico do nosso tecido económico empresarial, que ainda temos de desenvolver. Um bom exemplo são os parques de ciência e tecnologia que têm apostado no desenvolvimento de start-ups. É preciso termos esta ligação entre a ciência fundamental que permite os grandes avanços da sociedade, e a investigação aplicada que tenta solucionar problemas no imediato nas regiões.

Este investimento nestas áreas da ciência traria muitos benefícios para a Região…
Claramente. Precisamos de aumentar muito a produção científica nos Açores, em diversas áreas, isto porque dá uma projecção enorme aos Açores. No fundo é criar uma Marca Açores ‘científica’, se quisermos. Esta projecção científica é fundamental para não só captar financiamento adicional, como para trazer pessoas com formação superior muito interessante para a Região e terem ideias adicionais. Além disso, trata-se de cumprirmos os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.
O trabalho dos cientistas é importantíssimo porque eles estão em cima dos acontecimentos nas mudanças de paradigma, nos novos conhecimentos, nas novas respostas e teorias e modelos vigentes. É nesta sinergia entre os vários autores que conseguimos desenvolver, cativar. Ao criarmos uma marca científica, depois temos mais alunos a quererem enveredar pelo ensino superior. Precisamos de aumentar os quadros com formação superior para trazerem um conjunto de competências, não apenas conhecimento, que são adquiridas com formação superior e que trazendo para a região permitem desenvolver muito mais.
Não podemos ter uma Região com apenas empresas estrangeiras e virem para cá. O investimento externo é fundamental, mas seria muito interessante termos também a possibilidade de haver start-ups regionais. É preciso termos pessoas com capacidade crítica para termos novas gerações que sejam cada vez mais capazes e que sejam conscientes e críticas das decisões que tomam.

Sempre tendo em conta a sustentabilidade?
Não podemos descurar de forma alguma. Temos um problema grave que tem que ver com as alterações climáticas. A partir do momento que passamos do período do holoceno para o antropoceno, desvirtuamos todo o ecossistema e o sistema terrestre. Nos temos que o acautelar. Não só para as nossas gerações. Não podemos continuar a empurrar os problemas para o futuro. Nós somos agentes fundamentais na mudança do paradigma. Esta mudança de paradigma tem que ser para mantermos o ambiente com as condições mínimas para a sobrevivência humana. A Terra sobrevive, mesmo que sofra alterações e que a espécie humana seja extinta. Será reconfigurada como já houve outras reconfigurações, como na época dos dinossauros e anteriores. A questão que devemos colocar é: queremos continuar a existir enquanto espécie humana ou não? Quer seja a exploração espacial, quer seja exploração dos oceanos, da terra, das florestas, dos recursos minerais, entre outros, tem de ter acautelada a sustentabilidade para mantermos a nossa sobrevivência. Temos de ter esta responsabilidade ética e cósmica.


Mariana Rovoredo

 

 

Print
Autor: CA

Categorias: Regional

Tags:

x