Pedro Almeida, Presidente da Junta de Freguesia

O aparecimento de sem-abrigos na Fajã de Cima é uma realidade nova e uma preocupação para a freguesia

Correio dos Açores - Que retrato nos pode fazer da freguesia de Fajã de Cima, nesta altura do ano?
Pedro Almeida (Presidente Junta de Freguesia da Fajã de Cima) – A Fajã de Cima é uma freguesia muito próxima do centro de Ponta Delgada e que confronta com freguesias de vários concelhos. Gostamos de dizer que a Fajã de Cima é um miradouro sobre Ponta Delgada, porque tem vistas deslumbrantes sobre a cidade.
É uma freguesia que tem um misto de vivências, de muita urbanidade e de ruralidade também. A zona norte da Fajã de Cima é caracterizada por várias pastagens e campos agrícolas, o que confere alguma singularidade à nossa freguesia. É, ainda, uma freguesia de gente muito trabalhadora, empreendedora, dedicada e que ama a sua freguesia.
Costumo dizer, em tom de brincadeira, que a Fajã de Cima é um caso único na nossa Região, porque é uma freguesia com um vastíssimo leque de entidades e de instituições ainda em actividade. No desporto, temos o clube desportivo Os Oliveirenses e o Clube de Ténis de São Miguel. Na área cultural temos um rancho folclórico, uma filarmónica, uma Casa de Povo, Escuteiros, Guias, o Clube Columbófilo de São Miguel, um centro social e paroquial que dá resposta às nossas necessidades na freguesia e uma paróquia com os seus movimentos característicos. De facto, dificilmente se consegue arranjar no nosso arquipélago um caso similar. De forma resumida, a Fajã de Cima é uma freguesia com muita história, com muito presente e, garantidamente, com muito futuro.

Quais é que são as principais dificuldades enfrentadas pela Fajã de Cima?
A Fajã de Cima é uma freguesia com algumas carências a diversos níveis. Desde logo, aquela que mais rapidamente encontramos tem a ver questão do apoio às famílias e às empresas, o que, num contexto normal, já era de uma singularidade muito especial e que requer redobrada atenção agora com os efeitos da pandemia, da crise inflacionista, com as guerras pela Europa, entre outros. De facto, as carências acentuaram-se.
Temos uma freguesia que carece urgentemente de uma reabilitação das suas infra-estruturas. Desde logo, na área da aprendizagem, com uma escola centenária que carece de uma intervenção urgente. Aqui, apraz-me salientar o acordo que temos com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, que já assumiu publicamente que vai fazer a intervenção necessária.
A situação automóvel e o estacionamento na freguesia também são temas que nos preocupam.
A falta de habitação, embora seja um tema transversal, na Fajã de Cima, em particular, não deixa de ser uma necessidade e uma dificuldade. Os jovens e as famílias têm uma dificuldade imensa em ter habitação a preços acessíveis ou rendas confortáveis.
Outra questão é a resposta ao nível das famílias no que toca a creches, jardins-de-infância e na melhoria da resposta dos centros de dia para os idosos. Este é um assunto extremamente sensível e que é cada vez mais procurado, e a falta de resposta tem vindo a fazer as famílias repensarem as suas vidas. As pessoas querem ir trabalhar com a certeza de que os seus familiares estão bem entregues. Julgo que temos um potencial enorme para crescer, face às entidades que temos na freguesia. (…)

Na sua opinião, o que se poderia fazer para solucionar estes problemas?
Relativamente à falta de habitação, creio que há muito que se pode fazer. Temos de aproveitar séria e afincadamente as verbas que temos disponíveis do PRR para as novas construções, assim como para as reconstruções. Os casos na freguesia estão identificados. Creio que no contexto do município de Ponta Delgada, e das freguesias limítrofes do centro urbano, a Fajã de Cima é aquela que tem eventualmente melhores condições de expansão. As freguesias do centro histórico de Ponta Delgada já estão claramente sobrelotadas e com pouca capacidade de expansão. A Fajã de Cima, por estar a tão pouco do centro urbano, pode ter aqui uma oportunidade e ser vista como uma freguesia a potenciar.
Recordo, ainda, que estamos em sede de revisão do PDM do município. Acredito que uma atenção redobrada à Fajã de Cima, em particular, pode ser vital para que se veja nesta freguesia uma solução para a sua expansão, criando estas condições de habitação que hoje não temos.

O problema de estacionamento na freguesia está devidamente identificado?
Este é um problema mais do que identificado e reconhecido por toda a gente. Quem tem o mínimo de conhecimento, sabe que a Fajã de Cima é uma freguesia que carece de uma intervenção rápida, urgente e incisiva a este nível.
Sobre este tema, vou socorrer-me de um provérbio: “Roma e Pavia não se fizeram num dia.” Recordo-me que a Fajã de Cima sofre destes problemas há décadas. É uma freguesia que não foi pensada, aquando da sua estruturação, para ter usufruto de automóveis, nem tão pouco a dimensão de transportes públicos com que somos confrontados hoje.
É uma freguesia com ruas muito estreitas, cuja maioria não tem passeios. Continua a ser uma freguesia que serve de ligação da costa Sul de Ponta Delgada para a costa Norte do concelho, embora já haja outras alternativas. Os habitantes da freguesia continuam com estes problemas no seu dia-a-dia.
Resolver um problema que tem décadas, em apenas dois anos de mandato, não é tarefa fácil nem exigível. No entanto, posso garantir que nestes dois anos de mandato, temos feito um trabalho exímio na identificação de todos os problemas e, acima de tudo, no levantamento de possíveis soluções, que foram enviadas às entidades competentes. (…)
Na nossa opinião, a circulação automóvel e o estacionamento são problemas de mobilidade e devem ser vistos nesta perspectiva.
Temos fé no projecto da mobilidade no concelho que a Câmara Municipal de Ponta Delgada está a levar a cabo, em que a Fajã de Cima está sinalizada como uma das prioridades.
Já fizemos um levantamento de moradias e ruínas que possam eventualmente enquadrar-se nessa perspectiva de parques de estacionamento, para facilitar algumas das vias. Mas julgo que temos de ir mais além e estudar seriamente se os transportes se deveriam continuar a fazer nestes moldes. (…)

Há viaturas que circulam a alta velocidade na freguesia. Considera que a PSP devia ter uma acção mais rigorosa quanto à circulação dessas viaturas?
Em certas zonas da freguesia existe algum excesso de velocidade. (…) A Fajã de Cima é uma freguesia muito alta, as ruas são a descer e há uma tendência natural para acelerar um pouco. Estes casos foram igualmente reportados às entidades que tratam estas áreas. O certo é que a solução não pode ser vista de forma desgarrada, tem de ser sempre inserida neste contexto de mobilidade de todo o município.
Há soluções que poderiam eventualmente ser aplicadas no imediato, só que não são do agrado da maioria da população. Por exemplo, as lombas, que são uma das primeiras medidas para atenuar o excesso de velocidade, geram queixas ao fim de uma semana ou duas. A população não gosta, porque gera ruído a altas horas da noite e as pessoas não conseguem ter o seu descanso. Mais do que ser um problema identificado, é um problema de difícil de resolução. Sou apologista de se fazer um investimento forte em, por exemplo, controladores de velocidade. Este sistema existe em São Roque e creio que resolveu o problema. Entre a rotunda junto à via rápida e a Praia do Pópulo julgo que existem três limitadores de velocidade. Desta forma, as pessoas, quer queiram quer não, cumprem. As nossas acções têm de ter consequências.
No entanto, não sou apologista de haver consequências sem alternativas. É fundamental pensar em alternativas, antes de pensar nas consequências. Por exemplo, pode haver uma rua de 200 metros sem um lugar para estacionar e aí percebo porque é que as pessoas estacionam na rua. No entanto, se for criado estacionamento e as pessoas continuarem a estacionar na rua é porque querem a consequência.  

Em relação à toxicodependência, em que ponto de situação está a Fajã de Cima?
O tema das toxicodependências é genérico, muito preocupante e, infelizmente, a Fajã de Cima não foge à regra. Vemos este assunto com muita preocupação, até porque o crescimento e o aparecimento dessas dependências têm impactos directos no dia-a-dia da freguesia.
Há um misto de acções que temos procurado levar a cabo, naquilo que são as nossas competências e diligências. Estabelecemos um protocolo com a ARRISCA, uma entidade fundamental e profundamente conhecedora deste tema. Este protocolo foi feito numa visão de elencar os problemas que a Fajã de Cima tem a este nível e, em conjunto, percebermos como tratar a questão da prevenção, sensibilização e educação das faixas etárias mais jovens, e de que forma podemos contribuir para que, no futuro, estes casos comecem a desaparecer. E também numa vertente de controlo. Não podemos olhar apenas para a sensibilização. Há que perceber como conseguimos ajudar aqueles que, neste momento, já se encontram com estes problemas.
Uma parte que não é propriamente da nossa competência, mas que faz parte das nossas incumbências, é alertar permanentemente as entidades competentes para estas situações, neste caso, a Polícia de Segurança Pública e fazer uso do nosso assento no Conselho Municipal de Segurança do município, onde estes temas são debatidos.

A criminalidade tem aumentado na freguesia como consequência da toxicodependência?
A pequena criminalidade tem evoluído. Os furtos têm acontecido com maior frequência e não temos dúvidas nenhumas que esse fenómeno está relacionado com o aumento dos consumos e das dependências.

Qual a dimensão da pobreza na freguesia? A Junta de Freguesia apoia muitas famílias?
A nossa percepção é que o índice de pobreza na freguesia é elevado. Medimos isso porque temos uma proximidade muito grande com a comunidade. Este Executivo desenvolveu uma proximidade muito grande ao acompanhamento que é feito pelo Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora de Oliveira, que tem nas suas valências este tipo de respostas. Temos tido esta parceria que nos permite seguir as famílias que são acompanhadas, por sua vez, pelo centro social e paroquial.
Porém, o problema da pobreza não se resume apenas às famílias que são acompanhadas. Estas estão identificadas. Há uma dimensão de pobreza envergonhada que nos chega diária ou semanalmente à Junta. Aqui, temos tido um papel bastante incisivo e preponderante através de um regulamento que criámos para os apoios sociais. Temos apoiado dezenas de famílias nas suas necessidades mais básicas, desde à habitação, ao apoio a medicamentos, ao apoio com as despesas correntes do mês, e à alimentação, que é algo que nos começa verdadeiramente a preocupar.
Outra grande preocupação é o aparecimento de sem-abrigos na freguesia. Nunca houve nenhum caso na Fajã de cima e, neste momento, temos três casos identificados.
Por outro lado, temos consciência de duas coisas: o índice, apesar de ser elevado, tende a decrescer por via destes apoios e acompanhamentos; e há sempre uma expectativa de perceber como é que este panorama nacional e internacional afecta, ou vai afectar, directamente as nossas famílias.

Quantos pedidos de apoio a Junta teve o ano passado em relação a este ano?
O primeiro ano foi muito desafiante e atípico. Sendo um Executivo novo, tínhamos a clara percepção de que as pessoas nos iam procurar porque queriam falar com interlocutores diferentes e novos. No conjunto dos três elementos do executivo, tivemos cerca de 150 atendimentos no primeiro ano de mandato. Na altura, ainda não existia na Junta de Freguesia um regulamento de apoio social. Mas, posso garantir que 50% dos atendimentos correspondeu a famílias que foram apoiadas a diversos níveis.
No Natal temos uma acção muito concreta, que é a distribuição de cabazes alimentares pelas famílias mais carenciadas e o número ultrapassa os 100.  Este ano, reforçámos a nossa verba disponível para este orçamento no que toca ao apoio às famílias, porque percebemos que este ia ser um tema preocupante.

Qual é a abordagem da Junta de Freguesia ao turismo?
Em relação ao turismo, temos várias frentes. Desde logo, por termos uma proximidade muito vincada com a nossa comunidade, estamos a acompanhar todos os investimentos que têm sido feitos, e que vão ser feitos, na freguesia a este nível. Por exemplo, as empresas já se começam a organizar de forma a que o turismo possa passar nas suas sedes e ver que produtos têm, com visitas a fábricas e indústrias. A nível do alojamento local, há um conjunto de privados que está a fazer aquisições para transformar algumas habitações.
Desde que tomámos posse, iniciámos um protocolo celebrado com a AGITA - Associação de Guias de Informação Turística dos Açores, que ficou com sede na Fajã de Cima, num anexo que temos no Moinho da Tia Faleira, um dos ex-libris turísticos da freguesia. A par deste protocolo, a AGITA vai dinamizar todo aquele espaço, privilegiando o próprio local e a freguesia.
Temos, ainda, o Pinhal da Paz, uma reserva natural fantástica, que pode cativar para a nossa freguesia pessoas que estão mais orientadas para um turismo ambiental, de trilhos e de passeios de natureza. Não sendo uma freguesia com orla costeira e com pontos de interesse como há noutras freguesias do concelho, queremos que a Fajã de Cima tenha um potencial enorme e temos feito estas diligências para que isto seja efectivo. Estamos relativamente reduzidos no que toca a pontos de interesse especificamente virados para o turismo, mas os que temos têm de ser altamente potenciados.

Na sua opinião, a Fajã de Cima tem potencial para se desenvolver mais? Em que áreas?
A Fajã de Cima sempre foi uma freguesia empreendedora e creio que, com a boa ajuda de todas as entidades, só tem condições para se potenciar e desenvolver cada vez mais.
Já somos uma referência, através do nosso centro social e paroquial, na área social. Temos tido experiências fantásticas com o Governo Regional dos Açores. Em todos os projectos arrojados e que carecem de uma experiência piloto, normalmente o centro social e paroquial tem sido parceiro nessas temáticas.
Relativamente a toda a área de negócios, de indústria, há muito terreno e margem para ser desenvolvida. Temos tido uma agradável surpresa com algumas empresas que têm olhado para a Fajã de Cima como uma freguesia onde se podem estabelecer. Por exemplo, temos a fábrica de aperitivos Pérola da Ilha, uma marca internacional que exporta os seus produtos e é sediada na Fajã de Cima. A Quinta do Além é outra referência na área da apicultura.
A Fajã de Cima tem condições para progredir, haja infra-estruturas e acessibilidades para que o investidor se veja entusiasmado em investir na freguesia.

Quais são as principais prioridades e ambições de desenvolvimento nos próximos anos?
A nossa ambição é tornar a Fajã de Cima cada vez mais atractiva para as famílias e para as empresas se estabelecerem. A questão das acessibilidades e infra-estruturas é fundamental para nós. No seio destas infra-estruturas há aquelas que se evidenciam quase de forma natural e uma delas é a escola. Um dos pilares para o bom desenvolvimento das comunidades é a educação e uma freguesia com uma escola nas condições deploráveis que a Fajã de Cima tem, não é benéfico para os alunos. Aliás, a escola viu uma desertificação incrível nos últimos 20 anos. Quem realmente pode ter os seus filhos a estudar noutra escola, fá-lo sem hesitar.
Quem fala na escola, não pode esquecer o centro de catequese, que não era intervencionado desde a minha altura enquanto aluno daquele centro. A Junta de Freguesia concluiu este ano uma profunda obra de remodelação, dotando aquele espaço de condições dignas.
As prioridades têm de ser efectivamente a educação e criar condições para que as crianças, os professores e as comunidades se possam desenvolver.
A questão da mobilidade é crucial para o desenvolvimento da freguesia. Não podemos, de maneira alguma, a continuar a ter este sufoco na circulação automóvel e pedonal na Fajã de Cima. Mais do que uma prioridade, a resolução destas incapacidades é uma extrema necessidade.
                                       

Carlota Pimentel

 

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Autor: CA

Categorias: Regional

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