Correio dos Açores - Que valorizou na sua apresentação?
Alexandra Bragança, (Membro do Conselho Económico e Social da Região e Presidente da AICOPA) - Falamos sobre que é o direito à habitação, que é um direito previsto na Constituição, e concretizar em que este direito consiste e como é que o legislador o previu. O que é que os cidadãos podem exigir do Estado e das Regiões Autónomas em matéria de habitação e sobre aquilo que está constitucionalmente consagrado.
Falei também sobre a posição da construção civil relativamente à problemática da habitação. Qual é a visão do sector, nomeadamente aquela que foi assumida pelo Presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário. Confederação esta da qual a Aicopa- Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas dos Açores faz parte e que nós perfilhamos na integra.
Fiz um retrato dos Açores em termos estatísticos no que diz respeito à problemática da habitação. Analisamos alguns gráficos, alguns números no que toca a essa problemática especificamente nos Açores.
Falamos também de quais são as principais carências habitacionais em Portugal e quais são os grupos mais afectados por estas carências.
Falamos de que políticas públicas é que precisamos para ter uma habitação acessível e adequada e sobre as medidas que o PRR prevê em matéria de habitação para os Açores.
Como caracteriza o parque habita-cional dos Açores?
Desde logo, reconheço o parque habitacional dos Açores por duas grandes características: insuficiência e necessidades de reabilitação. A primeira e a mais importante é a de que o parque habitacional dos Açores é insuficiente para colmatar as necessidades que se têm vindo a registar nas diversas ilhas. E, por outro lado, também apresenta alguns problemas em termos de conservação, digamos assim. Parte do que existe também precisa de ser reabilitado.
Há um investimento no PRR para a habitação. Como é que está a sua execução?
Neste exacto momento está muito baixa. Aquilo que se encontra previsto no PRR é a intervenção num total de 828 habitações e, até ao momento, aquilo que se registou foram apenas a construção de 24 e a reabilitação de 41. Portanto, estamos a 8% do número total de habitações que devem ser intervencionadas nos Açores.
Quais são as soluções para construir casas para as jovens famílias?
Tem de existir investimento público necessariamente, não basta só o investimento privado. Muito importante aqui é o investimento público. que durante muitas décadas deixou de existir. Neste aspecto, é preciso recuperar o tempo perdido
Hoje em dia é proibitivo arrendar casa devido ao custo. Quais são as opções para contornar isto?
O que acontece é que a opção dos cidadãos nesta temática tem sido a de aquisição e não a de arrendamento. Houve uma grande aposta na aquisição. Atendendo ao cenário e à disponibilidade de habitações no mercado, as pessoas começaram a verificar que era mais benéfico adquirir do que arrendar, o que fez também com que muitos senhorios deixassem de investir nessa área do arrendamento.
Por outro lado, neste momento, o custo do arrendamento é bastante elevado e não existem habitações para arrendar, o que faz com que este mercado ocupe uma posição muito residual no mercado da habitação em que a propriedade tem sido a escolha fundamental das pessoas.
O Estado e as Regiões têm que dar condições aos proprietários, primeiro para reabilitarem os seus imóveis para estes os colocarem no mercado de arrendamento, para que estes percepcionem este mercado como um mercado estável e que lhes confira alguma rentabilidade para que também o possam preferir em relação ao mercado do turismo.
Porque aquilo que temos visto é que muito desse mercado tem sido “desviado” para as opções do alojamento local. Isto sem querer condenar as opções dos proprietários, nem a opção de aposta no turismo, mas é um facto que se tem vindo a verificar. É um facto incontornável. Isto também faz com que as habitações que são recuperadas não sejam devolvidas ao mercado do arrendamento e sim ao mercado do turismo.
Portanto, aqui há que oferecer condições aos proprietários para que eles percepcionem o mercado do arrendamento como estável e como um mercado pelo qual vale a pena investir. Coisa que até ao momento não tem acontecido.
Gostaria de acrescentar algo em relação à “Habitação – a realidade nos Açores”?
Se este PRR for bem aproveitado, vai permitir a criação de 828 habitações com eficiência energética. É crucial que ele seja executado. Deve ser feita uma grande aposta de todos os intervenientes no sentido de cumprir este Plano de Recuperação e Resiliência na área da habitação. A tónica deve ser colocada nesta medida e deve haver um grande esforço das empresas, um grande esforço das entidades públicas no sentido de agilizar, ao máximo, os procedimentos públicos de contratação destas obras para que possamos recuperar estas 828 habitações nos Açores.
Sobrelotação da habitação nos Açores está acima da média nacional
A Presidente da AICOPA, Alexandra Bragança, afirmou ontem na sessão promovida pela Associação Sénior de São Miguel, sobre o tema ‘Habitação – A realidade nos Açores’, que “na Região, o número de fogos licenciados em construções novas nos doze meses terminados, em Julho, foi de 551, o que traduz uma redução de 10% face aos 612 alojamentos licenciados nos doze meses anteriores. Destes, 17% são de tipologia T0 ou T1; 32% são de tipologia T2; 36% de tipologia T3; e 15% de tipologia T4 ou superior. Quanto ao valor de avaliação bancária na habitação, verificou-se, na Região, uma variação homóloga de 7% em Julho.”
Como realçou, entre 2012 e 2020, a Região “promoveu a construção de apenas 71 habitações. Uma média inferior a uma habitação por ano e por ilha”.
Alexandra Bragança abordou as principais carências habitacionais em Portugal, com dados de 2021. Constatou uma “sobrelotação da habitação – que se refere à proporção da população que vive num alojamento com um número de quartos insuficiente tendo em conta a dimensão e a composição de um determinado agregado doméstico”. Nos Açores, disse a propósito, “temos 13,5% (taxa anual de 2022 mais alta do país) da população a residir em casas sobrelotadas, o que constitui um problema. A média nacional é de 9,4%”.
Referiu-se aos custos da habitação. Considerou que a sobrecarga com as despesas de habitação “é uma das principais carências habitacionais: 6% da população reside em casas em que os custos totais da habitação representam mais de 40% do rendimento total disponível do agregado (água, eletricidade, gás, condomínio, seguros, saneamento, pequenas reparações, bem como as rendas e os juros relativos ao crédito) ”.
Considerou que há uma “incapacidade financeira de manter a casa suficientemente aquecida - 19% da população não tem capacidade financeira de garantir o aquecimento suficiente para o conforto. O que tem custos adicionais para o estado de saúde da população e qualidade de vida".
PRR - Açores prevê até 2025 para São Miguel a construção de 200 habitações e a reabilitação de outras 201
Ao longo da sua intervenção na Associação Sénior de São Miguel, a Presidente da AICOPA, Alexandra Bragança questionou “de que políticas públicas precisamos para uma habitação acessível e adequada?” e procurou dar a resposta.
Defendeu uma “abordagem estrutural e não conjuntural e que permaneça por mais do que um ciclo governativo, para podermos chegar a todos: a todos aqueles que não têm casa e àqueles que, apesar de terem um tecto, vivem em condições insuficientes”.
Preconizou, em sequência, “a existência de bases de dados actualizadas sobre as carências habitacionais existentes”.
Alexandra Bragança é apologista da “implementação de uma política preditiva, de necessidades futuras: a procura de habitação acompanha a estrutura demográfica da população. Portanto, quanto mais famílias temos, de mais habitação precisamos. Quanto mais envelhecida é uma população, mais alojamentos vagos existirão daqui a uns anos. Quanto mais jovem for a população, maior será a procura por habitação quando esses jovens chegarem ao início de vida adulta. Também se deve olhar para os padrões de composição e recomposição familiar. Se uma família se separa, são necessárias duas casas para o mesmo número de pessoas.”, explicou.
Defendeu a “dinamização do sector do arrendamento: para diluir esta disparidade que existe entre a população em propriedade e em arrendamento. O arrendamento não pode ser o recurso de quem não consegue aceder à propriedade. E dinamizar o sector do arrendamento não implica necessariamente mais construção. Implica que o conjunto de pessoas que têm segundas residências ou um conjunto de alojamentos vagos, possíveis de serem reabilitados, entre no mercado de arrendamento de longa duração”.
Aumentar o parque habitacional
Alexandra Bragança revelou, durante a sua intervenção, a medida do PRR- Açores de aumentar as condições do parque habitacional público na Região. O Plano de Recuperação e Resiliência prevê a construção de 301 habitações e a reabilitação de 527 habitações. Num total, serão 825 habitações com eficiência energética. A dotação da Medida, no total, é de 60 milhões de euros mais 32, milhões de euros.
Em S. Miguel prevê-se a criação de 401 novas habitações (construção de 200 e reabilitação de 201). A dotação só para S. Miguel é de 37,3 milhões de euros (59% do total).
Até ao momento já foram construídas 24 novas habitações e reabilitadas 41 (8% do total).
Está programada a disponibilização de infra-estruturas para auto-construção (atribuição de 145 lotes infra-estruturados para construção de habitação própria e permanente a custos acessíveis – agregados jovens e agregados não elegíveis a apoios sociais), com uma dotação de 4,3 milhões de euros.
Alexandra Bragança, a determinada altura da sua intervenção, abordou o que considerou “grupos mais afectados” pela carência de habitação. Começou por mencionar os seniores: “temos uma percentagem muito elevada de seniores a viver em casas que não estão adaptadas às perdas de mobilidade e aos riscos de quedas que decorrem do processo de envelhecimento; em casas degradadas, a precisar de reparações e energeticamente pobres”.
Realçou também os ‘jovens-adultos’. Como disse, “dois terços dos jovens-adultos entre os 18 e os 34 anos vivem em casa dos pais. Por um lado, porque há́ uma cultura da casa própria em Portugal muito forte e de as famílias providenciarem habitação nem que seja através da co-residência. Por outro lado, porque há́ crescentes dificuldades no acesso à habitação, que faz com que os jovens fiquem indefinidamente em casa. O problema é que, quanto mais tarde se da ́a emancipação residencial, mais tarde há́ a formação familiar e se concretizam os projectos de parental idade”.
Abordou as famílias “em que a relação entre as pessoas em idade activa e as pessoas em idade inactiva é mais baixa – são elas os agregados com crianças e jovens, os agregados numerosos e as famílias monoparentais, por questões económicas”.
Explicou, depois, porque razão os portugueses compram mais do que arrendam. Realçou o “congelamento nacional das rendas de habitação no início do período democrático”.
Como explicou, “os proprietários deixaram de investir na manutenção e conservação dos edifícios devido aos baixos ganhos de capital com os imóveis com contratos de renda indeterminada”.
Em sua opinião, isto conduziu à degradação do parque habitacional em arrendamento, que foi mais expressiva nos centros urbanos – onde a proporção de arrendatários é maior, empurrando as pessoas para a propriedade, devido em muito pelo surgimento do crédito bonificado para a compra de casa própria e do sistema de poupança-habitação no início do período democrático. “Nos anos de 1980 e de 1990 tivemos condições macroeconómicas favoráveis que vieram liberalizar o sector bancário – o que se traduziu num alargamento do acesso ao crédito a taxas de juro mais baixas do que até então era conhecido. Aí, passou a ser mais barato comprar do que arrendar casa”.
Daniela Canha