Correio dos Açores – De que trata o filme “Já Nada Sei”? Como surgiu a oportunidade de fazer parte deste projecto?
Ana Aleixo Lopes (“Ana” no filme “Já anda Sei”) – “Já Nada Sei” é uma longa-metragem do realizador Luís Diogo que já fez muitos outros filmes e já ganhou vários prémios. Com este não foi excepção, e ganhamos alguns prémios internacionais em festivais. Consegui o papel através de um casting que foi aberto ao público. As filmagens decorreram no norte do país, em várias cidades: Santo Tirso, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira. É um drama e tem um estilo de mumblecore, um género muito americano, em que há muitos diálogos. O filme é muito à base de diálogos e sobre a relação das personagens, neste caso entre o Ricardo e a Ana, que são um casal. Parece que têm a relação perfeita, mas no decorrer do documentário que estão a fazer, vai se percebendo que não é bem assim. É uma história bastante simples e acho que os contornos são bastante perceptíveis a todos, mas também têm um lado um pouco autoral, em termos de ritmo. Como são muitos diálogos, acaba por ser um filme que leva o seu tempo e tem uns apontamentos mais poéticos. A estreia internacional foi em Agosto de 2022, e desde aí, o filme tem estado em vários festivais e nos cinemas, mas só agora conseguimos trazê-lo aos Açores.
Como tem sido a recepção do público a esta longa-metragem?
No estrangeiro tem sido excepcional. Ganhamos prémios em imensos países, e nas categorias muito importantes, como por exemplo o guião, a realização, actor, actriz, montagem, direcção de fotografia. Já tivemos também prémios de “melhor filme” e “melhor filme estrangeiro.” Acabamos de passar no Rio de Janeiro e recebi algumas mensagens a dizer que tinham gostado. No estrangeiro, a recepção tem sido muito boa. Também tive a honra de estar presente no festival “Alameda”, em São Francisco, onde pude estar com o público e a recepção deles foi maravilhosa. Adoraram e depois no fim fizeram imensas perguntas e repararem em muitos pormenores. Tem sido muito gratificante.
Cá em Portugal, infelizmente acho que falta uma certa divulgação do cinema português. Estando na área, não noto muito isso, porque, por exemplo, nas redes sociais sigo toda a gente ligada ao cinema que se faz cá, e vou vendo os projectos que vão surgindo e fico a par, mas é porque sigo estas pessoas especificamente. Às vezes falo com amigos meus, pessoas que não estão na área, e percebo que as pessoas não têm conhecimento dos filmes ou séries portuguesas que têm saído, mas que têm imensa qualidade. Percebo que fora da área, a divulgação não está a chegar às pessoas. Com o nosso filme não foi excepção. Graças a todos os prémios que ganhou, o “Já Nada Sei” conseguiu chegar às salas de cinema, o que é uma enorme vitória. Estivemos nas salas de cinema do norte ao sul do país, o que é maravilhoso. No entanto, não tendo havido essa divulgação, não nos mantivemos lá muito tempo. A minha percepção é que talvez em Portugal não tenha sido tão bem acolhido como foi lá fora.
Pode contar-nos um pouco sobre a sua personagem, a “Ana”?
A “Ana” é fisioterapeuta. Por acaso, a personagem foi escrita para ser originalmente do norte, mas depois de eu ter ficado com o papel, o Luís Diogo quis mudar um pouco a minha história. A Ana nasceu nos Açores e com o divórcio dos pais ela ficou cá a morar com a mãe, mas depois quando foi para a faculdade, esteve a estudar em Coimbra e conseguiu trabalho perto do pai e ficou a morar com ele no norte do país. Depois a Ana conheceu o Ricardo. Ela era fisioterapeuta dele. Ele teve um pequeno acidente, começaram a sair e a conhecer-se melhor e a relação começou. Do ponto de vista dela, é a relação perfeita. Eles têm uma vida bastante completa. Para além de terem trabalhos que gostam, viajam muito, têm uma vida cultura muito intensa, que é algo que a Ana adora. Ela tem duas amigas, que são interpretadas por duas açorianas. Acho que a Ana, no início da história, é uma pessoa muito realizada e feliz, só que depois, ao longo da história, há ali uma reviravolta que deixa a vida dela um pouco de pernas para o ar.
Como foi a experiência de contracenar com duas conterrâneas, a Helena Ávila e a Mónica Cabral?
Foi maravilhoso. Para além de conterrâneas, são duas actrizes excepcionais, com quem, por acaso, nunca tinha contracenado, apesar de acompanharmos os percursos umas das outras, desde o início. Foi mesmo muito especial e divertido o dia em que estivemos juntas, tanto no hospital como no café, a filmar. Na altura, a nível pessoal, estava a passar uma fase complicada, por isso, poder estar com elas e esquecer um pouco tudo o que se estava a passar, foi muito bom. Depois, claro que fora das filmagens encontramo-nos. É diferente, porque é trabalhar num ambiente com pessoas novas, mas que depois tens aquelas pessoas que te conhecem tão bem e é quase como se estivesses em família. Foi muito bom, e representar deixa-nos muito à vontade umas com as outras, como é óbvio.
Por esta sua interpretação ganhou dois dos prémios, o “Melhor Actriz em Longa Metragem”, no Darbhanga International Film Festival, e “Melhor Actriz em Romance”, nos International Film Awards Actress Universe. Estava à espera? Como encarou estas distinções?
Não estava nada à espera. Sou a co-protagonista, com Duarte Matos, mas a história é muito contada a partir do olhar e da perspectiva dele. A minha personagem está um pouco ali a ilustrar a história que ele quer contar, vista das várias perspectivas dos amigos dele. Portanto, acho que a minha personagem acaba por não ter tanto desenvolvimento e não a conhecemos muito profundamente como se conhece a personagem dele. Pensei que se calhar não iria chegar ao ponto de conseguir este tipo de reconhecimento, por isso quando o obtive, fiquei muito feliz, até porque foram os meus primeiros prémios a nível individual. Ao longo da minha carreira fiz imensas curtas-metragens, e agora ser reconhecida por uma longa-metragem é muito delicioso. Também no “Melhor Actriz em Romance,” que é um género que eu adoro fazer e tenho feito muito e ter este reconhecimento deixa-me muito feliz.
Qual é a expectativa para esta exibição do filme, amanhã, no Teatro Ribeiragrandense?
Estou muito contente por o filme ter vindo, finalmente, cá aos Açores. Confesso que tenho um pouco de receio em relação ao horário, porque vai ser às 18h30, por isso, o que posso pedir às pessoas é que, mal saiam do trabalho, vão directas para o Teatro Ribeiragrandense. Sei que muita gente ficou com pena quando o filme esteve nos cinemas e não ter chegado às salas de cá. Muitas pessoas gostavam de o ter visto. Agora a oportunidade que temos, devemos ao Clube de Cinema da Ribeira Grande, a quem agradeço muito a oportunidade. Espero que as pessoas que gostavam de o ter visto no cinema consigam estar presentes agora e espero que me façam muitas perguntas. A minha personagem deixa muitas pontas soltas e gostava de ver a curiosidade do público em querer saber mais sobre a minha “Ana.”
Em que outros projectos está agora envolvida?
Neste momento, em Lisboa, no Cinema City Alvalade, está o filme da realizadora Margarida Gil, o “Cavaleiro Vento”, que eu também co-protagonizo, que foi filmado no Pico. Vai estar lá, pelo menos, até 1 de Novembro. Gostava muito que fossem ver. Está muito bonito e onírico, e mostra a ilha do Pico e a essência açoriana. Tenho uma pequena participação na série “Rabo de Peixe,” na Netflix, e uma participação nos novos “Morangos com Açúcar”, que estreou estaSegunda-feira. Entro apenas no 10.º episódio, mas também foi uma experiência muito gira.
Nos Estados Unidos, estrearam agora duas longas-metragens em que entrei, a “Night Mistress” e “The Girl in the Backseat”. Tenho outras duas longas-metragens, que foram interrompidas na altura da pandemia. Ainda estou a aguardar o ok para regressar e terminarmos. Cá, em Portugal, estive a filmar o próximo filme do João Pedro Frazão, o “Santanário”, que vai sair em 2024. De resto, estou à espera de respostas de casting. É uma vida bastante imprevisível. De um dia para o outro temos imenso trabalho, às vezes temos fases mais calmas. Espero que algumas das respostas que eu aguardo sejam positivas para os próximos meses serem agitados.
É esta a perspectiva para o futuro?
Sim. Já estou nesta luta, na vida de artista há 20 anos. Acho que no início as fases mais complicadas deixam-nos muito preocupados e com imensas dúvidas, mas aprendi a lidar com isso. Criei as minhas próprias ferramentas e acho que quando essas fases chegam, consigo lidar bem com elas e sei que no meio artístico, e das artes audiovisuais e performativas em específico, é assim. As oportunidades vão aparecendo. A nível de estreias, estou com uma vida bastante interessante, a nível de filmagem gostava que tivesse mais cheia, mas acho que tendo em conta algumas oportunidades que estão ai em aberto, o futuro será risonho.
Tem em mente ideias e projectos pessoais que gostava de desenvolver?
Sim, tenho dois passion projects que envolvem os Açores. Um deles é uma longa-metragem, outro é uma série. Neste momento, estão em fase, digamos, de investigação e desenvolvimento do guião. Não é nada que eu queira fazer com pressa, porque neste momento estou mais interessada e focada em trabalhar só como actriz e isso significa fazer parte dos projectos dos outros. Gosto de ser a matéria-prima que dá forma à visão do realizador. Esta é uma das coisas que me alicia muito, como actriz. Estes dois projectos que estou a desenvolver com calma, são projectos que, talvez numa fase mais calma como actriz, ou em que eu sinta mesmo necessidade de dar vida a estas personagens que tenho em vista, me foque mais nisto. Apesar de ter estes projectos em andamento, não são a minha prioridade, de momento, porque a produção exige muito e agora estou mais concentrada em trabalhar apenas como actriz.
Tem interesse em estar atrás das câmaras?
Não tenho interesse, confesso, é uma necessidade que se impôs desde o início do meu percurso. Aliás, quando comecei a trabalhar como actriz, quando estava na faculdade e integrei uma companhia de teatro em Lisboa, logo no meu segundo ano pediram-me para ser directora de produção do grupo. Comecei a produzir ai, já na faculdade. Nos Estados Unidos também me chamaram para ser assistente de produção de um filme, e com a esperança de me darem o papel por ajudar, também aceitei. Ou seja, a produção, para mim, tem estado sempre ligada à possibilidade de também ser actriz no projecto que produzo. Depois, cá em Portugal, tive um trabalho em produção, e esta experiência foi a que me fez perceber a sério a energia que a produção nos retira. Desde ai, tenho tido cuidado em equilibrar as duas coisas, porque sei que a produção exige muito de nós. Quando sinto que não está a surgir trabalho enquanto actriz, já tenho esta experiência em produção e tomo um projecto que quero fazer e faço, mas não por paixão, mas por necessidade.
Os Açores estão sempre presentes no seu trabalho?
Os Açores são a minha terra. Acho que a minha identidade está muito ligada a estas ilhas e qualquer projecto que saia de mim, e que seja eu a criar, vai ter sempre uma ligação aos Açores. Se eu produzisse alguma coisa nos Estados Unidos, teria sempre uma ligação a Portugal. Acho que mesmo que a história não tenha anda a ver, há sempre um pormenor ou outro que vai acabar por estar ligado aos Açores.
Mariana Rovoredo