Pedro Cabral Medeiros revela o sonho de criar um plano para a promoção de um estilo de vida saudável nas escolas açorianas

“A vida tem sido boa para mim e quero partilhar isso com as pessoas da minha terra”

 Pedro diz que o seu método é fruto de tudo aquilo que aprendeu ao longo do seu percurso: “Foi no terreno que eu tracei as minhas regras, a persistência, a consistência, o foco.” Este método levou à criação do livro “Corpo de Capa” que, para o açoriano, foi a consolidação de muita aprendizagem e de uma grande superação pessoal.

O “Corpo de Capa”

Foram alguns dos seus alunos que, confiantes no método e nos resultados do seu Personal Trainer (PT), o incentivaram a escrever um livro. Lançado no Verão de 2020, o livro “Corpo de Capa” mostra como é possível atingir um “físico de sonho” em apenas 12 semanas. Um método adaptável tanto a homens como mulheres e onde o autor inclui uma alternativa para aqueles que não simpatizam com ginásio e preferem treinar em casa. Ao longo do livro estão os testemunhos das histórias de sucesso dos seus alunos e palavras de encorajamento do autor.
Confessa que “era um péssimo aluno. Tenho dislexia e défice de atenção, portanto, escrever um livro foi um grande desafio para mim. Mas sou uma pessoa obcecada, sou obcecado por aquilo a que me proponho fazer, pelos meus compromissos.” Pedro sabia que era um passo importante, tanto para a sua carreira, como para a sua evolução pessoal. “Tive cinco meses para escrever o livro. Ficava aos fins-de-semana a escrever. Depois houve imensas revisões. Todo o processo foi difícil, mas se hoje consigo estar aqui e passar uma mensagem clara, devo isso ao meu livro.”
Adianta que “se não colocares a mão na massa, nunca vais perceber como se faz, tens de fazer, tens de sentir a frustração. Vais ter de ter coragem e descaramento para realizar o sonho e também coragem e humildade para perceber o teu ponto fraco, aquilo que tu não sabes fazer. É o método que eu uso para tudo o que faço. E a minha história acaba por ser aquilo que é o meu sucesso.”
O livro saiu no Verão de 2020 e, depois disso, Pedro conta que passou o confinamento a tirar formações e a ler muito: “Na altura do confinamento estive sempre a estudar, e ainda hoje penso em cursar Psicologia. Porque no plano daquelas que são as minhas ambições, eu sei que é importante. Quanto mais investir na minha formação, melhor resposta consigo dar às pessoas.”

Filme “Diamantino”
“Sou o Miguel Ângelo dos Músculos”
A participação de Pedro Medeiros no mundo do grande ecrã começa com o convite para preparar o físico protagonista do filme “Diamantino”, onde Carloto Cotta interpreta a personagem de um futebolista açoriano. “Ele perguntou-me se eu achava que ele ia ficar em forma num mês, e eu, a carregar bem no sotaque, disse: não te preocupes que eu sou o Miguel Ângelo da musculação.”
 Carloto não só conseguiu perder 11 kilos, como ganhou a “difícil figura à Ronaldo” que se pretendia para a personagem. Mas os treinos não foram apenas sobre a estética, pois, enquanto treinavam a parte física, também foram treinando o sotaque micaelense que Carloto usou no filme: “ele achava piada a certas coisas que eu dizia a brincar, e ia apanhando as expressões.” Curiosamente, a apresentação inicial do filme começa com Carloto a dizer: “O Diamantino sou eu, já devem ter ouvido falar, chamavam-me Miguel Ângelo dos relvados”.

Série ‘Rabo de Peixe’: “Somos
os campeões da Ribeira Grande”
Foi o PT açoriano quem treinou o elenco da série “Rabo de Peixe”, com os protagonistas José Condessa, André Leitão, Rodrigo Tomás e Helena Caldeira. Pedro conta que desta experiência leva boas amizades e, quanto a histórias caricatas, conta um episódio em que o nome do grupo resultou numa “alteração” ao guião que acabou mesmo por aparecer na série da Netflix.
Pedro contou ao elenco que um dia estava a brincar com os amigos e, entretanto, entraram num “despique” com miúdos de Ponta Delgada do qual saíram “vencedores”. Em celebração da sua vitória, foram a correr e a gritar pela rua: “Somos os campeões da Ribeira Grande”. Desta história resulta o nome do chat de grupo e, em tom de brincadeira, uns quantos “Sou o campeão da Ribeira Grande” pelo meio dos treinos, mas não só. Numa das cenas em que os protagonistas estavam a fugir, Rodrigo Tomás, que interpreta o personagem Raphael na série, sai do guião e diz “Somos os campeões da Ribeira Grande” e o realizador, Augusto Fraga, acabou por manter mesmo a cena. Uma alteração do guião que, de algum modo, materializou as amizades que se travaram na série, mas para o PT açoriano, Rodrigo Tomás disse outra frase que o marcou muito: “contigo percebi que posso ser o actor que eu quiser.”
Logo nos primeiros treinos, Pedro disse aos actores que “o talento e a genética são apenas 5% do processo, mas que comportamentos e disciplina fazem o resto.” Os actores perceberam a mensagem e, agora, Pedro conclui que “o trabalho em campo fez com que eles percebessem que podiam ser os actores que quisessem. Ganharam outra confiança e autoestima e isso vale muito.”

Os “barras da Ribeirinha”
Desde 2014 que Pedro Cabral Medeiros acompanha um grupo de crianças  na Ribeirinha. “Somos um grupo de amigos a quem passo ideias, comportamentos saudáveis, sentido de disciplina e de equipa. Tento afastá-los do álcool e das drogas, que é muito a realidade que os rodeia. Hoje, os mais velhos já servem de exemplo para os outros, alguns já tiraram o seu curso e estão a criar um caminho construtivo para si. Basta-me ajudar um deles para que ele sirva de exemplo para os outros.”
Num dos vídeos do seu canal de Youtube, onde se pode assistir a um treino do grupo de crianças, Pedro apresenta-os, em 2017, como os “superatletas da minha freguesia”. No ano seguinte, um vídeo intitulado por “Os homens do amanhã” mostra, ao som da música “Os putos” ,de Carlos do Carmo, um pouco das actividades e brincadeiras que protagonizaram o Verão dos
O autor do livro “Corpo de Capa” conta que, quando os miúdos tinham entre seis e sete anos de idade, fez-lhes uma entrevista em que pediu que lhe apresentassem dois sonhos: “As respostas deles foram muito semelhantes. O segundo sonho variava entre ver um jogo do Benfica e ir à América, mas, em primeiro lugar, todos pediam o mesmo, queriam oferecer uma casa à mãe ou à avó.”
Pedro reforça que este projecto surgiu daquilo que foi a sua realidade: “Eu cresci numa casa com chão de terra, 5 irmãos, colchão de folhas de milho, não tinha casa de banho dentro de casa, nem frigorifico quiçá... Mas nada disso fez de mim uma vítima porque eu sempre percebi que aquilo era uma realidade minha e dos meus amigos. Eu não era diferente.” e adianta que, “muitas vezes quando digo ao grupo da Ribeirinha que sou igual a eles, eles não acreditam. Mas a verdade é que se eu lhes consigo aconselhar e mostrar um melhor caminho é porque eu vim do mesmo sítio. Quero usar o meu exemplo para lhes mostrar que é possível eles serem líderes, que eles podem ser os melhores naquilo que eles quiserem.”
“Felizmente, nenhum deles pediu para ser youtuber”, diz o PT açoriano em tom de brincadeira. Mas ainda sobre os dois sonhos dos “barras da Ribeirinha”, conta que chegou a levar alguns dos miúdos ao Estádio da Luz. “Levei-os a ver o jogo do Benfica também para eles se sentirem especiais, eles também merecem. O que para outra criança pode ser um sonho fútil, para eles não é. Porque isto não é só sobre ir ver um jogo do Benfica, é sobre eles perceberem que os sonhos se concretizam e que podem e devem lutar por isso.”
Pedro explica que “quando eu tinha 12 anos, os jogadores de futebol não existiam, não eram pessoas reais. No continente, uma criança está no centro comercial e passa por eles. As crianças açorianas, em especial as que vêm de meios mais complicados, não têm essa realidade. Nós pensamos que estas coisas não pesam, mas acabam por ser muito limitadoras. É uma limitação que faz com que sejamos muito mais atrasados. É uma barreira entre ti e o mundo.”
Para além de desenvolverem o gosto pela atividade física, de lhe incutir hábitos saudáveis e de lhes incentivar a investir na sua formação, Pedro explica que grande parte do trabalho que faz com estas crianças passa também por desmistificar certos preconceitos e clarificar questões, como, por exemplo, “a diferença entre bullying e brincadeira.”
Para Pedro, “a maior pobreza dos Açores é a pobreza de espírito. Como eu vim do mesmo meio que eles, consigo dar-lhes conselhos mais sábios e com mais sensibilidade. Criou-se uma amizade com base no respeito e onde há espaço para trabalhar certos bloqueios, mentalidades e preconceitos que ainda estão muito enraizados em meios como este. São bloqueios que os impedem de evoluir.”
O PT açoriano retoma parte daquilo que disse anteriormente acerca da “linha no horizonte” que suscita a pergunta“ mas o que é que há para além disso” e afirma que essa linha “que muitas vezes nos faz desistir” é precisamente aquilo que leva muitos jovens a acomodarem-se a uma vida sem “um plano, sem ocupação profissional. E isso é uma realidade da minha geração”, afirma.
E, a propósito, acrescenta: “Quando os miúdos são muito novos, têm muita liberdade e passam todo o dia na rua. Eles são muito corajosos e até aí está tudo bem, mas depois não têm orientação. Quando chegam aos 18, 19 e 20 anos começam a perceber a realidade da vida, que têm de ter um trabalho e só aí é que percebem que não têm o 12º ano, não têm um curso profissional, não têm uma arte.”
 Foi muito para contrariar esta realidade que desenvolveu o projeto com as crianças da Ribeirinha: “Quero ajudá-los a não desistir e a acreditarem neles. Quero que percebam a importância de ganhar ferramentas para enfrentar as dificuldades da vida. Para que tenham uma vida mais fácil. Porque a vida é mais fácil para quem está preparado.”

Um plano de saúde para
as escolas açorianas
Quando questionado acerca de um futuro nos Açores, o personal trainer, que vive no continente há 20 anos, diz que os Açores fazem sempre parte do seu presente e que, está sempre disposto a aceitar alguns projectos que vão aparecendo. No entanto, o autor do livro “Corpo de Capa” revela que, a longo prazo, idealiza um projeto para a promoção de um estilo de vida saudável junto das escolas açorianas.
À semelhança daquilo que aconteceu com o grupo de crianças da Ribeirinha, o plano que idealiza para as escolas açorianas começa com aquilo que foi a sua realidade. “Eu não gostava da escola e era um péssimo aluno. Na altura, os professores não estavam preparados para saber se a criança era hiperativa, se tinha dislexia ou défice de atenção. Na altura um mau aluno era só isso, um mau aluno. E se hoje estou sempre a estudar e a procurar ganhar mais ferramentas, isso foi fruto de muito trabalho pessoal.”
Pedro tem “um sonho e um objeCtivo nos açores. Porque preocupa-me imenso a saúde dos açorianos, preocupa-me a obesidade infantil, preocupa-me o insucesso escolar. Os Açores são das zonas com maior taxa de abandono escolar e de doenças cardiovasculares.”  Prevê a criação de um plano com uma equipa multidisciplinar que irá desde os profissionais de saúde aos professores, estes que considera sempre os “maiores aliados” para um projecto deste tipo.
Para Pedro, as taxas de obesidade e os quadros depressivos da Região não são aceitáveis “em lado nenhum, mas em especial numa ilha onde as pessoas estão rodeadas de natureza e deviam ser mais activas, e onde a maior parte das famílias tem oportunidade de ter um quintal em que pode cultivar os seus próprios alimentos”. No entanto “as pessoas estão cada vez mais sedentárias. E para além disso, a falta de um plano de vida leva a que procurem o prazer rápido, comportamentos que levam a doenças metabólicas e a quadros depressivos muito complicados. Está a acontecer numa ilha aquilo que acontece numa grande cidade. Isso assusta-me e deixa-me muito preocupado. E sinto que está na hora de usar os meus conhecimentos e tudo aquilo que a vida tem me dado para ajudar.”
Acrescenta, em sequência, que “o trabalho tem de começar nas escolas. O primeiro pilar do meu método é o treino, mas, para as escolas açorianas, começo pelo último: a leitura.” Para Pedro, incutir o hábito da leitura nas crianças leva a uma maior predisposição para a adopção e compreensão de hábitos saudáveis: “tornam-se pessoas com maior capacidade de autoanálise, pessoas que sabem cuidar de si. E isso desbloqueia o resto do processo. Sem num plano, as pessoas estão ‘à toa’, não vai correr bem. Nós queremos pessoas felizes. Não queremos uma ilha doente.”
Para Pedro Cabral Medeiros, “as pessoas estão tão preocupadas em salvar o mundo com as grandes causas que se esquecem daquilo que se passa na sua rua. Mas porque é que eu não posso fazer diferença na minha terra? Sei que tenho a disponibilidade mental e física para aplicar este plano. A vida tem sido boa para mim e eu quero partilhar isso com as pessoas da minha terra.”, conclui.

Daniela Canha

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Autor: CA

Categorias: Regional

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