A Direcção Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos, da Secretaria Regional do Ambiente e Alterações Climáticas colocou em discussão pública a proposta do segundo ciclo de planeamento do Plano de Gestão dos Riscos de Inundações da Região Autónoma dos Açores (PGRIA 2022-2027) até ao dia 24 de Novembro.
Foi em Março de 2021 que se deu início ao processo de revisão do Plano de Gestão dos Riscos de Inundações da Região para vigorar no período de 2022 a 2027 (PGRIA 2022-2027).
O Plano de Gestão dos Riscos de Inundações da Região 2022-2027 reveste-se da natureza de plano sectorial e compreende parte do território das ilhas das Flores, Terceira, Pico, São Jorge e São Miguel.
No primeiro ciclo de planeamento do Plano de Gestão de Riscos de Inundações dos Açores (PGRIA 2016-2021), apenas tinham sido considerados os riscos associados às cheias fluviais. Neste contexto, foram rastreadas as 727 bacias hidrográficas do arquipélago, e, posteriormente, identificadas cinco bacias hidrográficas com riscos potenciais significativos, nomeadamente as bacias hidrográficas da Ribeira Grande e da Ribeira da Povoação, em São Miguel, da Ribeira de Agualva e da Ribeiras do Porto Judeu, na Terceira, e da Ribeira Grande, nas Flores.
A selecção destas cinco bacias baseou-se, então, em três critérios, o primeiro dos quais foi o registo histórico de cheias e inundações, considerando a sua reincidência, o número de vítimas mortais e o número de pessoas afectadas.
Então, o segundo critério foram os cursos de água referenciados nos Planos Municipais de Emergência como passíveis de constituírem perigo para as populações e o terceiro critério foram os cursos de água que intersectam zonas urbanas definidas nos Planos Directores Municipais. Na altura, com base na combinação cumulativa dos três critérios, procedeu-se à hierarquização do risco de cheias em três níveis - baixo, moderado e elevado, e depois, tomando em linha de conta o universo de bacias hidrográficas que integravam o nível de risco elevado foram identificadas aquelas onde ocorreram reincidências e/ou vítimas mortais.
Agora, no segundo ciclo de planeamento do Plano de Gestão dos Riscos de Inundações da Região, as novas bacias hidrográficas em que foram identificadas áreas de risco potencial são as grotas da Areia e do Cinzeiro, em São Miguel; a Ribeira Casa da Ribeira e São Bento, na Terceira; a Ribeira Seca, em São Jorge; e a Dilúvio, no Pico, que se somam às bacias já consideradas no Plano de Gestão de Riscos 2016-2021.
Por seu turno, as novas frentes marítimas identificadas como zonas de risco, delimitadas com base nos estudos técnicos, são: São Roque/Cais do Pico, na ilha do Pico e São Roque/Rosto de Cão; Santa Cruz/Lagoa e Ribeira Quente, ambas em São Miguel.
A metodologia utilizada para a avaliação dos riscos de inundações costeiras assentou na intersecção da informação geográfica, num ambiente de Sistema de Informação Geográfica, em áreas edificadas/rede viária, as áreas incluídas na Reserva Ecológica referentes às zonas ameaçadas pelo mar (Quadro de Referência Regional da Reserva Ecológica – não publicado) e a ocorrência de inundações costeiras.
A intersecção entre os vários factores permitiu identificar, numa aproximação preliminar, as áreas correspondentes às classes de risco de inundação costeira, classificadas em três categorias – baixo, moderado e elevado. As áreas de risco baixo correspondem às áreas incluídas na Reserva Ecológica referentes às zonas ameaçadas pelo mar, mas não integradas em áreas edificadas/rede viária e onde não há registo de ocorrências regulares de inundações/galgamentos costeiros; as áreas de risco moderado são quando as mesmas integram áreas edificadas/rede viária, mas onde não há registo de ocorrências regulares de inundações/galgamentos costeiros; e as de risco elevado são quando se sobrepõem a áreas edificadas/rede viária e há registo de ocorrências regulares de inundações/galgamentos costeiros.
Para efeitos de selecção das zonas críticas de inundações costeiras, classificaram-se as ocorrências de “risco elevado” segundo a relevância dos eventos, através de uma escala progressiva de 1 a 3. Para este efeito, são consideradas de máxima relevância as áreas de risco elevado susceptíveis a impactos potenciais na salvaguarda de pessoas e bens, designadamente em “edifícios sensíveis”.
Nas zonas críticas de relevância 1, são causados pequenos estragos nas vias públicas e taludes, resultantes de ocorrências ocasionais associadas a eventos de galgamentos costeiros, não sendo expectáveis danos em edifícios sensíveis.
Nas zonas críticas de relevância 2, são visíveis estragos moderados nas vias públicas, taludes e anexos de edificações, resultantes de ocorrências regulares associadas a eventos de galgamentos costeiros, não sendo expectáveis danos em edifícios sensíveis.
Já nas zonas críticas de relevância 3, são registadas perdas de vidas humanas e estragos avultados nas vias públicas. São afectados taludes e edificações, resultantes de ocorrências frequentes associadas a eventos de galgamentos e/ou inundações costeiras, sendo expectáveis danos em edifícios sensíveis.
Para cada uma das quatro áreas críticas de risco identificadas procedeu-se no Plano à determinação da susceptibilidade e risco ao galgamento e inundação costeira, tomando em linha de conta a morfologia costeira e as estruturas de defesa costeira, com o objectivo de delimitar faixas de susceptibilidade e faixas de risco.
A determinação da susceptibilidade baseou-se, no plano, na consideração de nove parâmetros diversos, associados respectivamente ao registo histórico de eventos de galgamento e inundação costeira recentes; ao registo histórico de eventos extremos recentes (tempestades, agitação, etc.); ao Modelo Digital do Terreno; à batimetria local; ao cadastro de estruturas de defesa costeira e respectiva tipologia das obras; à ocupação do solo; aos registos de agitação, ao registo de marés astronómicas e meteorológicas (storm surge); e à determinação da distância à linha de costa.
Cada um destes parâmetros foi classificado no Plano de acordo com uma escala que varia entre “muito baixo” (0) e “muito alto” (8), de acordo com um procedimento fino definido na metodologia empregue e posteriormente, através da sua soma e subsequente divisão pelo número de nível de ponderação utilizado, foi determinado o grau de susceptibilidade para cinco cenários. Estes últimos foram reclassificados em quatro graus de susceptibilidade – nula (0); baixa (2); moderada (4); e elevada (6 e 8); tendo sido seleccionado o cenário 2 “como o mais adequado”.
A determinação das faixas de risco de galgamentos e inundações costeiras para as quatro áreas críticas identificadas, para um período de retorno de 100 anos, tomou como referência uma altura de onda significativa de 9 metros e um período entre os 10-13 segundos, enquanto a exposição foi subdividida em quatro categorias (humana, económica, ambiental e patrimonial). O grau de risco de galgamento e inundação costeira cartografado resulta do cruzamento da susceptibilidade com a informação do uso do solo constante da Carta de Ocupação do Solo da Região de 2018
A localização das zonas onde foram identificados riscos potenciais significativos de cheias e inundações no âmbito do PGRIA 2022-2027, em São Miguel, foram Ribeira Grande, Ribeira da Povoação; grota da Areia em Ponta Delgada e grota do Cinzeiro no Nordeste.
Zonas onde foram identificadas riscos potenciais significativos de inundações costeiras, em São Miguel, são São Roque, Santa Cruz da Lagoa, e Ribeira Quente além de São Roque do Pico.
Cheias vão aumentar no futuro
Como é definido no Plano, uma cheia corresponde a “um fenómeno hidrológico extremo numa dada bacia hidrográfica, resultante da ocorrência de um episódio pluvioso ao longo de um intervalo de tempo de duração variável, que se caracteriza pela excedência da capacidade de vazão do leito menor do curso de água.”
Neste contexto, “uma cheia pressupõe a invasão do leito de inundação do curso de água, o que comporta muitas vezes prejuízos socioeconómicos de maior ou menor gravidade, assim como a ocorrência frequente de vítimas”.
Nos Açores, refere-se no Plano que “a reduzida dimensão das bacias hidrográficas, assim como os declives acentuados e tempos de concentração curtos, propiciam a ocorrência de cheias rápidas. Estes episódios são também favorecidos pela modificação dos usos do solo nas últimas décadas, em particular pela transformação de áreas ocupadas por floresta ou vegetação natural em pastagens”.
Por outro lado, acrescenta, “a tendência de maior precipitação sazonal no período de Inverno, resultante do fenómeno das alterações climáticas, no caso das ilhas de São Miguel e Terceira o horizonte temporal de 2100 vem sublinhar o provável aumento da frequência dos fenómenos das cheias no futuro a médio e longo prazos”.
Esta tendência de “agravamento foi demonstrada, igualmente, em estudos recentes relativos ao impacte das alterações climáticas sobre a frequência e as consequências socioeconómicas adversas das cheias em diversos países europeus”.
São Miguel e Pico com
riscos mais elevados
de inundações
Na cartografia, que considera “três classes de risco – baixo, moderado e elevado – verifica-se que apenas em São Miguel e no Pico existem bacias hidrográficas em que o risco de cheias corresponde à classe mais elevada, enquanto em todas as ilhas, com excepção do Corvo, existem bacias em que o risco pode ser designado como moderado”.
No âmbito do Programa Regional para as Alterações Climáticas, “e como esperado face à natureza deste instrumento normativo, a temática das cheias foi considerada, tendo a vulnerabilidade face a estes fenómenos sido classificada como negativa, quer na actualidade, quer no futuro”.
Assim, segundo a legislação, o departamento do Governo Regional dos Açores com competência em matéria de ordenamento do território “deve pugnar pela elaboração de cartografia de base de riscos naturais que contemple, para além de outros processos, a exposição e vulnerabilidade do território a cheias e inundações, que deve ser obrigatoriamente reflectida nos planos especiais, intermunicipais e municipais de ordenamento do território”.
Uma inundação costeira, por sua vez, é definida no Plano como uma “ocupação episódica ou duradoura de uma fracção do território costeiro usualmente não coberta por água do mar (Prinos & Galiatsatou, 2010). A crescente ocupação humana da faixa costeira em Portugal (e nos Açores) implica um aumento da vulnerabilidade face aos processos de inundação costeira, que podem implicar prejuízos socioeconómicos e danos ambientais significativos”.
A invasão de áreas costeiras emersas pelo mar ocorre quando “a altura do nível do mar sofre uma sobre-elevação face ao valor médio ao longo de um determinado número de horas ou dias. A ocorrência de tempestades e/ou sobre-elevações meteorológicas, nomeadamente por acção de ventos fortes e persistentes, variações na pressão atmosférica e agitação intensa, podem explicar a subida da cota da superfície da água do mar, e assim a consequente ocorrência de inundações costeiras (Pombo, 2016). Neste contexto, o conhecimento das condições de agitação marítima extrema é de grande importância para o estudo das inundações costeiras, o que tem sido demonstrado a várias escalas, e em particular em ilhas vulcânicas”.
Nos Açores, um estudo referente ao período entre 1836 e 1998 demonstrou que “a frequência de tempestades se revela muito variável a várias escalas temporais, mas a duração média de cada evento é da ordem de 2,3 dias, ocorrendo 3,1 fenómenos por ano. Adicionalmente, a ocorrência de tsunamis também pode provocar inundações costeiras, e estes fenómenos nos Açores encontram-se bem caracterizados na literatura científica”, lê-se no Plano de riscos.
Os planos de gestão dos riscos de inundações “visam a redução das potenciais consequências prejudiciais das inundações para a saúde humana, o ambiente, o património cultural, as infra-estruturas e as actividades económicas; — Os planos de gestão dos riscos de inundações abrangem os aspectos da gestão dos riscos de cheia e inundações provocadas pelo mar, centrando-se na prevenção, protecção e preparação, incluindo sistemas de previsão e de alerta precoce, tendo em conta as características de cada bacia ou sub-bacia hidrográfica”.
João Paz