Sofia Cascais, natural da ilha Terceira, tem 33 anos, e está a trabalhar em Estugarda, na Alemanha, como generalista 3D de efeitos visuais. Já fez parte de equipas que trabalharam em grandes produções, como o filme “Shazam 2” e a primeira temporada da série “House of the Dragon”, o spin-off de “A Guerra dos Tronos,” pelo qual ganhou um prémio BAFTA.
A jovem açoriana estudou os dois primeiros dois anos do curso de Arquitectura na Universidade dos Açores e os restantes no Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE. Fez o primeiro ano de mestrado em ERASMUS, na Alemanha, voltando novamente a Portugal para fazer a sua tese. Começou a trabalhar na área de Arquitectura com um estágio quando o projecto do Ecomuseu do Corvo iniciou. Depois desta primeira experiência, Sofia Cascais não sabia bem o que queria fazer a partir dali, como tantas vezes acontece com os jovens. Só tinha a certeza que queria melhorar os seus conhecimentos em 3D para aplicar na sua actividade na Arquitectura.
A partir deste ponto, a terceirense começou um percurso que a levaria a trabalhar em grandes estúdios da indústria dos efeitos visuais. Em 2018 inscreveu-se na Odd School, em Lisboa, onde melhorou os seus conhecimentos e competências em Photoshop, 3D e em Zbush. Foi nessa escola que Sofia Cascais descobriu a potencialidade e as oportunidades que a área dos Efeitos Visuais podia oferecer: “Eles tinham cursos avançados mais dedicados para a área de VFX e modulação 3D, e apercebi-me que aquilo também era uma saída possível no mercado de trabalho,” lembra. Depois, nessa instituição de ensino, tirou o curso avançado de Modelagem e Texturização 3D, optando por fazer uma pausa na Arquitectura.
Após terminar o curso avançado em 3D e da pausa provocada pela pandemia, começou a trabalhar na área, em Braga, na Nu Boyana Portugal, estúdio de efeitos visuais, em 2020.
Depois desta primeira experiência, a artista 3D teve oportunidade de ir para o estrangeiro trabalhar, para o estúdio PIXOMONDO, em Estugarda, na Alemanha, para trabalhar na série da HBO “House of the Dragon”, spin-off de “A Guerra dos Tronos,” do mesmo universo. Naquele estúdio, a açoriana teve também oportunidade de trabalhar nos filmes “Shazam! Fúria dos Deuses,” “Sangue e Ouro” e “Gran Turismo”, todos estreados este ano.
O trabalho realizado em “House of the Dragon” valeu um prémio BAFTA à equipa de Sofia, em concurso contra outras grandes produções, conta, explicando a sua colaboração nesta grande equipa: “Neste projecto fiz a modulação (modelling) e texturização (shading) dos cenários (environment). Fizemos cidades inteiras para a série. A modulação é a criação dos modelos 3D. O shading consiste em aplicar as texturas e dar os reflexos corretos e as coisas estarem com o aspecto o mais realista possível. Há muitas coisas a acontecer, mas para o trabalho ter depois, no final um bom aspecto, tem de se dividir isto em pequenas partes. Éramos uma equipa de várias pessoas, porque aquilo dá muito trabalho. Modelamos os cenários todos.” No estúdio em que estava, mais um esteve a trabalhar nos Efeitos Visuais da primeira temporada desta série. “Tivemos sorte, porque este ano havia muitos bons projectos. Havia também a série do “Senhor dos Anéis”, por exemplo. Portanto, havia ali concorrência a sério.”
A generalista 3D explica que a equipa de Efeitos Visuais pode fazer os cenários do zero, ou, se a equipa de filmagem gravar parte de um cenário real, os Efeitos Visuais fazem o resto, ou seja, a extensão daquele ambiente. “Onde os actores estão a ser gravados até pode ser real em algumas partes, como a porta de um castelo, mas depois todo o resto pode ser criado em 3D.”
Entretanto, conta, mudou-se para o estúdio RISE, também em Estugarda, por ter recebido uma proposta melhor. “Não foi muito planeado. As coisas foram acontecendo. Não conhecia esta indústria. Em Portugal não há muito e não se fala muito, e nos Açores ainda menos. É uma possibilidade. Dá trabalho, mas é gratificante.”
Efeitos Visuais é uma área muito
exigente e requer espírito de
trabalho em equipa
Sobre o seu dia-a-dia, Sofia Cascais explica que, como é generalista, faz um pouco de tudo, dependendo do trabalho que é pedido e nunca há certeza, em concreto, que trabalho será preciso fazer no dia seguinte: “Estamos, basicamente, sempre à frente do computador e os supervisores dão tarefas e temos de as completar. Os supervisores vão dando notas. Eventualmente, o trabalho é mostrado ao cliente. Depois é sempre este para trás e para a frente para tentar melhorar e para tentar corrigir erros que vão aparecendo. São várias pessoas a trabalhar na mesma coisa, portanto tem de haver sempre uma coordenação entre os elementos. Isto é um trabalho de equipa bastante complexo, entre artistas, entre os coordenadores. E depois também tem a parte do cliente que aprova ou não, e se gosta do trabalho que fazemos. O problema é que, às vezes, não é só o não saber que tarefas te vão dar, a maior parte do trabalho é resolver problemas. Há coisas que não estão a funcionar. Há situações que não filmaram bem, ou que pensaram que ia funcionar de certa maneira e não funciona, e o nosso trabalho é tentar arranjar uma solução e testar, e modificar, e fazer com que aquilo pareça real, ou dependendo do que o cliente quer. Temos de arranjar soluções para os problemas que nos vão aparecendo. É sempre uma incógnita o que vai acontecer.”
Sobre a exigência, a conta que “depende da empresa, depende dos projectos que se está a fazer. Mas sim, é exigente. Para alem de teres de ser bom, também tens de trabalhar sob pressão, porque às vezes as coisas têm de ser feitas para ontem. Tens de aguentar a pressão do dia-a-dia, fazer as coisas rápido e bem e arranjar soluções.”
“Daquilo que vemos no cinema
e na televisão, é possível qualquer
um trabalhar naqueles projectos”
De acordo com a terceirense a viver em Estugarda e da experiência que tem tido no estrangeiro, trabalhar nos Efeitos Visuais é acessível a todos os jovens açorianos e que “seria interessante haver mais pessoas a tentar trabalhar nesta área. É uma área diferente. Dá uma certa independência. Dá oportunidades de trabalho, no estrangeiro, e depois, se calhar, cá. Depois tem uma recompensa enorme, que é o trabalho que estão a fazer resulta em grandes produções internacionais em que, normalmente, não teriam oportunidade de trabalhar. É possível. Aquilo que vemos no cinema e na televisão, é possível qualquer um trabalhar naqueles projectos. Dá trabalho, mas é possível. Eu não tinha essa noção. Qualquer pessoa pode fazer, é preciso é trabalho. É gratificante, depois, ver as coisas feitas. E é um trabalho de equipa. É impossível uma pessoa sozinha fazer aquilo. Por isso é importante ter também este espírito de equipa.”
Existem escolas com cursos de VFX, e começam também a haver cursos universitários, explica. “Além disso, da mesma maneira que se pode trabalhar à distância, também existem cursos a nível internacional que se podem fazer remotamente. Para além dos cursos académicos, há workshops e pequenos cursos de um mês ou dois, para iniciantes.”
No que toca às oportunidades de trabalho, que são muitas no estrangeiro, segundo a açoriana, a indústria de Efeitos Visuais em Portugal é pequena e não é tão bem paga como lá fora. Cá não existem muitas empresas na área, e as que existem têm projectos pequenos. “Mas, felizmente, principalmente por causa da Covid, neste momento também é possível ser freelancer nesta área. Ou seja, há pessoas que podem estar a viver em Portugal e a trabalhar em estúdios na Europa. É mais difícil e normalmente deixam isso para as pessoas mais experientes, mas é uma possibilidade. Na verdade, há certas alturas em que estou a trabalhar a partir da Terceira. Levo o meu computador, acesso ao da empresa e estou a trabalhar. Não é sempre. Durante umas semanas permitem-me ir a casa. Por isso, é que acho que é uma pena não haver uma aposta maior nesta área. É difícil porque estamos a competir com pessoas de todo o mundo. Conheço pessoas de todo o lado, que trabalha nisto, e eles são muito bons, e as empresas querem contratar os melhores. Depois é como tudo, é uma questão de trabalho, e vai-se melhorando aos poucos. Acho que os jovens açorianos aí deviam começar a investir, no sentido de estudar e trabalhar, e entrar nesta área.”
No entanto, alerta a jovem, é um pouco difícil entrar na área, sendo que muitas vezes as empresas dão prioridade a quem tem experiência. “Na Alemanha eles normalmente vão buscar pessoas às escolas alemãs, que eles já conhecem, porque há programas de estágio. Ou seja, eles entram nas empresas por estágio, e alguns vão ficando. Para quem vem de fora, é um pouco mais complicado. Ou tens de ser muito bom, ou, por exemplo, alguém te recomendar. O primeiro passo de entrar na indústria é difícil. A partir daí, torna-se um pouco mais simples. A pessoa tem de ser competente, tem de ser bom naquilo que faz. Se conseguires entrar na indústria, há muito trabalho disponível. Existe muita oferta de trabalho.”
Da vivência na cidade alemã de Estugarda, Sofia Cascais conta que “não é uma cidade muito grande, mas tem transportes impecáveis. Consegues ir para todo o lado. Não falta nada, a nível de serviços e de comércio. Estugarda fica no meio de pequenas colinas, portanto há floresta à volta. Também tem vinhas, na altura do Verão. Depois há a questão do alemão. Depois há a questão do alemão. Aqui também falam em Inglês, mas é preferível se souberes um pouco de alemão para o dia-a-dia e ir à loja. No trabalho falamos em Inglês, portanto nessa parte não há problema.”
Questionada sobre se gostava de trabalhar a partir dos Açores, Sofia Cascais sente que gosta dos momentos em que trabalha à distância, a partir de casa, mas reconhece que a trabalhar presencialmente, “aprendes muito no estúdio, com os teus colegas ao lado, porque estás a discutir os problemas, perguntas. Evidentemente também podes fazer isso por vídeo chamada, mas continuo a achar que há uma certa união e uma certa inter-ajuda que não consegues remotamente. Para mim, funciona muito bem estar no estúdio, mas claro com o benefício de, vez em quando, poder ir a casa e estar com a minha família e com os meus amigos. Acho que é um compromisso bom passar aqui a maior parte do tempo a trabalhar no estúdio com o resto da equipa, mas ter também essa facilidade de conseguir passar algum tempo ai também.”
Sobre os projectos que tem entre mãos neste momento, a artista 3D nada pode desvendar, mas revela que tem estado a trabalhar em filmes, para além de “muitas outras coisas interessantes que hão de vir.”
Mariana Rovoredo