Correio dos Açores – Qual é a importância da língua na integração da comunidade surda?
Ana Madeira (Docente de Língua Gestual Portuguesa) – A integração é importante porque resulta da inclusão. É muito importante que as crianças, os adolescentes e os adultos surdos tenham o sentimento de estarem integrados na comunidade. Para isso, é necessário que as outras pessoas tenham acesso à língua gestual, de forma a que a comunidade surda se sinta integrada, o que na realidade não acontece. As palavras integração e inclusão têm significados diferentes. Integração é inserir algo e inclusão é todos saberem o mesmo para existir igualdade.
Considera que devia haver mais formações para não falantes de língua gestual?
Sem dúvida. Devia haver mais acções de sensibilização e de formação. Já ensino língua gestual há alguns anos nas escolas, principalmente nas escolas de referência, porque temos surdos nestes estabelecimentos de ensino e eles têm que aprender a comunicar fora. Há muitos ouvintes que têm interesse em aprender, mas não temos uma disciplina opcional de língua gestual. Embora seja complicado integrar no currículo a disciplina, era muito importante que isto viesse a acontecer.
Tem-se constatado um aumento no número de falantes de língua gestual?
Ainda não se verifica um aumento significativo das pessoas falantes de língua gestual. Na ilha de São Miguel, especialmente nos serviços, é raro haver alguém que saiba língua gestual. Há uma maior sensibilização em relação à língua, mas ainda não existem muitos falantes. Todavia, na ilha, não me sinto tão discriminada em comparação com o continente, em alguns serviços.
Em sua opinião, qual seria a melhor forma de melhorar essa comunicação?
Deveria haver formações específicas para cada área. Por exemplo, formação nos bombeiros e na Saúde. Ou seja, as bases são dadas nas escolas, mas deveria haver formação de língua gestual portuguesa nas diferentes áreas.
A língua gestual é uma linguagem universal?
Não há língua gestual universal. Cada país tem a sua própria língua gestual. Acrescento, ainda, que a língua gestual portuguesa também tem os seus regionalismos, que variam consoante a região do país, à semelhança dos sotaques que existem na língua portuguesa.
É uma língua difícil de ensinar?
Depende da pessoa. Se está mais aberta e com vontade de aprender. Diria que é como aprender qualquer língua. É necessário muita prática e contacto com a comunidade surda.
Qual é a faixa etária que mais se esforça por aprender língua gestual?
Normalmente são os mais jovens, embora não seja a pessoa mais indicada para responder a esta questão, uma vez que apenas dou formação nas escolas. No entanto, são maioritariamente os jovens que se dirigem à associação para ter formação. Dou, sobretudo, aulas ao primeiro ciclo, pelo que é esta a faixa etária a que estou habituada.
Sente que há alguma discriminação para com a comunidade surda no meio escolar?
Existe um pouco. Em São Miguel não sinto muita discriminação porque já temos a língua gestual há muito tempo na escola e os alunos já conhecem, e vão tendo contacto com a língua. Além disso, estou também integrada na turma de ouvintes e eles têm contacto a tempo inteiro com a língua gestual. Ou seja, já é algo que está mais normalizado.
Numa turma de ouvintes, os alunos contactam com a sua língua diariamente. Já os surdos têm contacto com a língua gestual no primeiro, segundo e terceiro ciclos. Actualmente, na pré-primária e no primeiro ciclo, estamos a insistir para que os professores fiquem o tempo todo a dar aulas aos alunos e fazemos articulação com os professores para terem contacto, durante todo o dia de aulas, com a língua gestual.
Se querem ter o rótulo de inclusão e se os ouvintes têm contacto o dia todo com a sua língua, porque é que os surdos não hão-de ter também?! Isto acaba por ter um pouco de destaque. É o impacto. As pessoas têm que pensar que os surdos precisam de ter acesso à sua língua durante todo o tempo de aula.
Que outras acções se poderiam desenvolver para haver uma maior integração da comunidade surda?
Acima de tudo, tem que haver uma mudança de mentalidade na sociedade. Eu, como pessoa surda e cidadã, sinto que existem pessoas com a mentalidade muito retrógrada, que olham para as pessoas surdas como sendo diferentes. Nós somos pessoas iguais às outras. A meu ver, o que se pode fazer diz respeito à parte da sensibilização. Sensibilizar o maior número de instituições possível, sejam estas públicas ou privadas, para o facto de que nós somos normais. Temos uma língua, uma cultura e uma identidade que a maioria das pessoas desconhece e isso é algo que deveria ser respeitado.
Já foi vítima de discriminação?
Quando era mais jovem sim. No entanto, agora, na vida adulta não sinto isso. O que acontece, pontualmente, é uma falha de comunicação nos atendimentos. Por vezes, tenho de pedir para a pessoa falar mais devagar ou para escrever o que quer dizer. Por exemplo, já me aconteceu pedir a alguém, na área da Saúde, para escrever o que está a dizer ou para falar mais devagar e a pessoa que me atende dizer que não o vai fazer, por ser uma perda de tempo…
Na generalidade, sei que existem casos de discriminação, mas o que existe essencialmente são falhas de comunicação.
Quer deixar alguma mensagem neste dia?
Quero dizer que a língua gestual portuguesa não é algo assustador. É uma língua como tantas outras que se podem aprender, tal como o Inglês ou o Francês. Quero deixar um apelo às pessoas para aprenderem a língua gestual portuguesa, porque sinto que isto vai ajudar na inclusão das pessoas surdas.
Frederico Figueiredo