FACE A FACE!... com Teresa Medeiros

“Os meus pais foram sempre um ‘farol’ e minha avó uma professora fabulosa”

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Professora Teresa Medeiros - Bem, essa pergunta ficaria melhor a quem me conhece muito bem. Mas, em síntese, poderia dizer que nasci na ilha do Faial, que sou professora universitária, psicóloga há quase quatro décadas, sou esposa e mãe. Profissionalmente, adoro ser professora e investigadora. Talvez pudesse acrescentar que tenho uma elevada auto-estima, sou resiliente e muito determinada, gosto muito de viver, e parte do meu propósito da vida é a ajuda, sempre que possível, o sentido do dever e a cultura do trabalho. Ao longo da minha trajectória de vida, passei por situações limite de saúde, as quais me fizeram reflectir sobre a mortalidade e sobre a efemeridade da vida.

Fale-nos do seu percurso de vida.
Comecei a trabalhar muito cedo, para os padrões actuais, com apenas 18 anos, como professora dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. Confrontada com as dificuldades de aprendizagem escolar e a pobreza dos alunos, resolvi estudar mais para melhor ajudar as crianças e os adolescentes no futuro. Na altura pensava, tal como hoje, que a formação deve ser contínua e que nos devemos desafiar a nós próprios e sair constantemente da nossa zona de conforto. “Desinstalar” foi sempre o meu mote profissional. 
Deixei o ensino e fui, então, para a Universidade de Coimbra tirar a licenciatura em Psicologia (mais 5 anos). Tive uma formação em Coimbra com mestres de uma escola clássica e vivi essa experiência intensamente como estudante, pessoa e aprendente. Fiz estágio no Centro de Estudos e Profilaxia da Droga (CEPD), na equipa de Prevenção Primária de Toxicodependências em Meio Escolar de Coimbra. Ainda hoje vejo o quanto eram inovadoras a preocupação e acção na prevenção primária (precisamos de voltar a saber fazer e muito bem). 
Regressei aos Açores. Troquei a possibilidade de ficar como assistente na Faculdade de Psicologia de Coimbra pela Escola de Enfermagem de Ponta Delgada, porque tive a sorte de ser desafiada pela Directora, enfermeira Eduarda Santos Cordeiro, que me disse que era uma grande responsabilidade ser professora numa escola que preparava profissionalmente para lidar com a vida, o sofrimento e a morte e durante um mês deu-me um cartão de livre acesso ao hospital (HDES) e à Casa de Saúde para eu avaliar se estava preparada. Uma profissional visionária. Foi uma experiência profissional verdadeiramente impactante. Cerca de 16 meses mais tarde, abriu um concurso na Universidade dos Açores (UAc) e eu entrei para a carreira docente, então como assistente estagiária. Fiquei logo com um número muito elevado de estudantes. Lembro-me que cheguei a ter alunos sentados no chão, porque o anfiteatro ficava repleto. Valeu-me então a minha experiência anterior de ensino. 
Seis meses depois, abriu o primeiro Mestrado em Educação (com especialização em Psicologia da Educação) na Universidade de Coimbra, e eu voltei a “desinstalar-me” e fui, recém-casada, fazer o mestrado. Tive excelentes condições por parte da UAc para continuar a minha formação e aproveitei-as. Nos três anos que estive em Coimbra fiz o mestrado, fiz uma pós-graduação em Psicologia Clínica Infanto-Juvenil e recolhi os dados já para o Doutoramento. Regressei à UAc, fiz o Doutoramento mais tarde e submeti-me aos concursos e provas requeridas para progressão na carreira universitária. As provas mais duras foram as provas de agregação que são provas realizadas ao longo de dois dias, pautadas por grande exigência e avaliadas por um júri nacional. Fiz estas provas em 2006, um ano após ter tido um AVC. Foi um tempo pessoal muito difícil em que lutava para recuperar os movimentos e a linguagem e só a minha persistência, resiliência e o apoio da minha família e dos meus mestres do tempo de Coimbra me fizeram avançar. Quando as pessoas pensavam que eu me ia reformar, dei o passo mais temido na academia – as provas de agregação. Passei a professora catedrática de Psicologia, de nomeação definitiva, em 2010.

Como se define a nível profissional?
Creio poder classificar-me como responsável, dedicada, exigente e com grande sentido do dever e do rigor, mas estou sempre pronta a ajudar. Tenho a nítida consciência que um professor deve ser um modelo de referência. E o que fazemos, ou não fazemos, tem sempre grande impacto.

Quais as suas responsabilidades?
Já tive muita responsabilidade na gestão universitária. Entre outros cargos, fui Pró-Reitora durante os mandatos dos professores Vasco Garcia, Avelino Meneses e Jorge Medeiros e fui Presidente do Conselho Científico da nossa universidade mais de três anos, até à cessação deste órgão há cerca de um ano. Hoje, tenho a obrigação de exigir a mim mesma o ser exemplar no desempenho das minhas funções como professora e investigadora, porque quando olho para os meus alunos vejo a esperança. 
Exijo a mim própria o desafio de formar para a diversidade, a diferença, a resiliência. Sinto que tenho a obrigação de desafiar os estudantes para o pensamento divergente, crítico e reflexivo. 
Hoje, mais livre de provas e de cargos, gosto cada vez mais de dar aulas, de envolver os estudantes no seu próprio processo de aprendizagem, de responsabilizá-los em modelos mais criativos, de os pôr a pensar, mas também de co-criar com eles climas mais positivos de desenvolvimento e aprendizagem. 
Temos que entrar num segundo paradigma do Processo de Bolonha, muito mais centrado no estudante, e em cada um. As universidades ainda estão muito centralizadas na burocratização e em modelos tradicionais de ensino e em lideranças verticais. Sou apologista da mudança. Afirmo, há vários anos, que as instituições que não cuidarem das pessoas não vão sobreviver. Escrevi em janeiro de 2022, a propósito da Universidade dos Açores: “O nosso maior tesouro são as pessoas. A qualidade está no empenho, na motivação intrínseca, no rigor e na capacidade de criar redes”. Continuo a pensar o mesmo. A maior riqueza (o maior património) das instituições são as pessoas – não o dinheiro ou as infra-estruturas.

Que importância tem a família?  
A família foi e é para mim central na minha vida, quer a família que constitui, quer a família alargada. A minha família nuclear tem clara primazia na minha vida – são verdadeiramente fulcrais e muito significativos; somos autênticos e unidos. Temos laços fortes e ajudamo-nos intrinsecamente. Depois, indo para os meus antepassados, e fazendo uma retrospectiva, posso afirmar que a minha avó materna, que era professora, teve uma grande influência em mim. Os meus avós viveram sempre connosco. Fomos uma família com a riqueza intergeracional. A minha avó faleceu quando eu tinha 16 anos e o meu avô quando eu tinha 5 anos. Éramos uma família harmoniosa com muito respeito uns pelos outros, cujo lema era a inter-ajuda e a ajuda para fora de nós (núcleo central). Havia sempre alguém na nossa casa que tinha vindo estudar de outra ilha ou de uma freguesia, já que morávamos numa zona central da Horta e ajudar fazia parte do ser e do estar em família, como princípio e como valor. Eu diria que a minha avó Emília foi mesmo a matriz na minha infância, dado que me ensinou muito. Ensinou-me a ler muito antes de eu ir para a escola, a ler como um jogo de descoberta fascinante – conseguiu que eu folheasse o dicionário como abertura para o mundo do conhecimento. Tendo eu apenas 5 anos ensinou-me a fazer croché e desenvolveu a minha curiosidade ao máximo: contava-me estórias (e muitas sobre a vida), conversava sobre História apelando ao imaginário de aventura, lia muito para mim. E ela, com o seu exemplo, ensinava a ter compaixão. Era uma professora fabulosa, mas sempre “impondo” o sentido do dever, a correcção, o esforço, a seriedade, a conquista prazerosa de ultrapassar as dificuldades. Passou-me a mensagem de que não havia diferenças entre os sexos e que as mulheres conseguiriam o que ambicionassem com esforço. Olhando para trás, vejo o quão inovador isto era. Casou com um homem extraordinário, de que só tenho representações mentais através do “olhar” doce da minha mãe.  Esta minha avó reformou-se quando eu nasci, de modo que se centrou muito em mim, porque nessa altura a minha irmã já estava na escola e o meu irmão tinha acabado de nascer. Era uma mulher austera, muito correcta e paradoxalmente doce. Os avós paternos também eram gentis e serenos, mas não viviam na nossa casa.
Os meus pais foram sempre um enorme suporte referencial na minha vida – um pilar chave e um “farol” que me indicou, desde muito cedo, os caminhos possíveis a seguir, dando-me grande liberdade, mas uma imensa responsabilidade. Tive o enorme privilégio de ser oriunda de uma família muito feliz. A minha mãe, professora de profissão, também foi sempre uma artista que imprimia harmonia de cores, materiais, objectos e afectos positivos à sua volta. O falecimento muito recente do meu pai abalou-me muito psicologicamente, mas continua dentro de mim, diariamente. Era uma pessoa com vários tipos de inteligências, desde a abstracta à emocional, passando pela social e espiritual. Dotado de grande sabedoria, cada conversa com ele remetia-me, nestes últimos anos da sua vida, para o que realmente é importante e importa investir. Tinha quase 95 anos. Falaria horas sobre o quão sou felizarda por ter vivido sempre rodeada de amor.
Voltando à questão, a família de hoje, com vários tipos, é sempre família, ou seja, tenha o formato que tiver, o mais importante é o amor e com ele o respeito, o perdão, o apoio e o suporte. Eu fiz uma pós-graduação sobre Família (na famosa Escola de Navarra, em Espanha) e também lecciono uma unidade curricular intitulada “Modelos de Intervenção Psicológica em Famílias e Redes”, de modo que, na primeira aula, digo aos estudantes que não há famílias perfeitas e que sem juntarmos dois “Eus” para constituirmos um “Nós” não há harmonia para constituição da família, aliás, na senda do que já os meus mestres me transmitiram. Mas devo precisar que, por outro lado, a questão pode remeter para uma dicotomia entre a família de antes e de agora, eu nunca gosto de clivar entre o antigamente - bom - e na contemporaneidade - mau. Sempre houve desafios e continua a haver nas famílias e nas sociedades. Acredito muito nos jovens (as famílias do amanhã), aprecio a sua autenticidade e arrojo. Aprendo muito com eles.

Que importância têm os amigos na sua vida?
Os meus amigos são fundamentais. Os verdadeiros amigos estiveram e estão sempre lá. Também nisso sou privilegiada, porque tenho muito bons amigos aqui na Região e pelo mundo. Nos últimos anos tive três grandes amigos muito especiais que faleceram e foi tremendo para mim. Ainda estou a elaborar o luto “físico” deles. Um foi o meu orientador de sempre, o Professor Carlos Amaral Dias. Tínhamos conversas profundas. Ensinou-me muito.
Pensando em amigos, o pior luto é pelos amigos vivos. É uma experiência bem dolorosa, mas faz-nos crescer. Não imagino a minha vida sem amigos. São os meus “não ‘eus’, mas um pouco de mim”. Tenho também noutro patamar muitos conhecidos. Depois há aqueles “pseudo-amigos” que se aproximam numa determinada altura só por interesse, mas aprendi a identificar rapidamente, a fingir que não percebo, mas agora não perco tempo... A vida é demasiado curta para dar importância ao que, de facto, não tem importância.

Para além da profissão, que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?
Gosto muito da descontinuidade. Acho que aprendi com o Thomas S. Khun e faço a minha própria “revolução íntima”. Quando estou muito cansada gosto de mudar a decoração, de pintar, de criar peças em vidro, de inventar uma refeição diferente. Preciso sempre de ter projectos novos e de me apaixonar por eles, mesmo que sejam coisas simples. Creio, aliás, que na simplicidade pode estar o encanto.

O que mais a incomoda nos outros?
Nos outros, incomoda-me, num primeiro momento, o egoísmo, o narcisismo, a prepotência, a arrogância, a inveja, mas depois desmonto (fazendo uma leitura psicológica) e percebo a fragilidade e a vulnerabilidade que está por detrás e vejo “as carapaças da rigidez” própria dos indicadores da pathos. Consequentemente, após feito este processo interior, não perco tempo emocional. Gosto muito mais de criar do que ficar presa ao que não gosto.

Que características mais admira no sexo oposto?
Vou reformular a questão, respondendo que o que mais gosto nas pessoas é a capacidade de empatia, a franqueza, a transparência, a autenticidade, a gentileza e a correcção, independentemente do sexo ou género.

Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?
Gosto muito de ler - percebe-se na minha história de vida porquê -, e já tenho uma estante cheia de livros para ler quando for para a reforma… muitos. Dizem que a nossa casa cheira a papel! Leio muito da área de psicologia, mas procuro sempre ler fora dela. Gosto de literatura, de ler sobre arte, de epistemologia, de um bom romance, de boa poesia e muito mais. Adoro biografias. No fundo, sou uma eterna curiosa. Posso partilhar o que estou a ler neste momento. Tenho, normalmente, dois livros ao mesmo tempo e a competir pela minha atenção. Neste mês, estou a lera a obra “Identidades”, de Francis Fukuyama, um grande pensador da actualidade que fez uma leitura sobre os conflitos mundiais, mesmo antes dos últimos acontecimentos, e “A ciência de brincar: como transformar um trabalho de curso num negócio de milhões”, da autoria de Miguel Pina Martins e Rui Hortelão, que plasma o esforço de um jovem recém formado – Miguel Pina Martins (quem eu não conheço, mas gostava de conhecer) muito resiliente com uma meta clara, a qual explica o sucesso do projeto/empresa/marca “Science4you”. Nesta última obra, estou a adorar ver reflectido aquilo que digo há muito tempo, no sentido da construção da excelência das organizações. Ri-me para dentro quando li que há, verdadeiramente, uma grande diferença entre chefes e líderes e que um líder envolve, partilha, elogia e rodeia-se dos melhores para a sua equipa… Eu diria que um líder não cliva, não afasta. Faltam-nos líderes mundiais, faltam-nos líderes em geral. E estes, quando existem, são preciosos na sociedade, em todos os sectores. A liderança, ou a falta dela (refiro-me aos tipos de liderança clássica: a democrática, a autoritária e a demissionária), tem sempre a ver com o exercício do poder e este está ligado à personalidade e ao carácter. Existe uma estreita relação entre a Psicologia (e a psicopatologia) e o exercício do poder.

Como se relaciona com o manancial de informação que inunda as redes sociais?
Nunca chego a ter tempo para as redes sociais. Para mim não são prioridade. Prefiro um bom abraço. Não tenho interesse em apreciar as fotografias dos pratos dos outros, a marcação diária do que fazem, entrando na intimidade. Eu tenho as minhas redes humanas face to face e com uma vida muito ocupada não tenho tempo para outras redes.

Como lida com as notícias falsas e com as redes sociais?
Esta é a parte perniciosa da comunicação. É grave e reflecte o pior do ser humano. Na minha vida escolhi a tranquilidade e, neste momento, não me atormento. A minha própria proximidade com a morte, em tempos, e a morte de pessoas que me são muito queridas (digo no presente propositadamente) fez-me colocar as coisas da vida em perspectiva e regular muito melhor as minhas emoções.

Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?
Durante muito tempo as TIC’s foram um mito e uma utopia de prefiguração do futuro. Hoje são uma realidade que nenhuma área pode ignorar. No entanto, o essencial é a sua utilização com sentido de produtividade e utilidade ao serviço da melhoria da qualidade de vida, evitando mais as práticas adictas que já se instalaram e que em nada enaltecem a expansão de um grande número de sectores de negócio.

A inteligência artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação? 
Não sou nada alarmista. O ser humano teve sempre resistência à mudança. Quando vieram os computadores eu não sabia lidar com eles, quando vieram os e-mails eu não sabia o que fazer, hoje penso a escrever no computador e tenho várias contas. Isto faz parte da inteligência fluida e da capacidade de adaptação do ser humano. A inteligência artificial permite aumentar a qualidade de vida. Veja, por exemplo, a ligação com a Medicina e com o mercado de trabalho, possibilitando a optimização das organizações. Já lidamos com a inteligência artificial há tempos e não podemos esquecer que foi a inteligência humana, a criatividade e o arrojo que permitiram o desenvolvimento e maleabilidade da inteligência artificial em vários sectores, melhorando o seu rendimento e eficácia. São as múltiplas inteligências que irão permitir ainda muitas inovações, a par da capacidade regular para gerar equilíbrios, com a imprescindibilidade da ética. 

Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?
Gosto muito. Das muitas viagens que já fiz, houve uma que me marcou particularmente – uma ida a Havana, sozinha, durante apenas três dias, para um congresso. Marcou-me por vários motivos, um dos quais, porque tinha tido um AVC, havia muito pouco tempo, e tinha a consciência exacta que era muito arriscado viajar sozinha tantas horas, mas fiz a escolha de não ficar presa a um corpo doente. Durante a estada em Cuba, para além do congresso em si (quase igual em todos os sítios) foi muito impactante ir para o centro de Havana de Coco táxi observar a cidade – a arquitectura colonial espanhola do século XVI, infelizmente com alguns dos edifícios muito degradados – e experienciar, por curtos dias, um pouco do seu passado, da história, da luta… da música… falar com artistas, ouvir como viviam, ir aos mercados… Visitei uma galeria de arte, poucas horas antes de ir para o aeroporto, e nela conheci a própria pintora (mulher em torno dos 40 anos, magra de baixa estatura e muito tranquila), por sinal muito talentosa. Dotada de leveza, dignidade e profissionalismo. Explicou com olhar criativo cada produção sua. As obras de arte, impregnadas de movimento e musicalidade eram marcadas por um azul suave (quase monocromático) e um rosa sereno com laivos de esperança. Fiquei impressionada com as figuras humanas, porque providas de um pescoço anormalmente grande, como que punham o pescoço a espreitar para além daquele mundo. Perante o meu elogio sentido, confessou que já não tinha materiais para criar. Tocou-me profundamente. Acabei por dar quase tudo o que levava na viagem (medicamentos, canetas, perfumes, roupa, enfim o que podia deixar). Nunca me hei-de esquecer do contraste que vivi (externo e interno) e quão frustrada fiquei de não ter pinceis, tintas, mais lápis e canetas, mais esperança para dar… Nunca esquecerei.

Quais são os seus gostos gastronómicos? 
Gosto de vários pratos, tais como sapateira recheada, alcatra à moda da Terceira, feijão assado à moda do Faial e um bom goraz assado. Nunca escolho só uma coisa, um caminho!! Mas a minha experiência profunda gastronómica centra-se nos doces: a morcela de chocolate (da Terceira), o pudim de feijão (de S. Miguel), as espécies (de S. Jorge), as fofas (do Faial) e muitos outros doces conventuais da riqueza gastronómica açoriana. Gosto de muitos sabores, mas paradoxalmente, ou talvez não, dizem que como pouco.

Que notícia gostaria de encontrar amanhã no jornal?
Gostaria de ler na manchete de primeira página que o ser humano tinha finalmente aprendido a Amar e (consequentemente) a ser empático e a tomar uma consciência cidadã. Se assim fosse, não haveria os graves problemas da humanidade: os flagelos dos conflitos armados, as guerras e invasões, a pobreza extrema, a fome, a ganância, a destruição da Amazónia, a inconsciência climática, o desespero da emigração clandestina, a hegemonia dos mais fortes…

Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?
Não tomava uma, mas várias medidas. Em 2016, produzimos (eu e um grupo de alunos seniores que então frequentavam a Academia Sénior da UAc) uma carta cujo mote era “Se eu fosse Presidente”. Ela está muito actual e está publicada numa obra coordenada por mim “(Re)pensar as pessoas idosas no século XXI”. Tivemos resposta do Senhor Presidente da República, o que já foi bom... Essa carta deve ser revisitada, porque é um bom indicador para as políticas públicas, com vista a uma desejada sociedade mais justa e mais humana. No entanto, se me pedissem para centrar a minha actividade numa só acção, empreendia no futuro e criava um Centro de Conhecimento sobre Envelhecimento nos Açores (muito mais do que um Laboratório ou Observatório). Juntava os investigadores com os decisores e os cuidadores e, em conjunto, promovia acções integradas com base no conhecimento multidisciplinar, a começar pelas neurociências, passando pela geriatria, psicogerontologia, enfermagem, arquitectura, turismo, sociologia, serviço social, robótica, ciência de dados, serviços que prestam cuidados, etc. Fazia escuta activa… e integrava saberes e pessoas numa rede para o futuro. Os Açores, enquanto Região, são um paraíso para envelhecer, mas com humanização e humanitude.

Qual a máxima que o/a inspira?
A minha máxima (se é que ela existe) é uma pergunta que faço recorrentemente no meu diálogo interior: “Qual é o teu legado como ser humano?”

Em que época histórica gostaria de ter vivido?
Exactamente na época que vivo. Uma época vibrante, repleta de desafios, de incertezas e de complexidades, mas com o tesouro de muito conhecimento, muitas possibilidades e inovação diária.

Gostava de ser um participante activo?
Penso na política como Pólis e nessa participo muito activamente. Exerço a minha cidadania activamente, nem podia ser de outra forma. Não seria eu. Estou a fazê-lo nesta entrevista.

É uma das promotoras do projecto TURIVIVA+ que releva o turismo sénior a que já se chama a ‘economia de prata’. Que dimensão tem o turismo sénior nos Açores e qual a sua importância para o futuro do sector na Região?
Coordenámos dois projectos apoiados financeiramente pelo Programa 2020 Açores – os Projetos Tu-Sénior 55+ e o TURIVIVA+, ambos com equipas pluridisciplinares.
Foi-nos dado constatar que o turismo sénior é um segmento em forte expansão, que aliado ao progressivo envelhecimento das populações, em particular das ocidentais, configura um quadro de preocupações emergentes com a ocupação e bem-estar dos mais velhos. 
Mas assistiu-se também, nas últimas décadas, a um crescimento extraordinário da mobilidade espacial e ao aumento da longevidade com satisfatória qualidade de vida. A descoberta (ou redescoberta) de destinos não convencionais dotados de forte identidade e autenticidade veio potenciar a emergência de novos públicos nacionais e estrangeiros. Os Açores constituem um desses destinos. Na diversidade das suas nove ilhas, há espaços indubitavelmente aprazíveis e apetecíveis para visitar e usufruir, sem tempo, compatíveis com as motivações seniores e os amantes de natureza sustentável. 
Os públicos seniores são já uma importante fatia do mercado turístico no nosso arquipélago, com a vantagem de terem poder económico, tempo, motivação contemplativa e sustentabilidade no uso dos recursos. Neste sentido, a Região terá tudo a ganhar em saber antecipar-se à gestão desta tendência e desenvolver programas, conteúdos e formação compatíveis com as necessidades destes públicos. Cremos que os resultados dos projectos TU-Sénior 55+ e TURIVIVA +, espelhados em três livros e muitos artigos científicos, são uma boa base de ajuda para o sector (políticos, stakeholders e sociedade em geral).

Criou uma bolsa de mecenato americano. Com que entidades? Qual o seu objectivo?
Sim, ajudei a criar bolsas de estudo destinadas a estudantes açorianos, que frequentam a licenciatura ou o mestrado, ou a estudantes nacionais que estudam na Universidade dos Açores. O mecenas é o engenheiro Armindo Louro. As bolsas estão sedeadas no Centro Cultural da Caloura, devido à generosidade do casal Tomaz e Conceição Borba Vieira. Somos quatro voluntários no júri (trabalhamos gratuitamente, durante muitas horas), aos quais se juntam outros dois voluntários - profissionais de informática. Já se atribuiu muito perto das novecentas bolsas. Ontem, acabamos de seleccionar o grupo dos bolseiros deste ano. Atribuímos 45 bolsas, sendo duas de mérito e duas para estudantes com necessidades educativas especiais e as restantes de apoio social. Ontem, um dos membros do júri dizia-me “fico espantada com a esperança destes alunos, alguns com tantas dificuldades, órfãos, com pais doentes, desempregados… e, mesmo assim, com tanta força!”. São o nosso futuro. Temos de acreditar neles. Ficamos exaustos(as), mas felizes.

É investigadora nas áreas do envelhecimento e na área da “adultez emergente”. Qual o trabalho que desenvolve nestes domínios?
Bom, isso daria para outra entrevista. Desde 2003, quando criei o programa de Aprendizagem ao Longo da Vida na Universidade dos Açores (há 20 anos), que estudo o envelhecimento, particularmente o envelhecimento positivo, numa grande abrangência de temáticas. A entrada na investigação do turismo sénior foi apenas uma extensão. Quanto à segunda linha de investigação, desenvolvo estudos com outros colegas universitários há duas décadas. 
A “adultez emergente” é um conceito de Arnett (2000) para definir o período de desenvolvimento do estudante universitário tradicional (18-25 anos). Estando ligada, desde sempre, à Psicologia do Desenvolvimento, foquei-me neste grande tema, que é em si muito abrangente, e que vai desde a pesquisa dos desenvolvimentos cognitivo, emocional, social e espiritual dos estudantes, passando pelos modelos de aprendizagem, até a temas como a adaptação ao ensino superior, autoimagem, consumos de substâncias psicoativas, estratégias de coping e a práticas demindfulness. Entrei para esta linha de investigação pela mão do meu colega e amigo professor catedrático Joaquim Armando Ferreira, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, com quem trabalho há mais de três décadas. Ele fez doutoramento nos Estados Unidos e trouxe esta linha de investigação.
                                                  

João Paz
 


 

                                 
    

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Autor: CA

Categorias: Regional

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