CONTIGO é um programa pioneiro a nível nacional, que arrancou nos Açores em Janeiro de 2009, dirigido para uma intervenção sobre a violência conjugal abrangendo a vítima, o agressor e as respectivas envolventes familiares e comunitárias.
O programa CONTIGO faz parte do Plano Regional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica dos Açores, e até Abril deste ano já tinha intervencionado 691 indivíduos adultos indiciados ou condenados pela prática de um crime de violência doméstica ou conjugal. Actualmente estão a ser intervencionados 231 indivíduos mas mesmas condições.
E porque as vítimas também são uma equação neste programa CONTIGO, foram 360 as que tiveram contacto indirecto com este programa, juntamente com mais 60 que frequentaram o módulo psico-educacional do CONTIGO. É que, de acordo com a Secretaria Regional da Solidariedade Social, “se considerarmos que 60% dos indivíduos abrangidos de forma directa pelo programa mantêm uma ligação à vítima de violência (ou presumível vítima) é lícito afirmar que, de uma forma indirecta, o CONTIGO “interagiu” com um total aproximado de 360 vítimas. Por outro lado, de uma forma directa, frequentaram o módulo psico-educacional do programa, um total aproximado de 60 vítimas”, explica.
No entanto, apesar de todas as intervenções houve uma taxa de reincidência criminal de 14% dos agressores após frequentarem o programa CONTIGO até 2014, não se conhecendo os dados posteriores. Com esta taxa de reincidência, a Secretaria Regional da Solidariedade Social tem já em fase de execução um estudo alargado que, em 2018, vai abranger todos os indivíduos que terminaram o programa até Junho de 2016.
Dados a que o Correio dos Açores teve acesso dão ainda conta que a esmagadora maioria dos agressores concluiu a frequência do módulo psico-educacional do programa. Ou seja, 93% dos adultos indiciados ou condenados pela prática de um crime de violência doméstica ou conjugal concluíram o módulo psico-educacional, uma obrigação para quem participa no programa.
Em que consiste o Programa?
O público-alvo deste programa iniciado em 2009 são as vítimas e os agressores de violência conjugal, que já foram indiciados ou condenados pela prática de um crime de violência doméstica ou conjugal, bem como os respectivos contextos familiares e comunitários. O programa também se destina a estruturas organizacionais com intervenção regular sobre a problemática da violência conjugal e a comunidade em geral, de forma indirecta.
O CONTIGO pretende desenvolver dispositivos flexíveis e integrados vocacionados para a prevenção e combate à violência conjugal ou de género, através de um forte trabalho de cooperação e em rede, de âmbito sistémico.
Na prática, o programa é iniciado quando um indivíduo (homem ou mulher) é detectado pela PSP ou por organizações de apoio a vítimas de uma situação de violência conjugal. Segue-se depois uma “intervenção especializada de protecção e suporte à vítima e o eventual encaminhamento do agressor para o processo de reinserção social, mediante uma decisão judicial”.
Dá-se depois a adesão ao programa: os agressores mediante decisão judicial, enquanto as vítimas o fazem de forma voluntária. Só após é delineado para cada um dos intervenientes “um percurso autónomo” que implica “um processo de pré estabilização emocional e de “combate” a problemáticas aditivas quando tal se revele necessário (por exemplo: consumo exagerado de bebidas alcoólicas perpetrado pelo agressor). Este percurso delineado implica também a frequência de um módulo psico-educacional; e caso vítima e agressor co-habitem na mesma casa, “podem ainda participar em sessões de terapia familiar conjunta, que deverão envolver os eventuais descendentes do casal, face ao impacto negativo gerado, por ocorrências de violência conjugal”. Paralelamente, há lugar a uma forte monitorização da conduta do agressor, garante a Secretaria Regional da Solidariedade Social.
O grau de eficácia e eficiência do programa é depois avaliado a dois níveis. Primeiro, por núcleo interno agregando elementos técnicos da Direcção Regional da Solidariedade Social, Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e do Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica. Depois pela Universidade do Minho, numa fase inicial e actualmente pela Universidade de Coimbra, para uma avaliação externa.
Como começou?
De acordo com a Secretaria Regional da Solidariedade Social, em finais de 2008, a Procuradoria da República no Círculo Judicial de Ponta Delgada, o Instituto para o Desenvolvimento Social dos Açores, a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a Polícia de Segurança Pública e a Universidade do Minho, celebraram um Protocolo de Cooperação para a implementação prática do Programa CONTIGO.
Após um tempo inicial – fase de implementação de um Projecto-Piloto na Comarca de Ponta Delgada – a iniciativa foi alargada a toda Região no ano de 2010, quer por via da criação, pelo Governo dos Açores, de Redes Locais de Apoio a Mulheres em Situação de Risco na ilha Terceira e Faial (São Miguel dispunha já de uma estrutura de intervenção especializada sobre este domínio), quer por via da criação de Pólos Locais de Prevenção e Combate à Violência Doméstica nas restantes ilhas dos Açores.
Actualmente, estão consagrados todos os mecanismos necessários para uma eficaz implementação em primeiro lugar, de uma estratégia regional de prevenção e combate à violência doméstica e complementarmente, do Programa CONTIGO.
As entidades coordenadoras do programa são a Direcção Regional da Solidariedade e Segurança Social – Governo dos Açores e Instituto da Segurança Social dos Açores. Como entidades parceiras e co-gestoras surgem o Ministério Público, Polícia de Segurança Pública, Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Mas estão também envolvidas no projecto as unidades de saúde de ilha, instituições privadas de solidariedade com intervenção na área da protecção a vítimas de violência doméstica e/ou detentoras de respostas de combate à exclusão social.
Impacto do programa CONTIGO
a nível social e organizacional
Os dados apresentados pela Secretaria Regional da Solidariedade Social dão conta que o programa CONTIGO revelou-se, a nível nacional, o primeiro modelo específico de intervenção sobre a violência conjugal abrangendo vítima, agressor e respectivas envolventes familiares e comunitárias. O programa tem contribuído para oferecer “maiores níveis de protecção à vítima e aos descendentes algo que se associa ao facto de toda a Região deter recursos especializados para intervir sobre o fenómeno em causa, quer a nível técnico quer material (estão criados espaços abrigo para mulheres/crianças, vítimas de violência familiar, em 8 das ilhas dos Açores).
De acordo com a Secretaria Regional da Solidariedade Social, desde que foi implementado, o CONTIGO “potencializou uma muito maior denúncia de crimes de violência conjugal por força de uma maior identificação de situações de risco, quer pela divulgação da informação, quer pelo suporte técnico proporcionado a vítimas”. Além disso, tem permitido “uma maior capacidade de neutralização dos ciclos de violência doméstica – os agressores intervencionados diminuíram na sua grande maioria, quer o respectivo grau de tolerância e aceitação relativamente à violência conjugal, quer o respectivo grau de legitimação da violência pela sua atribuição a causas externas”.
Além disso, o programa “permitiu, em áreas muito específicas e pela primeira vez no espaço nacional, uma forte especialização de recursos – ao longos dos últimos anos, Ministério Público, Instituto da Segurança Social dos Açores, Direcção Regional da
Solidariedade Social, Polícia de Segurança Pública, Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais alocaram meios especializados para intervir sobre a violência conjugal/doméstica nos Açores”. O Governo Regional também realizou um forte investimento formativo sobre os profissionais das organizações com intervenção no domínio em causa.
A Secretaria indica ainda que o CONTIGO “cresceu” e um conjunto de organizações lideradas pela Direcção Regional da Solidariedade Social está a implementar desde 2012, o sub-programa IMPACTO que procura contextualizar uma metodologia interventiva sobre o impacto da violência de género sobre crianças e jovens.
O Programa CONTIGO já disseminou conteúdos interventivos para outras realidades geográficas como a Região Autónoma da Madeira e o Concelho de Cascais; e tem suscitado um interesse crescente de organizações científicas, nomeadamente do meio universitário, para análise/avaliação das respectivas dinâmicas e resultados, dado tratar-se ainda da única experiência nacional, com intervenção articulada na área da vítima e do agressor.