A sala recheava-se de profissionais de saúde internos e externos que se empenhavam em ouvir, aprender e perceber tudo o que tinham as oradoras para falar. A preocupação principal, no fundo, é partilhada: o mais importante é seguir uma dieta rigorosa e sem glúten no caso dos doentes celíacos para o seu próprio bem-estar.
Diana e Silva, nutricionista no Hospital Lusíadas – Porto, abordou o tema da aplicabilidade da dieta isenta de glúten no tratamento da doença celíaca e informou que estudos apontam para a relação entre problemas dentários e a doença celíaca, sendo certo que se verificou que uma “elevada percentagem das crianças e adolescentes que apresentavam alterações na cavidade oral, de entre as quais úlceras aftosas e alterações de esmalte, [revelaram] numa primeira fase dos resultados uma melhoria significativa aquando da introdução da dieta” isenta de glúten.
Por isso, a nutricionista afiança que é importante “ter em atenção as queixas dos clientes em relação a estas situações. Ou seja, a medicina dentária tem que ter sensibilidade quanto a esta área”. Além do dentista, diz também Diana e Silva que têm que estar atentos os clínicos, pediatras, nutricionistas e todos os profissionais de saúde em geral para perceberem se a dieta dos seus pacientes está a ser seguida devidamente em caso de permanência da doença não obstante a dieta.
A nutricionista alerta para o facto de se ter tornado moda comer produtos isentos de glúten e diz que isto pode ser um problema. “Pesquisamos na internet, no Facebook e no Youtube e lemos que fazer dieta sem glúten emagrece, que está na moda; que se não comermos mais glúten a partir das 17h00 perdemos peso no dia seguinte e que se não o ingerirmos à noite temos menos meio quilo no dia seguinte. [É o que dizem muitas celebridades], porque agora é muito in não comer glúten. Mas não podemos brincar com a vida das pessoas, pois podemos prejudicá-las involuntariamente. Isso é muito perigoso, porque há pessoas que podem não comer glúten [por influência] destas informações que não são filtradas. É preciso atenção e cuidado com as redes sociais. Além disso, há profissionais que podem fornecer informações de fonte segura”, confirma a nutricionista, alertando para o facto de as pessoas não se deixarem levar por informações falsas. No entanto, Diana e Silva diz que, naturalmente, qualquer pessoa pode fazer uma alimentação isenta de glúten só porque isso a faz sentir melhor, não deixando de fazer o rastreio da doença celíaca para ter a certeza de que não sofre da mesma.
Ainda sobre a dieta, a nutricionista alerta que retirar o glúten da alimentação implica extrair “cereais cuja composição é importante para o nosso equilíbrio nutricional. Até mesmo nas crianças e adultos, estes cereais têm o teor de vitaminas e minerais que são fundamentais para manter o equilíbrio nutricional. Assim se conseguirmos este equilíbrio vitamínico e mineral, com uma alimentação equilibrada, não será necessário suplementar o doente celíaco em vitaminas e minerais. O rigor da dieta é fundamental para garantir na criança e adolescente um crescimento e desenvolvimento adequados e no adulto uma qualidade de vida e de saúde fundamentais para o seu equilíbrio”.
Apesar de estarem em decurso diversas investigações e ensaios, em fase I e II ainda, sobre alternativas à dieta isenta de glúten, Diana e Silva garante que, para já, “não há outra forma de tratar o doente celíaco senão com a dieta. Há que ser muito rigoroso com isso, porque fracções pequenas de glúten na ingestão dos alimentos pode ter um grande impacto na saúde das pessoas.
Conta-nos, ainda, a nutricionista que “profissionais de todas as áreas têm trabalhado para identificar locais com credibilidade que as pessoas possam frequentar, porque qualquer celíaco tem que ter uma vida social com segurança alimentar como qualquer um de nós.
Alertando para a importância de os celíacos comerem muita fruta e legumes, Diana e Silva garante ainda que é dos profissionais de saúde a “responsabilidade de alertar os doentes para estas questões” relacionadas com a dieta isenta de glúten e para os perigos que existem à volta da mesma. Diz a mesma profissional de saúde que é preciso perceber “o que leva o doente a não cumprir a dieta, a ficar triste por se achar diferente dos outros e em que áreas é preciso dar mais apoio a estes doentes”. Não sem menos importância, a nutricionista realça que é importante encontrar respostas para as seguintes questões: “em que família é que estas crianças e adolescentes [com doença celíaca] estão integrados? Que grau de literacia e de conhecimento têm estas famílias sobre a doença? Como podem as nossas escolas apoiar os doentes celíacos? Os nutricionistas que estão à frente das câmaras e das escolas apoiam estes doentes?”
Diana e Silva garante que é só com reunião de conhecimentos e de esforços que se poderá mudar o paradigma no futuro e conseguir “o que muitos países já conseguiram nesta área, [preconizando] uma vida saudável para estes doentes”.
Em seguida, foi a vez de ouvir o que nos tinha Bela Franchini, nutricionista na Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Faculdade do Porto, a dizer sobre rotulagem alimentar e protecção do doente celíaco.
A nutricionista explicou que, no âmbito das alterações que – ao longo dos anos – a legislação tem sofrido, diria que existem cidadãos consumidores celíacos e não doentes celíacos, uma vez que muitas pessoas não ingerem glúten por opção e outras são apenas intolerantes ao mesmo. A palestra da médica teve como foco principal a explicação da rotulagem alimentar, porque “o enquadramento legal diz-nos que é obrigatório conter [rótulos] em qualquer género alimentício, isso porque a partir de 2013 os géneros alimentícios isentos de glúten deixaram de ser géneros destinados a uma alimentação especial e passaram a ser de consumo corrente com características especiais”.
Assim sendo, “é obrigatório um rótulo conter, por exemplo, o lote, a denominação do género, a lista de ingredientes, a indicação dos alergénicos, a quantidade determinada dos ingredientes, a quantidade líquida e a data. Para o doente celíaco, o que vai importar é a lista de ingredientes, a indicação dos alergénicos e como deve ele ler a lista de ingredientes”, explica a médica.
É importante referir que na mesma palestra se proferiu que os “alergénios considerados pela União Europeia vão desde os cereais que contêm glúten, e produtos à base destes cereais, até aos moluscos e seus produtos”. A médica aconselha aos doentes celíacos a terem “atenção ao trigo, ao centeio, à cevada e à aveia e seus derivados. Cuidado que a palavra glúten [não é mencionada], mas sim o cereal que contém glúten, o qual vem enfatizado, a negrito, daí a dificuldade na leitura da lista de ingredientes”, salienta Bela Franchini.
A enfatização dos produtos que contêm glúten pode, também, vir em letras maiúsculas ou em sublinhado. A nutricionista pede atenção aos casos de ingredientes ocultos, pois pode não se compreender se há glúten ou não, dando-se o risco de contaminação cruzada.
De forma voluntária, as fábricas podem apresentar nos produtos que lançam no mercado, sobre os quais são responsáveis, menções como isento de glúten, teor muito baixo de glúten, produto adequado para pessoas com intolerância ao glúten ou com doença celíaca, especialmente formulado para pessoas com intolerância ao glúten ou com doença celíaca. Tais informações têm gerado alguma confusão, porque o consumidor ou doente celíaco tem que cruzá-las e interpretá-las.
Bela Franchini alerta, ainda, para o aproveitamento de estar na moda a expressão ‘isento de glúten’ para se tentar promover mais um produto, pois “há géneros alimentícios que nunca tiveram glúten na sua composição, como o arroz e o leite”, por exemplo. “Por isso, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária e a Associação Portuguesa de Celíacos lançou esta nova orientação que diz não é permitido utilizar esta expressão nas frutas, no arroz, no mel, nos ovos, entre outros produtos, porque pode enganar o consumidor. No entanto, é permitido quando ocorrer o risco de contaminação cruzada, nomeadamente nos produtos de moagem de grãos isentos de glúten, como as farinhas de milho e arroz, especiarias, leite condensado, iogurtes e batatas fritas”.
Em suma, a médica deixou o alerta de que pode não ser suficiente para o consumidor celíaco ler o rótulo dos produtos, mas sim estar bem informado e fazer uma alimentação equilibrada. A título de exemplo, Bela Franchini invocou alguns produtos que são isentos de glúten, como “arroz, milho, amaranto, quinoa, chia, mandioca, tapioca, batata, batata-doce, inhames e castanhas”.
Como conselho final para o consumidor celíaco, a médica sugere que este “pare, leia e escolha de forma acertada [os produtos a consumir]. Em caso de dúvida, não consuma e peça esclarecimentos”.
Hoje, o programa conta com conferências subordinadas aos temas da alimentação na doença celíaca, aspectos prácticos na manipulação e confecção de uma alimentação sem glúten, como lidar fora de casa, hospitais e escolas sem glúten, com a narração da experiência de uma mãe de um doente celíaco e com um workshop de alimentação sem glúten. No final, decorrerá um sorteio de duas máquinas do pão, o qual será realizado pelo Grupo de Amigos da Pediatria.
O intuito principal desta 10ª Reunião da Doença Celíaca resume-se, portanto, à importância dos alertas que rodeiam este tema e da prática de uma alimentação saudável para que os indivíduos com a doença celíaca consigam ter uma vida normal como qualquer um de nós.