É desta forma que a comunicação social, três dias antes do decreto que criou o Alto-comissário da República para os Açores (26 de março de 1918),apresenta a chegada do chefe da Defesa Marítima dos Açores, o Contra-almirante Augusto Eduardo Neuparth (1859 - 1925), a mais alta entidade militar no arquipélago embora por pouco tempo dada a chegada do Alto-comissário da República para os Açores (ACRA), o General Simas Machado. A sua missão era, para além de nivelar com a mais alta patente militar americana nas ilhas, unificar num único comando os poderes tradicionalmente dispersos pelos Capitães dos Portos dos distritos de Horta, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, assegurando-se de todas as medidas necessárias à defesa do mar dos Açores e proteção costeira das ilhas. É provável que Sidónio Pais o tenha nomeado para coordenar toda a ação portuguesa no arquipélago, podendo ter ocorrido um dilema já após a nomeação, dadas as possíveis incompatibilidades ideológicas com o aliado americano. A forma mais simples de as resolver, absorvendo outras áreas igualmente prementes a resolver nos Açores, foi a de nomear um Alto-comissário aliadófilo oriundo da guerra no norte de França, que ao assumir o comando máximo no arquipélago, tinha em Neuparth o seu principal conselheiro, para os assuntos relacionados com o mar e comando da defesa marítima portuguesa.
Contudo, Augusto Neuparth perdeu protagonismo nesta segunda missão uma vez que as baterias de defesa de costa portuguesas estavam a cargo dos militares de terra, inclusive com guarnições do Campo Entrincheirado de Lisboa, complementada spela plataforma marítima que constituía o “Vasco da Gama”, apesar de não estar equipado para defesa submarina. Nos relatórios sobre as reuniões preparatórias para a instalação das duas baterias de artilharia americanas (Santa Clara e Feteiras), apenas constam do lado português, oficiais de engenharia e artilharia do Exército, o que é demonstrativo das responsabilidades do Comando de Defesa Marítimo dos Açores.
De fabrico inglês, o “Vasco da Gama” foi o único navio da Marinha portuguesa que após várias modificações (começou por ser à vela), atingiu a classe de cruzador-couraçado ou seja, totalmente construído em metal e equipado com peças de artilharia de grande blindagem, capaz de combater a longas distâncias. A sua principal vocação era a defesa da costa, de acordo com um conceito militar em voga no final do século XIX. Lançado à água pela primeira vez em 1876, foi o maior e mais importante navio da Marinha durante cerca de seis décadas. Os recursos financeiros da fase final da Monarquia e da I República não permitiram um segundo couraçado, mas possibilitaram a sua modernização entre 1901 e 1903, sendo abatido ao serviço em 1936, já totalmente obsoleto. Com os seus 71 metros de comprimento e tripulação de 259 homens, as suas caldeiras a vapor possibilitavam que atingisse os 16 nós, destacando-se também pelas suas duas peças de artilharia de 203 mm, as de maior calibre de que a Marinha alguma vez dispôs, entre outro material bélico. A rápida evolução da corrida ao armamento fez com que no limiar do século já se encontrasse parcialmente ultrapassado, não tendo condições de combater os mais poderosos cruzadores e couraçados alemães, ou mesmo os temíveis submarinos, sendo este o ponto de situação operacional aquando da sua presença nos Açores.
Quanto a Augusto Eduardo Neuparth, é descrito nos seus documentos de matrícula como zeloso, competente, patriota e cumpridor de relevantes serviços. Entre 1884 e 1890, a sua progressão na carreira militar passou pela formação a bordo de diferentes classes de navios e por importantes comissões na metrópole e no ultramar, algumas das quais de especial relevância para o país e formação pessoal. Destacam-se os pertinentes serviços hidrográficos nas colónias, a delimitação de fronteiras em Moçambique, o resgate de reféns e alguma ação em combate. Trata-se claramente de um investigador da mesma geração de Roberto Ivens, que também andou por África em contatos diretos com oficiais de outras nações, nomeadamente alemães, estudando e preparando as fronteiras entre os dois povos. O cargo de maior destaque que ocupou foi o de ministro da Marinha (1914), sendo nomeado a dois de janeiro de 1918 comandante do cruzador Vasco da Gama, cargo de que seria exonerado a 23 de abril quando já se encontrava nos Açores.
Por decreto de 23 de março de 1918 foi nomeado comandante em chefe dos Serviços de Defesa Marítima dos Açores. No registo dos “Livros Mestres da Marinha de Guerra Portuguesa”, este cargo encontra-se associado ao comando do “Vasco da Gama”, navio que deixou na prática de comandar no mês seguinte, embora oficialmente sóa três de janeiro de 1919 quando já estava colocado na 2.ª Direção-Geral da Marinha em Lisboa, desde um de novembro de 1918. Em Ordem da Armada de 1919 seria nomeado diretor geral da 3.ª Direção-Geral da Marinha desde oito de janeiro, cargo que desempenharia até 30 de abril de 1920.
A sua passagem pelos Açores é alvo de controvérsia, uma vez que é entendido por alguns historiadores como simpatizante da causa alemã, logo de resistência aos interesses americanos no arquipélago, o que poderá explicar em parte a urgência da nomeação de Simas Machado, um aliadófilo, para Alto-comissário da República nos Açores.
É um facto que em 1924 espalhou a confusão entre as autoridades regionais, ao colaborar com um possível espião. O Comando Militar dos Açores e os governadores civis, em especial o de Ponta Delgada, depararam-se com uma situação sensível apadrinhada pelo almirante. Em missão vulcanológica aos Açores, o Dr. Friendlaender detinha uma carta de recomendação pessoal de Neuparth, e nenhum documento oficial para justificar a sua pormenorizada investigação sobre as ilhas e o seu mar. Na ausência de instruções superiores, apesar de requeridas, as autoridades no arquipélago vigiam a laboriosa ação do estudioso alemão em todas as ilhas, supondo que estaria em missão de espionagem. A questão envolveria mesmo três ministérios, em que o do Interior e o da Guerra de nada sabiam. Acabaria por surgir uma indicação oficial da Direção-Geral da Marinha para que o capitão do porto de Ponta Delgada o apoiasse, sem demais explicações. Apesar destas indefinições, durante cerca de um mês o dito geólogo e o seu assistente, passeariam livremente por todas as ilhas com um rebocador alugado, registando inúmeras informações tidas como de interesse militar, o que lhe valeria mesmo a piada por parte do governador civil de Ponta Delgada de que se fosse em tempo de guerra, seria considerado um espião.
Enquanto chefe da Defesa Marítima dos Açores, a atividade operacional de Augusto Neuparth rapidamente se desligou do comando do Vasco da Gama, sendo ordenada pelo Alto-comissário a partida do navio para a Horta, onde se manteria até outubro de 1918, regressando para apoiar com o seu pessoal médico, o combate à gripe Espanhola no hospital de Ponta Delgada. Durante este período, o comandante Neuparth manteve-se em Ponta Delgada e à semelhança de Simas Machado, encetou uma política de boas relações públicas com todas as autoridades, incluindo a americana. Contudo, sabe-se que não encarava de boa-fé, muitas das atitudes dos militares americanos tendo, segundo António José Telo, apresentado ao ministro da Marinha uma série de reservas sobre a relação dos micaelenses com o amigo americano, afirmando haver tendências separatistas, o que como se sabe hoje, não é totalmente falso. A própria sociedade açoriana, em especial a de tendência monárquica, simpatizava com os Impérios Centrais e obviamente era contra a república “guerrista”. O almirante Neuparth criticava a ajuda americana às populações e a forma como se relacionavam com as autoridades portuguesas, chegando mesmo a suspeitar que uma solicitação de apoio americana ao Vasco da Gama tinha tido como objetivo afastá-lo politicamente de Ponta Delgada. Por fim, minimizaria a ação naval estrangeira, referindo que o grande investimento estaria a ser feito na promoção da imagem e comércio dos EUA com os locais, o que não deixou de ser uma realidade.
A sua presença no seio da sociedade micaelense foi sempre muito destacada e afagada. Entre a comunicação social, que o felicitou na sua promoção a Contra-almirante quando já não comandava o Vasco da Gama, teve muito sucesso até mesmo porque soube explorar a atenção dos seus responsáveis. São conhecidos jantares na sede do Comando da Defesa Marítima em Ponta Delgada, aos diretores do “Açoriano Oriental”, “Diário dos Açores”, “O Protesto” e “A República”, sempre em homenagem à imprensa micaelense. Bem ao estilo da época, eram realizados em salas deslumbrantemente ornamentadas, acompanhados de delicados menus e a atuação de músicos, nomeadamente um quarteto. Sempre animados, trocavam impressões e “vivas”, algumas das quais ao almirante e à sua estada na ilha na década de oitenta do século XIX, enquanto guarda-marinha. Num dos seus discursos, referiu sentir-se muito bem entre os jornalistas porque não pugnava nenhuma grei partidária, procurando tal como a imprensa, o bem-estar social. Entre discursos e brindes, transmitia a ideia de contatos abertos e diretos entre os defensores da classe operária e as cúpulas da elite, fomentando-os na sociedade micaelense em diversas situações, fosse ao promover uma palestra do piloto Adolfo Trindade no Clube União Micaelense; fosse nos juramentos de Bandeira do Regimento de Infantaria n.º 26; junto do Alto-comissário ou mesmo em recitais nas Furnas para a Cruz Vermelha Portuguesa.
A 28 de setembro foi anunciado o seu pedido de exoneração por ter sido chamado a Lisboa pelo governo, dizendo-se “[…] é-nos sumamente grato acentuar a alta consideração e estima que todos os micaelenses tributam de sua Ex.ª(…). O sr. almirante Augusto Neuparth, além de ser uma glória da Marinha portuguesa, é, na sociedade, um cavalheiro de fino porte e delicadas maneiras […]”.A 20 de outubro de 1918 o comandante interino da Defesa Marítima dos Açores, Luís Constantino de Lima comunicou ao governador-civil de Ponta Delgada ter assumido funções e a 26 de outubro foinoticiada a partida do almirante para Lisboa.
O vice-almirante Augusto Neuparth estava no Armistício, a exercer cargos em duas das direções gerais da Marinha, tornando-se diretor da quarta em abril de 1920. Uma vez terminada a Grande Guerra foi agraciado com seis condecorações, uma das quais específica pela sua missão nos Açores e dois louvores. Contudo, a sua ação deverá continuar a ser alvo de futuros estudos, uma vez que não só constituiu um exemplo de espírito de aventura, e de um profundo nacionalismo, como o seu pensamento e rede de contatos é de particular interesse, por ter sido uma voz dissidente à presença americana.
Um facto é assente: o Almirante Neuparth gozou de inúmeras simpatias por parte dos órgãos de comunicação micaelenses, apesar da sua ação ter sido ofuscada com a chegada do General Simas Machado. Sabe-se muito pouco sobre a sua atividade operacional, tendo-se limitado a gerir a defesa marítima a partir das determinações do Alto-comissário embora reticente, de acordo com António José Telo.
Bibliografia: REZENDES, “A Grande Guerra nos Açores…”, Caleidoscópio, 2016.